segunda-feira, 11 de junho de 2018

JUDAS

JUDAS - Naquele tempo em que a vida era calma, o córrego do Lenheiro com suas águas limpas, deslisava sonolento entre os pilares da Ponte da Cadeia.
A Praia ainda não era urbanizada e o córrego ainda não havia sido espremido entre duas paredes de concreto formando um canal.
Ali próximo aos pilares da Ponte, formavam-se poços onde as rãs pimenta faziam sua farra, pois os insetos eram atraídos pela luz morteira da iluminação pública. A maioria caia dentro d'água servindo de regalo para os batráquios.
A turma resolveu, a noite, fazer uma pescaria de rãs para que o Nico, exímio cozinheiro, preparasse as bichinhas.
No meio da turma ia o Marco Antonio. Moço bonito, cobiçado pelas mocinhas mas de uma habilidade enorme na pega das rãs.
Assim foi que coletaram várias delas e entregaram, tarde da noite, ao Nico para comê-las no dia seguinte a tarde.
Combinado o horário cada um para sua casa já salivando o sabor do acepipe da tarde seguinte.
A casa do Nico, na esquina da Rua da Prata, era bastante frequentada pela turma. Por causa disso deixava sempre a porta aberta.
Marco Antonio, esperto, chegou antes dos outros. Entrou. Não viu ninguém, somente a frigideira ainda fervendo em cima do fogão.
Não contou até três. Pegou um prato, serviu-se e sentou-se à mesa.
O Nico chegou na hora acompanhado do resto dos comensais e surpreendeu o Marco Antônio:
- Você é o JUDAS. Nos traiu.
Fui amigo dele por mais de quarenta anos. Sempre juntos consumimos grande parte de nossa vida nos bares do Bonfim e alhures.
Amigo que eu amava.
Ontem nos deixou!
Interrompeu um sofrimento de anos.
Levou consigo parte grande do meu coração, mas tenho certeza que em breve nos encontraremos novamente numa grande festa em torno de uma mesa adornada por grandes amigos que já se foram.
Todos entre os bem aventurados.
DESCANSA EM PAZ MEU AMIGO QUERIDO!
11/06/2018
Pedro Parente

terça-feira, 5 de junho de 2018

O VELEIRO



O VELEIRO




Lá pelos idos de 1975, meu sogro comprou um terreno às margens da Represa de Camargo. Adorei a ideia, pois nascido e criado nas águas turvas dos rios que banham Belém e Mosqueiro, sentia muita falta, nas montanhas de Minas, de um lugar onde pudesse praticar meus esportes aquáticos. Optei pela vela.
Liguei para meu bom amigo Carlos, no Rio. O amigo mais antigo, até hoje, que deixei por lá quando ali morei por alegres dez anos. Fizemos uma boa dupla a tal ponto que namorávamos duas irmãs. Era dos “Anos Dourados”. O Rio de Janeiro exalava romance. Os casais ainda dançavam abraçados e quando se amavam bailavam “de rosto colado”. 
Isto significava comprometimento.
Fomos até uma loja especializada em barcos na Rua da Passagem em Botafogo e lá encontramos um barco de fibra com vela de nylon para duas pessoas. Lindo! Casco laranja, acabamento branco e a vela com faixas largas em diagonal, laranja e branco. Colocamos em cima da minha Brasília que possuía um suporte para carga, porém o barco excedia um pouco o tamanho do carro. Pelas leis do trânsito isso é proibido. Teria que ser sinalizado com um pano vermelho. Resolvi assumir o risco e zarpei pegando a estrada.
Na primeira “barreira” policial, fui intimado a parar. O policial alertou-me que não poderia prosseguir sem sinalizar o excesso da carga com um pano vermelho.
Problema! Onde vou comprar um pano vermelho? Lembrei-me de uma cueca escarlate que estava na minha maleta. Naquela época usava, pois eu não era nenhuma odalisca deslumbrada. Abri a mala e dependurei a cueca na popa do barco. O policial que a tudo assistia com olhar inquisidor, perguntou: - O que é isto? Respondi-lhe: cueca!
Botou a mão no queixo, examinou com cautela, até fez menção de apalpá-la, mas desistiu, pois não sabia se tinha sido usada.
Aí decidiu com firmeza:
- Cueca pode, devolvendo meus documentos, despediu-se:
- Boa viagem!
Pedro Parente
1º/06/2014

BELÉM BRASÍLIA



Lá por volta de 1968, trabalhava no cais do Rio. Resolvi comprar a prestação, um fusca 64 com bateria de 6 volts e ir à Belém visitar minha família. Tinha um porém: a rodovia Belém-Brasília só tinha asfalto no início, até a cidade de Ceres. Quase 2.000km de terra.
Combinei com o Rubinho meu conterrâneo na mesma situação que a minha, muita saudade mas os bolsos vazios.
Às seis da manhã de um certo domingo, saímos rumo a Belém. O Rubinho não dirigia, mas prestava uma atenção enorme. Não largava um suporte que apelidaram de pqp e não tirava os olhos da estrada.
Rodamos o dia inteiro até chegarmos a Brasília. Já de noite.
Pegamos um quartinho num hotel de beira de estrada, os famosos "cama-quente"; quando uma pessoa deita, ainda sente o calor daquela que levantou-se. O travesseiro guarda a marca da cabeça do ocupante anterior. Tomamos umas e outras, comemos um prato feito e deitamos.
De madrugada, ao amanhecer do dia, levantamos e partimos para Anápolis. De lá começa a Belém-Brasília. Dois mil e alguns quilômetros.
Postos de gasolina, ainda eram raros. Levávamos um galão cheio, no banco de trás.
Uma mão na direção, outra na alavanca de câmbio pra não soltar as marchas devido as "costelas" da estrada de chão. Cigarro no canto da boca e pé atolado no acelerador. A estrada larga recém aberta, era só reta. Não tinha nenhuma curva para quebrar a monotonia.
Com a vibração, a primeira coisa que caiu foram os faróis de milha. Daí por diante, foi um tal de cair sem fim. Faróis, faroletes, para-choques tudo foi caindo. Juntávamos e colocávamos dentro do carro.
Lá pelo meio do Estado de Goiás que ainda não era repartido, o carro parou. Nem levantar o capô do motor levantei, pois não entendia nada de carro. O trânsito era muito pouco. Raros se atreviam a enfrentar àquele ermo. Até que um caminhão cegonheiro apareceu. De dentro da boleia o motorista diagnosticou:
- Foi o cabo da bobina que partiu!
Já desceu com uma faquinha na mão, raspou o fio, emendou e acionou o motor.
Bendita alma.
Muita coisa aconteceu, mas isso é outro capítulo.
Finalmente chegamos a Belém.
Inclusive sem cano de descarga, fazia um barulho ensurdecedor a ponto do guarda de trânsito querer nos multar e ainda me xingou de

