domingo, 31 de outubro de 2010

Cara a cara -Nelson Gonçalves

Felizmente temos poeta e menestréis que escrevem e cantam aquilo que não sabemos falar.

Amo esta música. Nota dez para seus autores Lúcio Nascimento e Carlos Colla.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

UM CERTO NATAL

UM CERTO NATAL
Pedro.
Como acontece todo ano, naquele,  decidimos fazer a festa do Natal, na casa do teu tio Marco Antônio.
Era sempre uma festa agradável. Faziam-se as comidas tradicionais, iguarias de todas as espécies, sorteios de “amigo oculto”, troca de presentes, enfim, uma alegria!
Tu levavas vantagem na hora da entrega dos presentes, pois eras o mais novinho.
A turma do Vicente e da Sônia, já era maior e já curtia “outros baratos”.
Possuías um grande prazer em chupar bico.
Nós adultos somos muito professorais, austeros com as crianças; chatos mesmos.
- Esse menino tem que parar de chupar bico. Estraga os dentes. Deforma a personalidade!
Quanto conceito!
Em nenhum momento se imagina o prazer daquele ato. A delícia que é chupar bico.
Pobres crianças, desde cedo terão que fazer tudo aquilo que os adultos impuserem.
Pois bem, articulou-se uma troca com Papai Noel, logo com quem com “O Bom Velhinho”. Receberias dele uma bicicleta, mas abdicaras do teu prazer de chupar bico.
Que maldade!
Na hora marcada, naquela noite de Natal, o “Bom Velhinho” chegou trazendo consigo aquela reluzente bicicleta.
Teus olhos faiscaram de alegria.
- É toda tua, porém terás que me dar teu bico em troca e prometeres nunca mais voltar a chupar!
Numa atitude decidida e firme, entregaste o bico e recebeste a bicicleta.
Eu te observava atentamente.
Meu coração apertou e meus olhos ficaram marejados.
Mudo estava, mudo fiquei, com meu sorriso pateta na face.
Meu filho estava contabilizando sua primeira perda. Tomando a primeira lição.
Para alcançar a bicicleta teria que preterir a companhia inseparável, por todos esses anos de vida, de seu bico.
Sim, aquela coisa antiestética e repugnante que nós adultos condenamos e que as crianças amam.
Naquele momento de festa sua atenção toda era para a bicicleta. E na hora de deitar com seu companheiro? Aquele que o ajudava a ninar e contar carneirinhos? Que teria sido feito dele? Onde estaria? Teria sido jogado fora em uma lata de lixo? Estaria sentindo frio, sozinho, naquela noite de Natal? Não teria ninguém para chupá-lo? Estaria se lembrando de mim? Da maldade que lhe fiz?
Maldita bicicleta, me tiraste meu melhor amigo. Meu bom companheiro de todas as horas. Principalmente à noite assistindo televisão.
Essa maldita bicicleta terá que ter espaço para eu brincar com ela.
Dia de chuva, não pode. Dentro de casa, não pode. Na escola, não pode.
Parece que cometi uma traição e na troca da nova amiga pelo velho companheiro, fui injusto e levei “manta”.
Eu, teu pai, assisti a tudo calado e apreensivo. Queria ver o desfecho.
Aquele propósito teria sido momentâneo? Tu voltarias atrás no dia seguinte?
Para mim, aquela noite de Natal não foi igual às outras. Fiquei cismático.
Para minha surpresa: tu nunca mais falaste em bico.
Uma prova insofismável da tua personalidade e do teu caráter.
Bravo! Filho.
Obrigado.
Teu pai.

27/10/2010
Pedro Parente





FILHO

São João del-Rei, 18 de junho de 1997.

Meu filho.

