quinta-feira, 30 de novembro de 2023

AVENTURA

 AVENTURA

Lá pelos anos de 1968 na força dos meus 28 anos, pura energia e muita irresponsabilidade próprias da idade, morava no Rio precisamente no Leblon no Edifício dos Jornalistas.

Sem formação acadêmica tinha que trabalhar ali onde não se exigia diploma de nada, apenas boa aparência e educação. O salário remunerava o trabalho de acordo com a função, como eu era “office boy”, hoje “serviços gerais”, ganhava o suficiente para me manter e no final do mês comer um espaguete a bolonhesa e uma cerveja na Espaguetilândia em frente a Cinelândia no Centro. 

Sonhava em ter um carro. Seria impossível com a renda que tinha. Certo dia um amigo levou-me à uma loja de um parente dele que vendia veículos usados no crediário. Encantei-me com um Fusca 1964, bateria de 6v e financiei em um ano. Adaptei dois faróis de milha, tudo fiado. Fiz um empréstimo no Banco pra abastecer o “possante” convidei meu amigo e conterrâneo Rubinho para irmos matar a saudade de Belém e de nossas famílias.

Num domingo de manhã, cedinho, partimos do Jornalistas no Leblon, rumo a Belém. 

O Rubinho, meu amigo, não dirigia. Agarrou-se no suporte de segurança (PQP) no painel em frente ao carona e não tirou os olhos do asfalto sem admirar as paisagens.

Rodamos o dia inteiro e conseguimos chegar em Brasília pela Rodovia 040 já anoitecendo. 

Paramos num muquifo na beira da estrada onde tinha o que procurávamos bar e quarto pra dormir. Tomamos banho, jantamos e fomos deitar. Um quartinho com duas camas de solteiro e a privada lá fora. O travesseiro ainda tinha o afundamento marcado pela cabeça do último freguês. A cama ainda estava quente. Anestesiados pela pinga foi como se estivéssemos num confortável hotel cinco estrelas.

Antes do sol raiar, pagamos e partimos rumo a Anápolis para pegar a Belém/Brasília. Eram 2.000km de terra. Tínhamos que levar gasolina. Ainda não haviam Postos de gasolina suficientes.

O asfalto já tinha chegado até a cidade de Ceres o que já era um prêmio. Quando entramos na terra “o bicho pegou”. O fusca trepidava como se sofresse de Parkinson. As peças iam caindo e nós juntando. Farolete, farol de milha, faróis dianteiros e traseiros, para-choques etc... Tinha mais peças dentro do carro do que fora, além disso para dirigir era o cigarro no canto da boca, mão na direção e a outra na alavanca de mudança para não soltar, pois as “costelas” da estrada desengrenavam a marcha.

A poeira ou piçarra parecia talco. O calor terrível não nos deixava fechar os vidros. Não sei como não entupiu meus pulmões!

Já na “boca da noite” chegamos a um lugar que tinha uma construção de alvenaria com placa de Hotel com banho quente.

Nos entreolhamos e relaxamos. Vamos tomar um banho restaurador e tirar essa poeira toda do corpo. O Rubinho de moreno, parecia alemão com os cabelos amarelos. Tinha poeira até nas pálpebras.

Pegamos nossas toalhas e corremos para o que esperávamos fosse um chuveirão. Ledo engano! Da parede saia um cano de uma polegada de onde escorria um fio de água fria.

Só nos restou improvisar e gargalhar!

Viagem que segue!

20/112023

Pedro Parente.



 







segunda-feira, 27 de novembro de 2023

HERESIA

 HERESIA

Tempos pretéritos aqui na cidade onde moro. Uma cidade do interior de Minas muito famosa por seus tesouros culturais e obras magistrais pintadas ou entalhadas nas belas igrejas barrocas reminiscentes do período da caça ao ouro abundante nas serras e nos córregos de São João del-Rei.

