quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Dona Celuta

DONA CELUTA.

Quando cheguei a São João del-Rei, vindo do Rio de Janeiro, não havia o tipo de esporte que eu apreciava, remo de competição.
Fui trabalhar em Matosinhos na Fábrica São João.
Lá incentivei os operários a disputar “peladas futebolísticas” entre as diversas seções e para isso começamos a utilizar o campo do Siderúrgica Futebol Clube onde angariei e solidifiquei ótimas amizades.
Na força da minha juventude necessitava descarregar minha energia, própria da idade.
Tive que me adaptar, embora “perna de pau” na gíria do futebol, improvisei um time de final de semana onde eu era o dono da bola por isso mesmo, não poderia ser barrado.
Certo dia o juiz meu amigo Edu, me expulsou de campo. Chamei o “Chico Magro”, substitui o juiz e continuei jogando, numa atitude altamente “democrática”.
Que vergonha!
Lá nos encontrávamos todos os finais de semana, aos sábados à tarde. Após a pelada nos confraternizávamos na casa do meu amigo Nonato e sua esposa Dª Clarisse pais de uma prole de oito filhos ou no Bar do seu Zé de Freitas e Dona Vicentina.
Exímia cozinheira, Dª. Clarisse nos recebia em sua casa com seus famosos bifes enroladinhos, preferidos do Chacal ou um temperadíssimo pernil, este o meu preferido, acompanhados naturalmente, de cervejas geladas e uma boa pinga.
Eram tempos muito felizes.
Só havia um problema. O campo de jogo não tinha alambrado. Assim sendo, acidentalmente, a bola caia no telhado do casebre miserável, onde morava Dona Celuta que todos temiam devido sua reação quando a bola caia no telhado de sua casa, quebrando as telhas e provocando goteiras, ela não devolvia a bola de jogo.
Certa tarde, quando jogávamos, aconteceu esse fato. Mais uma vez e ela reteve a bola.
Alguém exaltado quis ir até lá tomar a bola à força. Não deixei. Ponderei que ela estava com a razão. Antecipei-me e fui até ela.
Era uma senhora negra com as marcas da idade no semblante. Recebeu-me com ar austero e nervoso reclamando ostensivamente daquela situação.
Quebrei a tensão com um sorriso e cordialidade. Pedi-lhe desculpas e prometi que não aconteceria mais.
Convidou-me a entrar. Meu coração ficou apertado de ver tanta pobreza ali, nas nossas barbas.
A “casa” de chão batido e de adobe tinha apenas um cômodo só e um sanitário com uma cortina de plástico para sua privacidade. O telhado mostrava as fendas nas telhas quebradas pelas boladas do futebol. O engradamento era de varas roliças de madeira comum. Não possuía luz elétrica. Apenas um catre onde dormia e que servia de cadeira quando queria sentar-se.
Chamamos nosso pedreiro de plantão – a solidariedade entre os pobres é emocionante, estão sempre disponíveis para prestar ajuda uns aos outros.
Em poucos dias foram reparados os estragos e puxamos um ponto de luz do nosso vestiário para a casa de Dona Celuta.
Levantamos o alambrado de maneira a proteger o casebre.
Tornou-se nossa fã. Sempre se oferecia para prestar pequenos serviços como lavadeira de uniformes e etc...
Passaram-se os dias chegou dezembro e com ele Natal.
Uma manhã de céu limpo eu estava sentado à frente do Posto de Gasolina onde trabalhava, eis que chega Dona Celuta com um embrulho bonito fechado com laço de fita.
- É pro senhor seu Pedro. Muito obrigado.
Não tive palavras, somente lágrimas. Foi minha resposta.
O conteúdo do embrulho uma camisa cara e a mais bela que ganhei.
Guardei-a por muitos anos sem usá-la como o melhor troféu que conquistei, junto com meus amigos, em toda minha vida.
Que belo Natal. Talvez o melhor.
Os momentos de felicidades são tão raros e tão caros.
Não existem jóias baratas.
Vale a pena viver!

17/11/2010
Pedro Parente