Ao sentir aproximar-se o final da minha jornada, gostaria de deixar consignadas, algumas considerações úteis na tua caminhada que se inicia.
Peço-te perdão pela ousadia de te colocar no mundo sem ouvir tua opinião.
Assumo metade da culpa.
Pela tua herança genética, certamente lidarás com muitos defeitos e algumas virtudes de teu pai.
O dia em que nascestes foi um dia de grande alegria e profunda reflexão.
Ser teu pai com a idade já avançada seria irresponsabilidade ou desafio?...
Talvez certo egoísmo.
Usufruir do teu sorriso inocente, do teu terno abraço, da tua pequenez angelical.
Vieste preencher minha vida.
Gostaria de te falar muitas coisas que nossa diferença de idade não permite.
Um momento só e uma folha de papel não bastam.
Gostaria de caminhar a teu lado, às vezes contigo no colo, sangrar com prazer, pisando nos espinhos que por ventura a vida te reserve.
Faz da vida, uma trajetória de sorrisos.
Deixa que as pessoas te procurem pela tua alegria e não te evitem pelas tuas tristezas.
Nunca sejas subserviente.
Caminha de cabeça em pé.
Não aceita humilhação e nem abdica do teu direito.
Protege tua mãe.
Não deixa que a façam infeliz.
Ela enfrentou a maledicência de uma sociedade vil e austera para te ter.
Se a indagares se valeu a pena?
Certamente não hesitará em te abraçar e sem palavras, sentirás suas lágrimas umedecerem teu ombro.
Se puderes ter dinheiro, será bom, porém se faltar não te maldiga, ele é o grande culpado das mazelas do mundo; em pessoas fracas acaba por eliminar aquilo que o ser humano tem de mais admirável que é a dignidade.
Respeita os idosos.
Quando por eles passares, reverencia-os.
Ali vão anos de experiência vencidos pelo tempo.
Quando fores senil, lembrarás do que hoje te falo.
Somente aí, nessa época, entenderás.

Ti amo.

Teu pai.

Pedro Parente

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O SEPTUAGENÁRIO

O SEPTUAGENÁRIO

Parece que foi ontem que escrevi uma crônica com o título “O Sexagenário” referindo-me a idade que tinha aquela época.

Para minha surpresa, hoje, após dez anos, escrevo O Septuagenário.

Muitas mudanças.

No entardecer da vida as perdas são freqüentes.

Muitos amigos vão tombando nessa luta desenfreada pela sobrevivência.

Cada perda uma ferida, com o tempo uma cicatriz, porém aquela marca não desaparecerá e nosso coração se transforma num imenso cemitério de recordações.

Saudade do que passou.

Meu filho a quem, de mãos dadas, ensinava os caminhos mais suaves pelas trilhas tortuosas da vida, hoje rapaz, me ensina suas modernidades e com ele aprendo seu novo palavreado.

Fiquei velho.

As dores físicas vão travando uma intensa luta com as dores morais do meu consciente.

A artrose me corroendo os joelhos e minha mente reflexiva vai me interrogando se errei muito. Se fui injusto? Se ofendi alguém?

Essas reflexões me levam a crer que se prejudiquei alguém, foi involuntariamente e peço perdão. Jamais o faria premeditadamente.

Os amores? Ah! Os amores!

Velhos amores, velhas recordações.

O viço cedeu lugar ao torpor, ao desalento e aos poucos vamos ingressando no exército dos invisíveis. Não somos mais notados. Ninguém nos vê e o que mais machuca é a indiferença de quem um dia nos amou e trilhou caminhos difíceis ao nosso lado.

Com razão 70 anos não são 70 dias.

Daquela imagem jovem e vigorosa, restou apenas um espectro claudicante e cabisbaixo.

Dessa caminhada inglória rumo à sepultura, resta um tesouro conquistado passo a passo, copo a copo, gota a gota: os amigos.

Por eles valeu a angústia de envelhecer.

É prazeroso tê-los sempre em meus pensamentos e se possível à minha ilharga.

Hoje nos confraternizaremos pela passagem dos aniversariantes do mês de outubro, uma tradição da Turma do Buneko e me parece um recorde, pois já ultrapassam 80 reuniões com essa finalidade.

Lá estaremos todos alegres e felizes esquecendo por momentos nossas tristezas e abrindo espaço para um efêmero entusiasmo jovial, exarcebando naquilo que nos resta: os prazeres da boca.

Nesse imenso algodoal de têmporas encanecidas, não haverá espaço para tristeza.

Amanhã estaremos um dia mais velhos.

Disse-me meu amigo José Norberto: “Para não envelhecer, basta morrer novo”.

Vida que segue!

Pedro Parente.