sábado, 26 de fevereiro de 2022

ZÉ DA LAMA

 ZÉ DA LAMA

Nos idos dos anos cinquenta, ainda morando e vivendo minha juventude na bucólica Belém, cidade das mangueiras frondosas, no bairro Cidade Velha, vivíamos tempos calmos como se nossa comunidade formasse uma aldeia.

Ainda não havia CPF e todos se tratavam pelo “nome próprio”. O transporte urbano era feito pelos bondes todos abertos e ventilados tratavam o calor próprio do local com indiferença. 

Delícia andar dependurado no estribo e segurando o balaústre para driblar o cobrador. A rapaziada aproveitava a marcha pachorrenta dos bondes saltava e ia para a parte dianteira deixando o cobrador para trás.

Tempos calmos. 

O Brasil não tinha petróleo, segundo um especialista estadunidense Mr Link que produziu um tal Relatório Azul.

Éramos assaltados, desde aquele tempo e muito antes, de outras riquezas naturais como o manganês do Amapá e outros tesouros. 

Muitos larápios disfarçados de padres missionários com bolsos que iam até os pés, só mexiam com diamantes, brilhantes e pedras preciosas. Nenhum falava nossa língua.

Indiferente a isso vivia a alegria da juventude sadia. Praticava o esporte de remo no Glorioso Clube do Remo no Largo da Sé.

Na rua que dava acesso a praça havia uma oficina mecânica cuja especialidade era abrir cofre, pois o dinheiro e documentos ali eram trancados. Era comum o proprietário do estabelecimento perder o segredo privando-o do acesso.

O proprietário da oficina, homem maduro de farto sorriso e boa prosa, possuía uma habilidade ímpar de decifrar segredos dos cofres trancados. 

Nós íntimos o tratávamos de “Zé da Lama”. Sempre de macacão manchado de graxa identificava-o como uma pessoa simples mas de muita opinião.

Havia uma multinacional que explorava manganês no Amapá, perdeu o segredo do cofre imenso do qual dependia todo movimento do Caixa da empresa inclusive salários dos trabalhadores. Procuraram e não encontraram um especialista que resolvesse o problema, até que foram encontrar o Zé em Belém.

Contrataram-no e lá se foi o Zé às suas custas.

Em lá chegando, com sua habilidade, resolveu o problema em poucos instantes abrindo o maldito cofre.

O administrador achou que estava pagando muito caro por um serviço de pouca demora.

Não teve dois tempos, bateu a porta do cofre e rodou o segredo voltando o problema à estaca zero. Saiu dali e voltou para Belém.

Passaram dois dias, o Zé recebeu um telefonema da tal empresa.

Exigiu passagem aérea e cobrou o dobro do preço. Tiveram que pagar.

Zé ficou feliz e nós aplaudimos.

Atravessamos a rua e fomos ao Bar Cova da Onça comemorar às custas do Zé.

Raros aqueles que dão valor aos que produzem realmente.

Saudades do Zé da Lama meu herói.


26.02.22

Pedro Parente


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

AÇAÍ

 



Açaí














AÇAÍ



Dei sorte em ter nascido neste país tão amado pela sua gente hospitaleira. Não sei o nome que os legítimos habitantes lhes

davam, porém os invasores o chamaram Brasil. 

De dimensões continentais detém nas suas regiões geográficas vários tipos de culturas.

Sou nato de Belém do Pará na região Norte possuidora de hábitos singulares. 

Ali é o império das águas.

Os rios são as avenidas e os igarapés, as ruas. Deste modo o meio de transporte, em grande parte é fluvial.

Barcos de todos os tipos, uns movidos a vela estilo grego com duas vergas; outros a remo e os mais prósperos, a motor estacionário ou de popa. 

A natureza generosa protege da fome a população ribeirinha com seu modo peculiar de viver, pois o rio lhes dá o peixe e a floresta, a caça, os frutos e a roça.

Constroem suas casas a beira do rio sobre palafitas protegendo-se do movimento constante das marés que enchem e vazam.

Sem impostos a pagar como IPTU, água e energia elétrica que escravizam as pessoas dos centros urbanos, vivem uma vida modesta sem agonia de ter que pagar tais tributos.

A preocupação é com o querosene que abastece as lamparinas e candeeiros para iluminação.

Hoje o eldorado dos ribeirinhos, não é ouro e sim o AÇAÍ.

Praticamente não existe desemprego. A família toda trabalha.Meninos e meninas por serem mais leves, sobem nas palmeiras nativas finas e altas com o uso da peconha que nada mais é do que algumas folhas do açaizeiro enroladas aos pés que lhes dão sustentação.

Colhem os cachos e debulham os frutos dentro de paneiros, balaios tecidos de cipós, ali mesmo e que tem medida padronizada para transporte e venda na Feira do Açaí em Belém.

A colheita do trabalho é entregue ao atravessador, aquele que compra o produto e em barcos grandes, leva para a Feira do Açaí. 

Lá é vendido aos feirantes que por sua vez vendem aos consumidores.

O movimento na feira é insano. Abastecer o mundo de açaí.

Enquanto isso, depois da lida, aquela família vai comer um peixe frito com açaí e farinha. Tudo fresquinho e sem agrotóxicos. 

Deitados em redes fazendo a digestão, ficam com os olhos fixos no rio enquanto a vida feliz passa acompanhando a velocidade do  remanso.

Brasileiros esquecidos que sem agredir a natureza, contribuem com seu trabalho familiar,  para nosso bem estar.

Obrigado aos felizes invisíveis.


24.02.22

Pedro Parente.