quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Dona Celuta

DONA CELUTA.

Quando cheguei a São João del-Rei, vindo do Rio de Janeiro, não havia o tipo de esporte que eu apreciava, remo de competição.
Fui trabalhar em Matosinhos na Fábrica São João.
Lá incentivei os operários a disputar “peladas futebolísticas” entre as diversas seções e para isso começamos a utilizar o campo do Siderúrgica Futebol Clube onde angariei e solidifiquei ótimas amizades.
Na força da minha juventude necessitava descarregar minha energia, própria da idade.
Tive que me adaptar, embora “perna de pau” na gíria do futebol, improvisei um time de final de semana onde eu era o dono da bola por isso mesmo, não poderia ser barrado.
Certo dia o juiz meu amigo Edu, me expulsou de campo. Chamei o “Chico Magro”, substitui o juiz e continuei jogando, numa atitude altamente “democrática”.
Que vergonha!
Lá nos encontrávamos todos os finais de semana, aos sábados à tarde. Após a pelada nos confraternizávamos na casa do meu amigo Nonato e sua esposa Dª Clarisse pais de uma prole de oito filhos ou no Bar do seu Zé de Freitas e Dona Vicentina.
Exímia cozinheira, Dª. Clarisse nos recebia em sua casa com seus famosos bifes enroladinhos, preferidos do Chacal ou um temperadíssimo pernil, este o meu preferido, acompanhados naturalmente, de cervejas geladas e uma boa pinga.
Eram tempos muito felizes.
Só havia um problema. O campo de jogo não tinha alambrado. Assim sendo, acidentalmente, a bola caia no telhado do casebre miserável, onde morava Dona Celuta que todos temiam devido sua reação quando a bola caia no telhado de sua casa, quebrando as telhas e provocando goteiras, ela não devolvia a bola de jogo.
Certa tarde, quando jogávamos, aconteceu esse fato. Mais uma vez e ela reteve a bola.
Alguém exaltado quis ir até lá tomar a bola à força. Não deixei. Ponderei que ela estava com a razão. Antecipei-me e fui até ela.
Era uma senhora negra com as marcas da idade no semblante. Recebeu-me com ar austero e nervoso reclamando ostensivamente daquela situação.
Quebrei a tensão com um sorriso e cordialidade. Pedi-lhe desculpas e prometi que não aconteceria mais.
Convidou-me a entrar. Meu coração ficou apertado de ver tanta pobreza ali, nas nossas barbas.
A “casa” de chão batido e de adobe tinha apenas um cômodo só e um sanitário com uma cortina de plástico para sua privacidade. O telhado mostrava as fendas nas telhas quebradas pelas boladas do futebol. O engradamento era de varas roliças de madeira comum. Não possuía luz elétrica. Apenas um catre onde dormia e que servia de cadeira quando queria sentar-se.
Chamamos nosso pedreiro de plantão – a solidariedade entre os pobres é emocionante, estão sempre disponíveis para prestar ajuda uns aos outros.
Em poucos dias foram reparados os estragos e puxamos um ponto de luz do nosso vestiário para a casa de Dona Celuta.
Levantamos o alambrado de maneira a proteger o casebre.
Tornou-se nossa fã. Sempre se oferecia para prestar pequenos serviços como lavadeira de uniformes e etc...
Passaram-se os dias chegou dezembro e com ele Natal.
Uma manhã de céu limpo eu estava sentado à frente do Posto de Gasolina onde trabalhava, eis que chega Dona Celuta com um embrulho bonito fechado com laço de fita.
- É pro senhor seu Pedro. Muito obrigado.
Não tive palavras, somente lágrimas. Foi minha resposta.
O conteúdo do embrulho uma camisa cara e a mais bela que ganhei.
Guardei-a por muitos anos sem usá-la como o melhor troféu que conquistei, junto com meus amigos, em toda minha vida.
Que belo Natal. Talvez o melhor.
Os momentos de felicidades são tão raros e tão caros.
Não existem jóias baratas.
Vale a pena viver!

