segunda-feira, 9 de julho de 2018

O CALVÁRIO


O CALVÁRIO
Naqueles tempos, havia um caminhão velho bastante maltratado que já não possuía as laterais e nem a parte traseira da carroceria.
O capô não tinha mais as presilhas de maneira que quando passava em cima de um buraco abria e batia com força como a boca de um jacaré. Por ter sido de cor verde ganhou o apelido. Movido a gasolina, pouco circulava.
Era dirigido pelo Ivo. Um moreno bem educado e solícito. A todos cumprimentava com gentileza e por isso gozava de grande simpatia.
Certo dia, Tião do Virgílio, homem forte, truculento e de pouco sorriso. Trabalhador da construção civil. Num dia de sábado quando o serviço acaba mais cedo, ao meio dia, catou uns restos de madeira ainda com restos de cimento que serviram para a escora de laje. Fez um feixe, amarrou com arame cozido, forrou com a camisa e “ombrou o bruto”.
Fazia sol de rachar naquele dia de verão e sua casa estava muito longe, no alto do Morro da Forca. Subida forte. Pensou: - Preciso desta lenha para fazer o almoço. E começou a subir.
Trincando os dentes de raiva pelo destino que a vida lhe reservara, a cada passo um impropério.
Parou no Tonico Verdureiro e tomou uma lapada da “marvada”.
- Agora falta pouco!
Com os passos cada vez mais lentos, estimulado apenas pela pinga, continuou subindo.
Ao dobrar na parte mais íngreme da sua rua, já avistando a soleira da porta da sua casa, chega o Ivo em seu velho caminhão, solícito como sempre, segurou na embreagem e insistiu com o Tião:
- Joga a lenha aí atrás e entra!
Tião relutou o que pode. Para não fazer desfeita com uma pessoa tão boa, aquiesceu. Jogou o feixe de lenha no taipar e entrou na boleia sem porta.
Para azar dele, quando o Ivo tentou arrancar com o caminhão, o motor apagou.
- Não se preocupe! Galho fraco! Estamos na descida. É só um tranco e ele pega. Disse o Ivo.
De tranco em tranco o caminhão foi descendo, descendo até estacionar com o restinho do embalo, na frente da construção que o Tião trabalhava.
Ivo foi pedir desculpas.
Com tanta raiva Tião pegou o feixe de lenha atirou no chão despedaçando os sarrafos de tábuas para todos os lados.
Catou tudo novamente, amarrou o feixe e recomeçou lentamente o seu calvário.
Dizem que o caminhão ficou mais de uma semana parado ali até que o Ivo arranjasse um trocado para abastecer.
Vida ingrata!

09/07/2018
Pedro Parente

MORRO DA FORCA


MORRO DA FORCA
Na vetusta, simpática e charmosa cidade São João del-Rei onde moro, tem um bairro chamado Morro da Forca ou Bonfim. O que é pior, seguindo o Morro da Forca o bairro passa a chamar-se Arraial das Cabeças. Tétrico!
Mas isso é assunto para o nosso historiador Antônio Ávila.
Incoerências à parte são bairros singelos que hospedam pessoas e bares da melhor qualidade.
Há de se exaltar a Barbearia do Lalado que funciona também, como terapia para os frequentadores e clientes, pois Lalado de humor refinado é um grande contador de “causos” acompanhados de encenação perfeita.
Dependendo da inspiração do dia um corte de cabelo demora mais de meia hora. Com paciência e cuidado espera o freguês para de rir para não cometer nenhum acidente, deixando o infeliz sem cabeça.
O cômodo onde funciona a barbearia é diminuto. Cabe apenas a cadeira profissional, o espelho tradicional, uma mezinha de canto e três cadeiras de espera. Se chegar mais um espera do lado de fora. Sim, também um sanitário apertado que não se entra de uma só vez. Primeiro abre-se toda a porta, entra-se e aí sim, dá para fechar.
Lê-se na porta do sanitário: SOMENTE Nº 1.
Certo dia, com a lotação completa e mais alguns que fazem uso da boa pinga que o Lalado mantém escondida no cantinho mais fresco da barbearia, chegou um freguês humilde e talvez analfabeto, pediu permissão para usar o sanitário e não atentou para a placa.
Lalado que não faz distinção entre pessoas franqueou-lhe o espaço.
O cidadão extrapolou o tempo normal para se esvaziar a bexiga.
Os circunstantes passaram a se entreolhar desconfiados.
Eis que, de repente, a porta se abriu e o homem saiu pálido abotoando a correia da calça. Agradeceu e sumiu.
Deixou atrás de si só o bafo. Um odor putrefato que empesteou o salão.
O salão ficou vazio.
Os que estavam dentro se espremeram na porta tentando sair de uma só vez, inclusive aquele que estava sentado cortando o cabelo com o guarda pó enrolado no pescoço.
Lalado revoltado:
- Esse excomungado comeu urubu sem tempero!

09/07/2018
Pedro Parente