A vida corria mansamente disputando porfia com o córrego do Lenheiros que corta o Centro Histórico. Ninguém era identificado pelo CPF e sim pelo parentesco e também, por apelido.

Assim foi que pela ausência de luz elétrica, todas as casas, principalmente na roça e na periferia, a iluminação era feita com lampiões, candieiros e lamparinas abastecidos com querosene.

Um cidadão simples viu nessa carência uma oportunidade de ganhar um dinheirinho a moda “mineirinho”.

Tinha um caminhãozinho velho. Colocou nele um pequeno tanque de cinco mil litros, encheu de querosene e abastecia  fazendas e as comunidades retiradas, com isso foi juntando  “os cobres” e tornou-se um próspero comerciante no transporte de combustíveis. 

Na época que eu administrava um Posto de gasolina ele possuía duzentos e cinquenta carretas.

O homem era devoto fervoroso de NS Aparecida. Toda carreta zero que comprava, mandava lá no santuário de Aparecida para que o padre benzesse e entronizasse na cabine uma imagem da santa. Exigia respeito dos motoristas à imagem.

Eu tinha um conhecido chamado Fernando que se orgulhava do seu trabalho como motorista de uma das carretas da frota do homem pois era bem remunerado.Motorista muito cuidadoso e asseado, sua cabine era um brinco. Não se via qualquer vestígio de poeira.

Certo dia, quando limpava a boleia da sua carreta, tirou tudo de dentro inclusive a santinha, e colocou no chão para aspirar os bancos.

Não é que o dono das carretas, dando uma fiscalizada no pátio, encontrou a imagem no chão.

Demitiu o Fernando na hora.  

Para o resto da vida ficou com o apelido de 

FERNANDO QUEBRA SANTA.

27/11/2023

Pedro Parente

 



































segunda-feira, 13 de novembro de 2023

OBSERVAÇÃO

 OBSERVAÇÃO

No meu périplo entre bares e restaurantes de diversas cidades que frequentei muito mais do que salas de aulas onde somente o professor falava, observei muito, aprendi muito, ouvi muito e gargalhei demais.

Certa época, quando trabalhava numa fábrica de tecidos, eu e alguns amigos do escritório da administração, fazíamos ponto no bar da Dª. Esther, no próprio prédio da fábrica.

Onde aquela freguesada  toda, formada por gente conhecida era uma alegria só. Todos brincavam entre nos na maior gozação na maior harmonia. 

Nunca houve um entrevero sequer. Ótima confraria!

Nesse clima passávamos horas saboreando as delícias feitas por Dª Esther e suas filhas, entre pingas e cervejas. 

A prateleira de bebidas de dose era sortida até uísque tinha!

Todos os dias ali entrava um rapaz moreno com roupa de grife meio que esnobando a rapaziada. Um gingado diferente e a fala puxando pelo ”xis”. Diziam que estava fazendo sucesso como jogador de futebol.

Sempre sorridente, cumprimentou a todos e fez seu pedido que nos surpreendeu:

- DONA ESTÉU ME DÁ UM ROLABEL!

Nos entreolhamos intrigados e aguardamos Dª Esther servi-lo.

Ela tirou da prateleira uma garrafa do whisky Royal Label muito comum naquela época e sapecou no copo de servir cachaça.

Tomou a talagada duma vezada só, estalou os beiços.

Com uma lágrima no canto dos olhos saiu de fininho.

Contivemos o riso até ele se afastar. 

Achei que usou o dialeto da roça donde veio.

Bar academia da vida!

13/11/2023

Pedro Parente


 


sábado, 11 de novembro de 2023

O BOM VELHINHO

 O BOM VELHINHO

Quando cheguei do Rio de Janeiro vim trabalhar numa fábrica de tecidos. Não me passava pela cabeça que no setor industrial, a administração trabalha, também aos sábados.

Não tinha o menor cacoete. Não estava acostumado. No Rio trabalhava só até sexta..

A salvação é que no próprio prédio da fábrica havia um barzinho administrado pela simpática Dª Esther e suas filhas. Ela havia sido operária durante muitos anos.