17/11/2010
Pedro Parente



domingo, 31 de outubro de 2010

Cara a cara -Nelson Gonçalves

Felizmente temos poeta e menestréis que escrevem e cantam aquilo que não sabemos falar.

Amo esta música. Nota dez para seus autores Lúcio Nascimento e Carlos Colla.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

UM CERTO NATAL

UM CERTO NATAL
Pedro.
Como acontece todo ano, naquele,  decidimos fazer a festa do Natal, na casa do teu tio Marco Antônio.
Era sempre uma festa agradável. Faziam-se as comidas tradicionais, iguarias de todas as espécies, sorteios de “amigo oculto”, troca de presentes, enfim, uma alegria!
Tu levavas vantagem na hora da entrega dos presentes, pois eras o mais novinho.
A turma do Vicente e da Sônia, já era maior e já curtia “outros baratos”.
Possuías um grande prazer em chupar bico.
Nós adultos somos muito professorais, austeros com as crianças; chatos mesmos.
- Esse menino tem que parar de chupar bico. Estraga os dentes. Deforma a personalidade!
Quanto conceito!
Em nenhum momento se imagina o prazer daquele ato. A delícia que é chupar bico.
Pobres crianças, desde cedo terão que fazer tudo aquilo que os adultos impuserem.
Pois bem, articulou-se uma troca com Papai Noel, logo com quem com “O Bom Velhinho”. Receberias dele uma bicicleta, mas abdicaras do teu prazer de chupar bico.
Que maldade!
Na hora marcada, naquela noite de Natal, o “Bom Velhinho” chegou trazendo consigo aquela reluzente bicicleta.
Teus olhos faiscaram de alegria.
- É toda tua, porém terás que me dar teu bico em troca e prometeres nunca mais voltar a chupar!
Numa atitude decidida e firme, entregaste o bico e recebeste a bicicleta.
Eu te observava atentamente.
Meu coração apertou e meus olhos ficaram marejados.
Mudo estava, mudo fiquei, com meu sorriso pateta na face.
Meu filho estava contabilizando sua primeira perda. Tomando a primeira lição.
Para alcançar a bicicleta teria que preterir a companhia inseparável, por todos esses anos de vida, de seu bico.
Sim, aquela coisa antiestética e repugnante que nós adultos condenamos e que as crianças amam.
Naquele momento de festa sua atenção toda era para a bicicleta. E na hora de deitar com seu companheiro? Aquele que o ajudava a ninar e contar carneirinhos? Que teria sido feito dele? Onde estaria? Teria sido jogado fora em uma lata de lixo? Estaria sentindo frio, sozinho, naquela noite de Natal? Não teria ninguém para chupá-lo? Estaria se lembrando de mim? Da maldade que lhe fiz?
Maldita bicicleta, me tiraste meu melhor amigo. Meu bom companheiro de todas as horas. Principalmente à noite assistindo televisão.
Essa maldita bicicleta terá que ter espaço para eu brincar com ela.
Dia de chuva, não pode. Dentro de casa, não pode. Na escola, não pode.
Parece que cometi uma traição e na troca da nova amiga pelo velho companheiro, fui injusto e levei “manta”.
Eu, teu pai, assisti a tudo calado e apreensivo. Queria ver o desfecho.
Aquele propósito teria sido momentâneo? Tu voltarias atrás no dia seguinte?
Para mim, aquela noite de Natal não foi igual às outras. Fiquei cismático.
Para minha surpresa: tu nunca mais falaste em bico.
Uma prova insofismável da tua personalidade e do teu caráter.
Bravo! Filho.
Obrigado.
Teu pai.

27/10/2010
Pedro Parente





FILHO

São João del-Rei, 18 de junho de 1997.

Meu filho.

