terça-feira, 30 de maio de 2023

BOLOR

 BOLOR

Era uma vez... numa simpática cidade histórica do interior de Minas, São João del-Rei onde escolhi para morar.

No auge dos meus trinta anos, logo me enturmei com a rapaziada da boemia e das boas prosas e ótimos “causos”, assim foi que conheci o Bolor apelido dado aquela pessoa singular. 

De boa família austera e tradicional, optou em levar sua vida à seu modo não dando ouvido aos mais velhos que tentavam direcionar a vida dele.

Muito ladino e sagaz vivia sua vida usando de pequenos expedientes muitas vezes ilícitos aos olhos da sociedade. Todos gostavam dele pelo seu jeito educado e respeitoso de lidar com as pessoas.

Era comum vender uísque importado e todos sabíamos da sua perícia em refazer os lacres de chumbo de garrafas usadas

Certo dia o convidei a tomar um uísque e quando me dirigia pra determinado bar em sua companhia, falou-me:

- Aí não! Esse é dos meus!

Era comum quando as pessoas se referiam a uísque de procedência duvidosa, que era de “fabricação do Bolor!”

O fato tornou-se conhecido de todos até que um dia chegou ao ouvido do Delegado de Polícia.

Chamou-o “sob vara” e pediu que esclarecesse aquele rumor de adulteração de produto importado.

Bolor sabia dos meandros da Lei, quando perguntado, declarou ao Delegado:

- Doutor não adultero, apenas transponho um uísque nacional para um recipiente importado elevando seu status. Isso não é crime.

O Delegado gente boa sorriu e alegou que era crime contra a economia popular e o mandou prestar serviço por determinado tempo à uma comunidade carente.

Saudade do meu amigo!

30/05/2023

Pedro Parente 


sexta-feira, 19 de maio de 2023

CAUSO DO IVO

 CAUSO DO IVO

Morávamos num prédio de doze andares no Centro de São João del-Rei, no térreo havia uma cantina italiana, Cantina Calabresa. Seu proprietário era um simpático casal Ítalo e Lina oriundos da cidade de Paola/Cosenza. Trouxeram consigo, além do fino trato no atendimento de seus clientes, a arte da gastronomia daquele lugar. 

Irresistível atender ao chamado do Ítalo para provar seu tira-gosto antes do almoço.

Quantas vezes mudei de rumo! Vinha pelo outro lado da calçada com intenção de subir sem parar para o “antepasto”, porém o Ítalo dominava o movimento da rua com perfeição de quem fora “carabineri” durante a guerra. 

Do outro lado da rua ouvia seu convite com a voz inconfundível de tenor, já com um pedacinho do delicioso pernil fresquinho:

= Pietrino veni qui!

Naquela hora, minha boa intenção desaparecia dando lugar aos sorrisos e abraços dos amigos que ali estavam. Sem delongas pedia “umazinha” guardada debaixo do balcão e continuava a prosa.

O restaurante tornou-se um sucesso e as famílias aos domingos, reuniam-se em torno de uma bela macarronada, canelone e  outras delícias romanas.

Aproveitando a onda de sucesso e atendendo a solicitação da freguesia, passaram a fabricar massa e vende-la no varejo pré-cozida.

Meu grande amigo Ivo Nohra, assíduo confrade. Professor de desenho industrial, mas a arte que mais eu admirava era seu jeito único de contar “causos”. Ninguém ficava sério perto dele.

Contou-me que, certo domingo, sozinho em casa, resolveu fazer uma macarronada a seu modo.

Na Cantina, comprou meio quilo de talharim, massa fresca pré-cozida e levou pra cozinhar, pois morava no décimo segundo andar. 

Desceu de elevador e foi tomar mais uma enquanto a massa cozinhava.

Bateu-lhe a curiosidade e perguntou à Carmelina:

-Quanto tempo leva pra cozinhar a massa?

- Dez minutos!

Ficou decepcionado, pois havia deixado o macarrão cozinhando na panela de pressão!

Esse era o Ivo! Impagável!

Muita saudade!

19/05/2023

Pedro Parente



quarta-feira, 17 de maio de 2023

RECORDAÇÕES

 RECORDAÇÕES

Corriam os anos sessenta, Edifício dos Jornalistas no Leblon onde eu morava. 

A turma era grande e a felicidade constante.

Dentro do condomínio rolava uma pelada que se tornou famosa a partir do momento que ali participavam Newton Santos e Garrincha. 

O dono da bola era o Murilo Asfora que nos deixou recentemente levando consigo um pedaço do que resta do meu combalido coração. 

Este é um momento triste, porém prefiro ficar com as boas recordações daquela época.

Murilo tinha um irmão, Lúcio que devido a grande empatia, nos tornamos íntimos. Era uma pessoa muito engraçada, dessas que possuem um jeito peculiar de contar seus casos. Sempre que encontrávamos me saudava com uma frase em italiano:

-“Domani sarà tropo tardi!”. Dizia que fazia parte de um filme protagonizado por Frank Sinatra. 

Impossível conter a gargalhada!

Contou-me que seu tio veio do Nordeste, acho que de Recife, para visitar a família do irmão Permínio.

Certa manhã aquele senhor circunspecto, decidiu conhecer o Centro do Rio. Pegou um “troleybus” que substituiu os bondes e desceu próximo a Avenida Rio Branco com o intuito de caminhar e admirar aquelas preciosidades do Rio.

Ao atravessar a Avenida Presidente Vargas o sinal luminoso abriu e não deu tempo de alcançar a calçada do outro lado.

Oito pistas de carros e lotações verdadeiros bólidos a porfiar uns com os outros.

Nosso ilustre visitante não teve dúvida, desesperado ajoelhou-se no meio da pista e com as mãos para o céu gritava:

-Parem! Parem que eu não sou daqui!

Quando o sinal fechou novamente, conseguiu chegar ao outro lado da pista, pegou um taxi interrompendo sua visita antecipadamente.

Momentos felizes!

17/05/2023

Pedro Parente


quinta-feira, 4 de maio de 2023

desatenção

 DESATENÇÃO

Na caminhada nesta jornada pela vida breve, muitas vezes passam despercebidos fatos muito interessantes.

A minha caminhada foi longa em quilômetros, pois vindo de Belém. até chegar aqui foram mais de três mil quilômetros. 

Fiz uma escalada de dez anos no Rio de Janeiro para poder adquirir a simpatia, hospitalidade e a “malandragem” do carioca.

Hoje nas minhas lembranças, veio-me à tona, um grande amigo garçom que me atendeu, esse tempo todo, nas minhas noites de boemia no Garden Bar no Leblon. 

Seu nome Napoleão. Pessoa humilde, gentil, educado e generoso. Pessoa de confiança do proprietário que algumas vezes o substituía. Morava em N. Iguaçu. Atravessava a cidade para trabalhar, praticamente morava na condução.

Certas horas tomava conta de mim, ficava observando até eu chegar no meu prédio de moradia.

Conversávamos muito. Com ele aprendi a olhar em minha volta para aqueles que nos servem e nos assistem.

Quando vim para Minas sempre que ia ao Rio, em primeiro lugar ia vê-lo.

Me dava notícia de todos os companheiros frequentadores daquela época. Numa dessas idas me comunicou que um de seus filhos havia se formado em medicina.

Fiquei feliz. Naquela época filho de pobre formar em medicina era muito mais difícil que hoje.

Seu sacrifício não foi em vão. O tenho como exemplo de abnegação pelo prêmio da conquista de seu filho.

Onde estiver meu amigo vai meu abraço e minha lembrança. 

04/05/2023

Pedro Parente