ZÉ DA LAMA
Nos idos dos anos cinquenta, ainda morando e vivendo minha juventude na bucólica Belém, cidade das mangueiras frondosas, no bairro Cidade Velha, vivíamos tempos calmos como se nossa comunidade formasse uma aldeia.
Ainda não havia CPF e todos se tratavam pelo “nome próprio”. O transporte urbano era feito pelos bondes todos abertos e ventilados tratavam o calor próprio do local com indiferença.
Delícia andar dependurado no estribo e segurando o balaústre para driblar o cobrador. A rapaziada aproveitava a marcha pachorrenta dos bondes saltava e ia para a parte dianteira deixando o cobrador para trás.
Tempos calmos.
O Brasil não tinha petróleo, segundo um especialista estadunidense Mr Link que produziu um tal Relatório Azul.
Éramos assaltados, desde aquele tempo e muito antes, de outras riquezas naturais como o manganês do Amapá e outros tesouros.
Muitos larápios disfarçados de padres missionários com bolsos que iam até os pés, só mexiam com diamantes, brilhantes e pedras preciosas. Nenhum falava nossa língua.
Indiferente a isso vivia a alegria da juventude sadia. Praticava o esporte de remo no Glorioso Clube do Remo no Largo da Sé.
Na rua que dava acesso a praça havia uma oficina mecânica cuja especialidade era abrir cofre, pois o dinheiro e documentos ali eram trancados. Era comum o proprietário do estabelecimento perder o segredo privando-o do acesso.
O proprietário da oficina, homem maduro de farto sorriso e boa prosa, possuía uma habilidade ímpar de decifrar segredos dos cofres trancados.
Nós íntimos o tratávamos de “Zé da Lama”. Sempre de macacão manchado de graxa identificava-o como uma pessoa simples mas de muita opinião.
Havia uma multinacional que explorava manganês no Amapá, perdeu o segredo do cofre imenso do qual dependia todo movimento do Caixa da empresa inclusive salários dos trabalhadores. Procuraram e não encontraram um especialista que resolvesse o problema, até que foram encontrar o Zé em Belém.
Contrataram-no e lá se foi o Zé às suas custas.
Em lá chegando, com sua habilidade, resolveu o problema em poucos instantes abrindo o maldito cofre.
O administrador achou que estava pagando muito caro por um serviço de pouca demora.
Não teve dois tempos, bateu a porta do cofre e rodou o segredo voltando o problema à estaca zero. Saiu dali e voltou para Belém.
Passaram dois dias, o Zé recebeu um telefonema da tal empresa.
Exigiu passagem aérea e cobrou o dobro do preço. Tiveram que pagar.
Zé ficou feliz e nós aplaudimos.
Atravessamos a rua e fomos ao Bar Cova da Onça comemorar às custas do Zé.
Raros aqueles que dão valor aos que produzem realmente.
Saudades do Zé da Lama meu herói.
26.02.22
Pedro Parente