Ao sentir aproximar-se o final da minha jornada, gostaria de deixar consignadas, algumas considerações úteis na tua caminhada que se inicia.
Peço-te perdão pela ousadia de te colocar no mundo sem ouvir tua opinião.
Assumo metade da culpa.
Pela tua herança genética, certamente lidarás com muitos defeitos e algumas virtudes de teu pai.
O dia em que nascestes foi um dia de grande alegria e profunda reflexão.
Ser teu pai com a idade já avançada seria irresponsabilidade ou desafio?...
Talvez certo egoísmo.
Usufruir do teu sorriso inocente, do teu terno abraço, da tua pequenez angelical.
Vieste preencher minha vida.
Gostaria de te falar muitas coisas que nossa diferença de idade não permite.
Um momento só e uma folha de papel não bastam.
Gostaria de caminhar a teu lado, às vezes contigo no colo, sangrar com prazer, pisando nos espinhos que por ventura a vida te reserve.
Faz da vida, uma trajetória de sorrisos.
Deixa que as pessoas te procurem pela tua alegria e não te evitem pelas tuas tristezas.
Nunca sejas subserviente.
Caminha de cabeça em pé.
Não aceita humilhação e nem abdica do teu direito.
Protege tua mãe.
Não deixa que a façam infeliz.
Ela enfrentou a maledicência de uma sociedade vil e austera para te ter.
Se a indagares se valeu a pena?
Certamente não hesitará em te abraçar e sem palavras, sentirás suas lágrimas umedecerem teu ombro.
Se puderes ter dinheiro, será bom, porém se faltar não te maldiga, ele é o grande culpado das mazelas do mundo; em pessoas fracas acaba por eliminar aquilo que o ser humano tem de mais admirável que é a dignidade.
Respeita os idosos.
Quando por eles passares, reverencia-os.
Ali vão anos de experiência vencidos pelo tempo.
Quando fores senil, lembrarás do que hoje te falo.
Somente aí, nessa época, entenderás.

Ti amo.

Teu pai.

Pedro Parente

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O SEPTUAGENÁRIO

O SEPTUAGENÁRIO

Parece que foi ontem que escrevi uma crônica com o título “O Sexagenário” referindo-me a idade que tinha aquela época.

Para minha surpresa, hoje, após dez anos, escrevo O Septuagenário.

Muitas mudanças.

No entardecer da vida as perdas são freqüentes.

Muitos amigos vão tombando nessa luta desenfreada pela sobrevivência.

Cada perda uma ferida, com o tempo uma cicatriz, porém aquela marca não desaparecerá e nosso coração se transforma num imenso cemitério de recordações.

Saudade do que passou.

Meu filho a quem, de mãos dadas, ensinava os caminhos mais suaves pelas trilhas tortuosas da vida, hoje rapaz, me ensina suas modernidades e com ele aprendo seu novo palavreado.

Fiquei velho.

As dores físicas vão travando uma intensa luta com as dores morais do meu consciente.

A artrose me corroendo os joelhos e minha mente reflexiva vai me interrogando se errei muito. Se fui injusto? Se ofendi alguém?

Essas reflexões me levam a crer que se prejudiquei alguém, foi involuntariamente e peço perdão. Jamais o faria premeditadamente.

Os amores? Ah! Os amores!

Velhos amores, velhas recordações.

O viço cedeu lugar ao torpor, ao desalento e aos poucos vamos ingressando no exército dos invisíveis. Não somos mais notados. Ninguém nos vê e o que mais machuca é a indiferença de quem um dia nos amou e trilhou caminhos difíceis ao nosso lado.

Com razão 70 anos não são 70 dias.

Daquela imagem jovem e vigorosa, restou apenas um espectro claudicante e cabisbaixo.

Dessa caminhada inglória rumo à sepultura, resta um tesouro conquistado passo a passo, copo a copo, gota a gota: os amigos.

Por eles valeu a angústia de envelhecer.

É prazeroso tê-los sempre em meus pensamentos e se possível à minha ilharga.

Hoje nos confraternizaremos pela passagem dos aniversariantes do mês de outubro, uma tradição da Turma do Buneko e me parece um recorde, pois já ultrapassam 80 reuniões com essa finalidade.