“porco”, pois o carro e nós dois, éramos pura poeira.
Isso era uma quinta feira bendita.
Pudemos tomar banho, botar roupa limpa, jantar e usufruir do colo da mamãe.

segunda-feira, 4 de junho de 2018

DELÍCIA DE CHUVA


  • Delícia de chuva - Sou presenteado com o silêncio da noite e a chuva massageando meu pensamento envolto em coisas da minha juventude.
    Vem a minha lembrança as viagens que fazíamos de Belém até as terras de meus avós paternos já falecidos e elas administradas por meu pai.
    Dependíamos dos movimentos das marés, do rio Guamá pois lá elas enchem durante seis hora e vazam também em seis horas com seis minutos de preamar e seis minutos de baixa mar.
    A viagem era sempre a noite com duração de seis horas. Saíamos no início da enchente subindo rio acima.
    Nosso barco era pequeno calava apenas cinco toneladas, movido por motor a óleo diesel.
    Na Amazônia sob o trópico, as estações são apenas duas: inverno e verão.
    Dizem que a diferença de uma para a outra é que no verão chove todo dia e no inverno, chove o dia todo.
    Numa dessas noites de muita chuva foi assustadora.
    Havia um trecho perigoso quando atravessávamos de uma margem à outra num lugar chamado Ponta Negra.
    As marolas foram tantas que nossos utensílios de barro viraram cacos.
    Em compensação em algumas noites, vi surgir por entre a mata a lua gigante, aquela bola iluminada de luz ofuscante deixando refletir sua imagem no leito do rio.
    Ao chegarmos lá pela madrugada havia sempre um cafezinho fresco nos esperando.
    Eu dormia na minha rede no barco atracado no trapiche, acariciado pela brisa fresca do pachorrento rio Guamá.
    10/03/2018
    Pedro Parente





REPRESA DE CAMARGO


REPRESA DE CAMARGO
Meados dos anos 70, meu sogro adquiriu um terreno às margens da Represa de Camargo.
Não havia nada no terreno. Era apenas um campo de terra ruim e a estrada de acesso muito rudimentar.
As casas de veraneio, também, muito raras, mas a represa estava ali, exuberante, pois estávamos no meio do ano, exatamente quando ela atinge sua cota máxima.
A visão que tive foi incrível, um pedacinho do céu. Silêncio profundo e aquele lago de águas calmas e claras a refletir a luz e o azul do céu. Lindo!
Finalmente um lugar para eu praticar algum tipo de esporte aquático, dado às minhas origens amazônicas. Pensei imediatamente em um barquinho a vela.
Ainda com minha família em formação e as filhas pequenas, achei que ali seria o lugar próprio para nossos fins de semanas. Inicialmente íamos aos domingos por não ter onde alojar minha família. Logo depois, ali foi construída uma modesta casa que nos deu condição de pernoite. Começamos a ir no sábado, algumas vezes na sexta. 
Era uma alegria. Tínhamos a companhia invariável da Neuzinha e Pedro Spinelli com suas filhas Mirella e Adriana contemporâneas de Lia e Nara.
Foram dias muito felizes. Inesquecíveis!
Resolvi então, comprar meu barquinho a vela. Liguei para meu velho amigo Duek lá no Rio, pois conhece tudo por lá. Levou-me a uma loja especializada na Rua da Passagem. Chamava-se King não sei mais o que...
Coloquei o barco sobre a Brasília. Carlos ficou no Rio e combinamos umas velejadas no fim de semana seguinte.
Não deu outra! Chegamos cedo à Represa junto com as famílias. Tomamos umas e outras e resolvemos enfunar a vela.
Soprava uma brisa calma vinda do nascente. Como o barco era pequeno e possuía vela grande, deslizava com facilidade com empuxo de qualquer vento.
A represa estava em sua cota máxima. Navegávamos tranquilamente no meio do lago com vento no través. Ao nos aproximarmos dos cabos de alta tensão que passam sobre a represa e por ela estar no limite, a distância da água para os cabos fica pequena. 
A mastreação de alumínio e a vela de nylon colocavam nossas vidas em risco. Sem perceber estávamos indo rumo ao incinerador. Viraríamos torresmo.
Quem nos salvou foi a vela de Nylon que zoando denunciou a indução da alta tensão.
Percebemos o perigo, imediatamente cambei o bordo, saímos dali e fomos tomar uma refrescante e calmante cerveja. 
Escapamos por pouco. Ufa!
Pedro Parente
04/06/2014