Aos sábados comecei a frequentar o bar e corrompendo alguns companheiros de serviço passávamos horas bebendo e comendo as delícias feitas por mãos habilidosas. O patrão não gostava mas como eu fazia parte da administração ele relevava.

O bar é um lugar democrático. As pessoas tem direito de falar o que quiser, sentar com quem quiser, morrer de rir e alguns insensíveis que não sabem beber, se exaltarem tornando-se inconvenientes.

Nesse bar nunca presenciei nenhuma desavença, pelo contrario só alegria.

Nesse clima angariamos a simpatia dos frequentadores e formamos uma pequena comunidade

Tinha um velhinho que caminhava com muita dificuldade apoiado por duas muletas, Para ganhar um dinheirinho a mais, escrevia jugo do bicho. Penalizados por sua dificuldade de locomoção nos cotizamos e lhe demos uma cadeira de rodas. Ficou numa alegria imensa. Todos tinham carinho por ele.

Certo dia chegou um cidadão e humilhou o velhinho.

- Vou jogar uma mixaria. Não jogo mais porque o senhor não paga.

O sangue me subiu na cara. Tirei um bom dinheiro da carteira e insultei o cara:

- Joga ai essa grana. A “salva” é sua!

O cara olhou sem graça e saiu de fininho.

As forças cósmicas conspiraram a meu favor. Ganhei a centena. Era muito dinheiro. O coitadinho não teve coragem de descer de sua casa com aquela grana toda.

Me levou em sua casa e deu um pacote com os montinhos amarrados pelo tradicional elástico.

Tirei um dos pacotinhos e lhe dei de presente.

Relutou em aceitar.

Com o dinheiro fui a Belém ver minha família.

Quando retornei, o bom velhinho me ofereceu o dinheiro dizendo que não havia mexido e que estava a minha disposição.

Boas lembranças de bons momentos.

Só saudade!

11/11/2023

Pedro Parente

 

 

Quando cheguei do Rio de Janeiro vim trabalhar numa fábrica de tecidos. Não me passava pela cabeça que no setor industrial, a administração trabalha, também aos sábados.

Não tinha o menor cacoete. Não estava acostumado. No Rio trabalhava só até sexta..

A salvação é que no próprio prédio da fábrica havia um barzinho administrado pela simpática Dª Esther e suas filhas. Ela havia sido operária durante muitos anos.

Aos sábados comecei a frequentar o bar e corrompendo alguns companheiros de serviço passávamos horas bebendo e comendo as delícias feitas por mãos habilidosas. O patrão não gostava mas como eu fazia parte da administração ele relevava.

O bar é um lugar democrático. As pessoas tem direito de falar o que quiser, sentar com quem quiser, morrer de rir e alguns insensíveis que não sabem beber, se exaltarem tornando-se inconvenientes.

Nesse bar nunca presenciei nenhuma desavença, pelo contrario só alegria. 

Nesse clima angariamos a simpatia dos frequentadores e formamos uma pequena comunidade

Tinha um velhinho que caminhava com muita dificuldade apoiado por duas muletas, Para ganhar um dinheirinho a mais, escrevia jugo do bicho. Penalizados por sua dificuldade de locomoção nos cotizamos e lhe demos uma cadeira de rodas. Ficou numa alegria imensa. Todos tinham carinho por ele.

Certo dia chegou um cidadão e humilhou o velhinho.

- Vou jogar uma mixaria. Não jogo mais porque o senhor não paga.

O sangue me subiu na cara. Tirei um bom dinheiro da carteira e insultei o cara:

- Joga ai essa grana. A “salva” é sua!

O cara olhou sem graça e saiu de fininho.

As forças cósmicas conspiraram a meu favor. Ganhei a centena. Era muito dinheiro. O coitadinho não teve coragem de descer de sua casa com aquela grana toda. 

Me levou em sua casa e deu um pacote com os montinhos amarrados pelo tradicional elástico.