Lá estaremos todos alegres e felizes esquecendo por momentos nossas tristezas e abrindo espaço para um efêmero entusiasmo jovial, exarcebando naquilo que nos resta: os prazeres da boca.

Nesse imenso algodoal de têmporas encanecidas, não haverá espaço para tristeza.

Amanhã estaremos um dia mais velhos.

Disse-me meu amigo José Norberto: “Para não envelhecer, basta morrer novo”.

Vida que segue!

Pedro Parente.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

MAIS UM DIA

O mundo é a música.

Hoje amanheceu um dia lindo.

A aurora descortinou um céu claro, límpido.

Azul esmaecido, calmo contrastando com o vergel das montanhas mineiras, especialmente a Serra de São José meu cenário natural.

Que bom enxergar!

Visualizar esse maravilhoso fenômeno diário que nos é oferecido pela natureza e que às vezes ignoramos.

Quem dera fosse um poeta para descrever o que sinto. O que vejo.

Então me lembro de uma parceira fiel com quem sempre caminhei de braços dado pelas veredas da vida: a música.

Insiro no computador um CD, presente de uma pessoa que conhece minha alma romântica e melancólica.

Nana Caymmi com sua voz doce e suave interpreta músicas inesquecíveis.

Meu coração transforma-se num vulcão de emoção.

Quanta felicidade!

Ter o privilegio de observar isso tudo e ainda ouvindo lindas canções.

Quanta riqueza que possuo.

No Banco não tenho nada, porém tudo aquilo que ele tem, não trocaria pelo meu.

Dinheiro não tem sensibilidade.

Felicidade tem.

Vamos tocando em frente abrindo nossos corações para as pequenas grandes coisas que a vida nos oferece.

Um abraço, um sorriso amigo nos dá tanta alegria, porém, à medida que o tempo passa vão se tornando raros.

Talvez por isso os mais velhos tragam quase sempre no seu semblante a tristeza e o olhar distante.

Enquanto puder estarei sorrindo, lutando contra as tristezas que insistem em me atacar.

Para que meus amigos não percebam, morrerei cantando em tom maior, preferencialmente à mesa do botequim, cercado do carinho daqueles que nunca me abandonaram.

Minhas cinzas adubarão a terra que me acolheu com carinho. A vetusta e poética São João del-Rei.

Obrigado.

Pedro Parente

pedroparentester@gmail.com

MOMENTO

O tempo passou.

Estou velho. As marcas são visíveis no meu corpo deformado.

Caminho com dificuldade com os joelhos castigados pelo desgaste dos anos vividos intensamente quando eles me acompanhavam na prática de esportes, de trabalho exaustivo a entregar correspondências no Rio de Janeiro quando iniciei minha vida naquela linda cidade.

Acompanharam-me também, quando dançava embalado por músicas e orquestras maravilhosas daquela época quando ainda se bailava abraçado e sentia-se o calor do rosto da moça chegando aos poucos até encostar-se à face do parceiro.

Um momento indescritível.

Lúdico.

Pura magia e sedução. Seria impossível não se emocionar.

Levitava-se.

Ser velho é natural. Quem não envelhece morre precocemente.

Então não temos opção.

Aquele que morre cedo, muitas vezes se livra da expectativa da morte. Deixa só saudade para os que ficam. Estes sim vão arrastando a lembrança pela vida a fora.

A mim restam poucas coisas e quando se tem poucas coisas, elas passam a ter muito valor por serem raras.

As lembranças da infância feliz. O carinho dos filhos e principalmente o ombro dos amigos com quem compartilho minhas alegrias, não os deixando perceber minhas tristezas.

Para os amigos quero tudo que há de melhor. Sem amigos eu não sobreviria.

Os melhores momentos do dia são aqueles quando eu os encontro no final da tarde para usufruir dos seus sorrisos sentados à mesa de um modesto botequim na periferia da cidade.

Com os humildes, trabalhadores, operários, advogados, marujos, boêmios é que me identifico onde ganho coragem para recomeçar a rotina do dia seguinte.

