sábado, 11 de novembro de 2023

FLOR DO GUAMÁ

 FLOR DO GUAMÁ

Vivia a fase dourada da juventude. Faz muito tempo! Ainda sob a proteção de meus pais e a companhia de meus irmãos de uma prole de cinco homens.

Não faltava trabalho eu o fazia prazerosamente com o ufanismo de ajudar meu velho pai. 

Meu avô materno, português, adquiriu uma quantidade enorme de terras no alto rio Guamá a ponto de tornar-se Cel. da Guarda Nacional um título honorífico adquirido do Governo em moeda corrente. Desta forma tornando-se responsável pela segurança naquelas terras.

O casarão sede do que naquelas bandas chamam de “sítio” embora numa gleba de terras de trinta mil hectares. Era todo de madeira da própria floresta. Um imenso chalé avarandado que comportava venda de produtos para manutenção das casinhas dos colonos. Não existia eletricidade, as lamparinas e candeeiros eram abastecidos com querosene.A casa abrigava muitos daqueles que eram empregados do sítio e moravam ali. Os casados com suas esposas.

Na frente da casa havia um trapiche onde encostavam as embarcações trazendo ou levando produtos e passageiros.

Tínhamos duas embarcações que transportavam a colheita de arroz, cacau, e outros produtos da floresta. Um barco movido a motor Diesel e uma grande canoa à vela. O barco chamava-se Pingas e a canoa Flor do Guamá. Meu pai se orgulhava dos dois, pois eram imbatíveis nas porfias.

Em certo momento, no auge da safra, o Pingas teve que ser recolhido ao estaleiro para reparos emergenciais, calafetagem do casco e pintura. Dessa forma o trabalho da Flor do Guamá triplicou e causou certa apreensão, visto que dependíamos agora não só da maré mas também do vento.

Teríamos que concatenar maré e vento. No Pingas fazíamos a viagem em seis horas, isto é, uma maré. Na Flor do Guamá teríamos que contar com o vento e de que lado ele viria.

Operar essa canoa era difícil e exigia muito do piloto e da tripulação. A vela latina feita de lona, tinha um peso enorme devido seu tamanho. Era içada pela verga superior. Na verga inferior ficava presa a escota, um cabo que dá direção à vela quando “camba o bordo”, isto é, muda de direção. No bico de proa a bujarrona uma vela triangular que ajuda no impulso e nas manobras.

Numa dessas viagens, maré fraca de Lua nova o vento apenas uma aragem, desatracamos do trapiche na reponta da maré, isto é, no limite máximo da maré cheia.

Nossa esperança era alcançar o Ver-o-Peso de uma vez só, porém nem o vento e nem a correnteza não foram suficientes para nosso intento.

A maré encheu e com o vento fraco não conseguiríamos vencer a enchente. Era na caída da noite. Jogamos a âncora e ficamos fundeados.

No passadiço Coló um tripulante esperto, acendeu o fogareiro de barro, colocou  uma lata de vinte litros com água pra ferver, jogou umas cebolas, cheiro-verde, coentro e chicória e fomos todos, com linha de mão pegar um peixe para o jantar.

Pegaram uma piramutaba grande. Limparam-na e jogaram os pedaços grandes na lata fervendo que já tinha apurado aquele caldo cheiroso. Farinha no fundo do prato de folha (esmaltado) o tal “pirão escaldado” que nosso povo ama.

Barriga cheia, uma soneca esperando a maré vasar para chegarmos à feira. Descarregamos à canoa e voltamos para o sítio Canta Galo.

Corpo cansado e o coração feliz.

11/11/2023

Pedro Parente. 

 




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