Tirei um dos pacotinhos e lhe dei de presente. 

Relutou em aceitar.

Com o dinheiro fui a Belém ver minha família.

Quando retornei, o bom velhinho me ofereceu o dinheiro dizendo que não havia mexido e que estava a minha disposição.

Boas lembranças de bons momentos.

Só saudade!

11/11/2023

Pedro Parente



FLOR DO GUAMÁ

 FLOR DO GUAMÁ

Vivia a fase dourada da juventude. Faz muito tempo! Ainda sob a proteção de meus pais e a companhia de meus irmãos de uma prole de cinco homens.

Não faltava trabalho eu o fazia prazerosamente com o ufanismo de ajudar meu velho pai. 

Meu avô materno, português, adquiriu uma quantidade enorme de terras no alto rio Guamá a ponto de tornar-se Cel. da Guarda Nacional um título honorífico adquirido do Governo em moeda corrente. Desta forma tornando-se responsável pela segurança naquelas terras.

O casarão sede do que naquelas bandas chamam de “sítio” embora numa gleba de terras de trinta mil hectares. Era todo de madeira da própria floresta. Um imenso chalé avarandado que comportava venda de produtos para manutenção das casinhas dos colonos. Não existia eletricidade, as lamparinas e candeeiros eram abastecidos com querosene.A casa abrigava muitos daqueles que eram empregados do sítio e moravam ali. Os casados com suas esposas.

Na frente da casa havia um trapiche onde encostavam as embarcações trazendo ou levando produtos e passageiros.

Tínhamos duas embarcações que transportavam a colheita de arroz, cacau, e outros produtos da floresta. Um barco movido a motor Diesel e uma grande canoa à vela. O barco chamava-se Pingas e a canoa Flor do Guamá. Meu pai se orgulhava dos dois, pois eram imbatíveis nas porfias.

Em certo momento, no auge da safra, o Pingas teve que ser recolhido ao estaleiro para reparos emergenciais, calafetagem do casco e pintura. Dessa forma o trabalho da Flor do Guamá triplicou e causou certa apreensão, visto que dependíamos agora não só da maré mas também do vento.

Teríamos que concatenar maré e vento. No Pingas fazíamos a viagem em seis horas, isto é, uma maré. Na Flor do Guamá teríamos que contar com o vento e de que lado ele viria.

Operar essa canoa era difícil e exigia muito do piloto e da tripulação. A vela latina feita de lona, tinha um peso enorme devido seu tamanho. Era içada pela verga superior. Na verga inferior ficava presa a escota, um cabo que dá direção à vela quando “camba o bordo”, isto é, muda de direção. No bico de proa a bujarrona uma vela triangular que ajuda no impulso e nas manobras.

Numa dessas viagens, maré fraca de Lua nova o vento apenas uma aragem, desatracamos do trapiche na reponta da maré, isto é, no limite máximo da maré cheia.

Nossa esperança era alcançar o Ver-o-Peso de uma vez só, porém nem o vento e nem a correnteza não foram suficientes para nosso intento.

A maré encheu e com o vento fraco não conseguiríamos vencer a enchente. Era na caída da noite. Jogamos a âncora e ficamos fundeados.

No passadiço Coló um tripulante esperto, acendeu o fogareiro de barro, colocou  uma lata de vinte litros com água pra ferver, jogou umas cebolas, cheiro-verde, coentro e chicória e fomos todos, com linha de mão pegar um peixe para o jantar.

Pegaram uma piramutaba grande. Limparam-na e jogaram os pedaços grandes na lata fervendo que já tinha apurado aquele caldo cheiroso. Farinha no fundo do prato de folha (esmaltado) o tal “pirão escaldado” que nosso povo ama.

Barriga cheia, uma soneca esperando a maré vasar para chegarmos à feira. Descarregamos à canoa e voltamos para o sítio Canta Galo.

Corpo cansado e o coração feliz.

11/11/2023

Pedro Parente.