Chega sempre alguém para avisar que mais um companheiro foi embora. Deixou-nos. Mais uma saudade. Mais uma chaga aberta no meu velho coração cansado.

Os olhos opacos, sem viço, já não divisam pessoas que passam do outro lado da rua.

É comum confundir uns com outros.

Isso é ser velho.

Saber aceitar sua condição social.

Usar do privilégio de entrar na frente dos mais novos nas filas, não pagar condução e muitas vezes ser incompreendido por alguns.

Esses pequenos privilégios me nego a aceitar pelo respeito aos mais novos e para não me sentir mal visto pelo proprietário do coletivo.

Vou seguindo meus passos nesse caminho sem volta, rumo ao cadafalso.

Um dia tudo terminará.

Deixarei como herança alguns escassos dotes morais para meus filhos.

Levarei a saudade dos amigos.

A esperança é de que os encontre no além numa grande mesa de uma imensa festa. Rever todos aqueles que partiram. Abraçar um por um. Repousar a cabeça no colo macio da minha velha mãe, acariciá-la e dizer-lhe mais uma vez quanto a amo e das tristezas dos dias sem ela. Chorar de alegria de rever meu pai amigo e companheiro que me ensinou a trilhar pelos caminhos tortuosos da vida.

Vou seguindo em frente, amando a vida e temendo a morte.

Pedro Parente

pedroparentester@gmail.com

quinta-feira, 1 de julho de 2010

sábado, 15 de maio de 2010

DE VOLTA AO PASSADO

DE VOLTA AO PASSADO.

Havia muito tempo que sonhava em voltar à minha terra e rever meus parentes e o lugar onde passei minha feliz infância.

Certo dia quando em frente ao computador, navegando na grande rede, recebi uma oferta de passagem aérea com desconto muito atrativo.

Fiz meus cálculos, contei minhas migalhas, tomei coragem e comprei a passagem de ida e volta para minha saudosa Belém do Pará.

Nessa situação foi inevitável reconstruir meus castelos erguidos na infância. Como num sonho revi imagens e cenas acontecidas quando ainda usava calças curtas e meus bolsos carregavam apenas baladeira e bolas de gude.

Tomado de ansiedade cheguei ao aeroporto de Val-de-Cães.

Diferente daquele que deixei para trás pela primeira vez, hoje muito bonito, moderno, com status de aeroporto internacional ainda pude identificar, entre sombras, a imagem esmaecida da velha construção de outrora.

Dalí eu parti, cheio de vigor e ilusão para o Rio de Janeiro, a fim de disputar uma competição de remo, defendendo meu Estado e com o propósito de voltar na semana seguinte. Isso foi há 50 anos. Continuo aqui pelo sudeste, emaranhado nas teias que eu mesmo teci.

Meus sobrinhos me esperavam e me conduziram à casa deles no bairro da Cremação.

No trajeto pude observar a substituição do casario antigo por arranha-céus modernos que adentram pelo céu.

As ruas são as mesmas, porém o tempo é outro. A minha saudade é do tempo que ficou para trás.

O progresso é irreversível e salutar.

Não gostaria que mumificassem minha cidade, mas gostaria que minha memória apagasse, evitando a angústia de não poder rever minha mãe, meu pai e todos os outros queridos que já partiram.

É querer demais!

Fui recebido pela minha família com o carinho e hospitalidade peculiar ao povo de Belém.

Na mesa, a tradicional comida sui generis de lá. Nada parecido! Fartei-me!

Quanto carinho. Quanta emoção.

Fui rever a casa onde passávamos as férias escolares na Praia Grande em Mosqueiro.

Levava comigo a imagem daquela aconchegante casa de madeira, toda avarandada, ornada de flores silvestres e árvores frutíferas. Local preferido para nossas brincadeiras de criança quando mamãe não nos deixava ir à praia.

Que tristeza!

Minha casa, minha velha amiga já não estava mais lá. E aquela frondosa mangueira que me viu nascer e com quem eu conversava? Para onde foram?

Não as verei mais. Não tenho mais com quem conversar e confessar minhas fraquezas.

O terreno fora vendido, restando um pedaço para mim.

Numa rápida reflexão, senti falta do dinheiro.

Compraria tudo de volta, reconstruiria minha velha casa, colocaria a mangueira lá de volta.

Não.

Infelizmente não tenho mais tempo de vida para vê-la crescer produzir sombras e frutos e voltarmos a conversar.

Com os olhos fixos no horizonte daquelas águas turvas da Bahia de Santo Antonio, disfarcei minhas lágrimas e dei meu último adeus aquele lugar onde conheci a felicidade.

Alguém já disse: “Nunca se deve voltar ao lugar onde se foi feliz”.

ADEUS!

Pedro Parente

pedroparentester@gmail.com

domingo, 14 de fevereiro de 2010

CANDINHO

CANDINHO

Desde a mais tenra idade, com poucos meses de nascido, mamãe me levava em seus braços e me banhava nas águas mornas da baia de Santo Antônio, na ilha de Mosqueiro, no estuário do rio Amazonas.

Papai, a conselho médico, comprara aquela pequena propriedade de fronte à Praia Grande, como terapia coadjuvante no tratamento de uma doença tropical chamada beribéri que apoderou-se de meu irmão.

Felizmente, meu irmão sarou e tornou-se um jovem saudável.

Aquela ilha bucólica, pela minha ótica, é o paraíso. Não fossem algumas tristes recordações que creio existirem até no reino de Deus.

De remédio para o mal que afligia meu irmão, aquela pequena propriedade a que minha mãe dera o nome de Pindorama, Terra das Palmeiras em tupi, tornou-se nossa inseparável fonte de lazer. Todos os anos, nas férias escolares, pelo menos quatro meses passávamos ali. Desta forma nos tornamos íntimos dos ilhéus, participando de toda sua vida.

As crianças, são as primeiras a se relacionarem. Desprovidas de qualquer preconceito, de alma pura, cativam a todos, principalmente os de sua idade.

Comigo não foi diferente, porém uma criança em especial chamou-me atenção. De olhar opaco e triste, tez pálida, com uma tosse intermitente que não o deixava concluir uma frase sem interrompe-lo, dentes podres, cabelos lisos escorridos sobre a fronte, aquela criatura esquálida de respiração ofegante, não dizia, mas eu pressentia a inveja de nós outros quando corríamos atras da bola na areia fofa da praia.

Tínhamos todo cuidado com ele. O trazíamos num carrinho de mão e o acomodávamos à sombra de uma frondosa mangueira. Sua posição lembrava um gárgula. De cócoras, os braços abraçando as pernas, permanecia ali, quieto em silêncio divagando em seu pensamento, quem sabe, a imagem de um menino saudável, participando daquela pelada.

Não. A vida não fora justa com ele. Nasceu para sofrer. Vítima de uma tuberculose galopante restava-lhe esperar pela sua hora final.

Chamava-se Cândido. Candinho para nós.

Por pura empatia, talvez pela sua fragilidade, dele me apiedei. Tornei-me seu maior admirador. Na minha imaginação de criança sempre que o encontrava, imaginava encontrar-me com um santo prestes a defrontar-se com Deus.

Sua casa miserável de pau-a-pique, coberta de paxiúba e chão batido, não cooperava em nada com sua moléstia, e, lá dentro, os ataques de tosse e por vezes hemoptises, eram mais freqüentes.

Seu pai, homem rude pela lida com o mar, pouca atenção lhe dava, talvez para não ser traído por uma lágrima.

Sua mãe desdobrava-se entre o fogão e a bacia de roupa restando-lhe pouco tempo para assistir ao filho doente.

Remédios? Somente os dos raizeiros, pajés e alguns que papai levava de Belém.

Em casa, as coisas de melhor que tínhamos para comer, como maçãs e biscoitos, sorrateiramente, eu subtraia algumas para levar ao meu amigo Candinho.

Mamãe não podia saber. Ela não permitia o contato com ele, amedrontada pelo contágio da doença, ameaçava me bater o fazendo algumas vezes, apesar de que asa de anjo não ofende ninguém.

E assim fui assistindo meu amigo desmilinguir-se, se esvaindo em sangue.

Num final de tarde, véspera de Natal, quando preparávamos nossa ceia para aguardar a chegada de Papai Noel, vi sua mãe aflita conversando com minha mãe à entrada da porteira.

Esgueirei-me entre as árvores e ainda deu para ouvir o final da conversa. Candinho mandara me chamar. Sem que ninguém visse, em desabalada carreira cheguei à beira de seu catre pobre e mal cheiroso. Com os olhos semicerrados, estendeu-me a mão, tentou apertá-la, mas não tinha mais força, esboçou um sorriso e uma imagem de dor tomou-lhe a face.

Estava morto, ali na minha frente, meu inesquecível amigo.

Ainda hoje, velho, nas noites de Natal, quando todos esperam por um presente ouro, incenso e mirra, durmo na esperança de que Papai Noel me conceda a graça de apertar a mão do Candinho pela última vez.

Pedro Parente.

TRISTESSE

Tristesse

(Estudo nº 3) op. 10    F. Chopin

Numa certa tarde plúmbea de S.João del-Rei, há muitos anos passados, quando desci do apartamento onde morava em cima do Restaurante Benegas, ali nas proximidades do antigo Banco de Crédito Real, fui presenteado com a delicadeza de acordes primorosos de um piano bem tocado, reproduzido por um aparelho de som de primeira qualidade.
Fiquei extasiado.
E como não podia ser diferente, movido pela curiosidade, como se levitasse, cheguei até a loja “O Palácio da Música”.
Não resisti, entrei e deparei com uma loja muito bem equipada de aparelhos de som da mais alta qualidade. Segundo meu amigo Camilo, um sonho de consumo para nós míseros mortais que circulamos pelo universo dos assalariados.
Fui recebido pelas simpáticas e eficientes recepcionistas da loja que imediatamente me apresentaram o proprietário, hoje meu dileto amigo Sílvio Assis.
Sílvio, uma pessoa que conhecia profundamente o produto com o qual trabalhava e possui a sensibilidade de descobrir o que o cliente gosta, deixava a todos satisfeitos.
Tornei-me seu amigo e frequentador assíduo daquele lugar. Qualquer cidade se envaideceria de possuir uma loja daquele gabarito, e eu estava vindo do Rio de Janeiro, a Meca da música, com centenas de lojas tradicionais, tais como a “Guitarra de Prata” na Rua da Carioca.
Sua discoteca era uma das mais famosas de Minas e do Brasil. 
Lá dávamos  ao luxo de conversar com o célebre maestro Waldir Silva, à época vendedor de discos da gravadora Odeon, se não me falha a memória.
Daquela época em diante, era difícil a vez que ali entrava e saísse apenas com um LP.
Sílvio como profundo conhecedor, sempre tinha a melhor oferta para cada gosto.
Lá, comprei uma “joia musical” do Pixinguinha, que meu amigo Cezar Faria - pai do Paulinho da Viola - autografou e guardo como um tesouro.
Assim foi que fui construindo minha pequena discoteca. O melhor disco que possuo, para meus ouvidos, foi sugestão do Sílvio. Conhecedor do meu gosto por árias clássicas, apresentou-me Operas do maestro Waldo de los Rios considerado “maldito” pelos maestros eruditos por acrescentar instrumentos musicais à sua orquestra, que não constam das orquestras tradicionais e modificar o andamento da música clássica, para musica “pop”.
Assim é que até hoje quando quero chorar de emoção, sim porque chora-se pelos mais diversos motivos, tristeza, desilusão, raiva etc... e no meu caso por pura emoção; coloco meu velho vinil na “vitrola” - hoje aparelho de som - e ouço a execução da ária da ópera Nabucco: Va... pensiero [Coro de esclavos] de Verdi.
Porém, na vida nada é definitivo e o progresso, avassalador nos transforma em pessoas saudosistas e melancólicas.
Não existe mais o Palácio da Música. Em seu lugar uma loja reluzente de telefonia celular, que à minha época, soava como ficção científica.
Ai de nós se não fosse Dª Mazinha da Cia Telefônica Sanjoanense que com carinho e dedicação na sua mesa telefônica colocava as pessoas em contato umas com as outras e São João del-Rei, com o mundo.
Recentemente, passando pelos “Quatro Cantos”, novamente, de longe, ouvi um som semelhante àquele que ouvira anos atrás na avenida.
Não podia ser diferente. Vinha da Casa Assis do nosso inestimável Jofre falecido recentemente e que era irmão do Silvio.
Não resisti entrei, fui recebido por uma de suas tradicionais atendentes que me indicou o Silvio.
Ali sentado ao balcão com seu jeitinho peculiar, selecionando as músicas para o deleite dos transeuntes.
Perguntei-lhe pela majestosa discoteca do Palácio da Música. Apresentou-me o pouco que resta, apenas uns cinco mil discos sendo vendidos a preço de feira. Disse-me:
- Aproveita que semana que vem vou fechar.
Saí as pressas para não deixar transparecer minha desilusão.
Em casa, envolto nas minhas recordações, coloquei na minha “vitrola” numa execução sublime de Pedrinho Mattar a valsa Tristesse de F. Chopin, belo fundo musical para um epílogo melancólico de uma fase esplendorosa da minha vida e da minha cidade querida.

14/02/2010
Pedro Parente.

NATAL

NATAL

Mais um.

A árvore sem viço e as bolas opacas são marcas do tempo que passou.

Quando a instalei pela primeira vez, ela era verdejantemente bela ornada com suas bolas douradas e reluzentes.

O espírito natalino dava um clima de alegria e enlevo à ribalta montada para os pequenos atores que extasiados colocavam pacientemente, ou excitantemente, os penduricalhos na árvore para que ficasse bem bonita à suas vistas.

Em seguida aos pés da árvore, depositavam-se os embrulhos de presentes.

Aos atores, as crianças, aguçavam-lhes a curiosidade em identificar qual seria o presente de cada um.

Impossível não se contagiar com aquele clima de amor fraterno peculiar à data.

Na retaguarda, lá na cozinha, o trabalho era dobrado. Cada pessoa com sua tarefa. Uns no fogão, outros na confeitaria.

À medida que o tempo passava, a excitação da criançada ia junto. Para extravasar tanta energia a correria entre elas era inevitável. Era hora de colocar ordem.

- Todas as crianças para o quintal! Determinava a autoridade da dona da casa.

Finalmente chegada a hora da distribuição dos presentes, esfregando as mãozinhas, colados uns aos outros, recebiam suas prendas preciosas e às pressas rasgavam os papéis dos invólucros, transformando em segundos aquelas obras de arte e paciência em um amontoado de papel sem valor.

O maior presente não era o deles, mas sim o nosso. De quem proporcionava aquele momento indescritível de felicidade àquelas crianças.

O prazer de dar é maior do que o de receber.

Os anos passaram. Os atores daqueles espetáculos cresceram. Hoje atuam em outros palcos com outros cenários.

A casa já não é a mesma. Já demonstra suas marcas como se fossem rugas ou cicatrizes.

Na sala, os atores somos nós, velhos, cansados com as chagas expostas pelas perdas de nossos parentes e amigos.

Aqueles que pulavam em nosso colo beijando-nos e agradecendo-nos, estão envolvidos com outras famílias adquiridas pela perpetuação da espécie. Tornaram-se o fulcro em suas casas.

Restou-me minha árvore esmaecida com suas bolas opacas.

Dirijo a ela meu olhar de carinho conivente com a vida que passou.

Pedro Parente

pedroparentester@gmail.com