quarta-feira, 27 de outubro de 2010

UM CERTO NATAL

UM CERTO NATAL
Pedro.
Como acontece todo ano, naquele,  decidimos fazer a festa do Natal, na casa do teu tio Marco Antônio.
Era sempre uma festa agradável. Faziam-se as comidas tradicionais, iguarias de todas as espécies, sorteios de “amigo oculto”, troca de presentes, enfim, uma alegria!
Tu levavas vantagem na hora da entrega dos presentes, pois eras o mais novinho.
A turma do Vicente e da Sônia, já era maior e já curtia “outros baratos”.
Possuías um grande prazer em chupar bico.
Nós adultos somos muito professorais, austeros com as crianças; chatos mesmos.
- Esse menino tem que parar de chupar bico. Estraga os dentes. Deforma a personalidade!
Quanto conceito!
Em nenhum momento se imagina o prazer daquele ato. A delícia que é chupar bico.
Pobres crianças, desde cedo terão que fazer tudo aquilo que os adultos impuserem.
Pois bem, articulou-se uma troca com Papai Noel, logo com quem com “O Bom Velhinho”. Receberias dele uma bicicleta, mas abdicaras do teu prazer de chupar bico.
Que maldade!
Na hora marcada, naquela noite de Natal, o “Bom Velhinho” chegou trazendo consigo aquela reluzente bicicleta.
Teus olhos faiscaram de alegria.
- É toda tua, porém terás que me dar teu bico em troca e prometeres nunca mais voltar a chupar!
Numa atitude decidida e firme, entregaste o bico e recebeste a bicicleta.
Eu te observava atentamente.
Meu coração apertou e meus olhos ficaram marejados.
Mudo estava, mudo fiquei, com meu sorriso pateta na face.
Meu filho estava contabilizando sua primeira perda. Tomando a primeira lição.
Para alcançar a bicicleta teria que preterir a companhia inseparável, por todos esses anos de vida, de seu bico.
Sim, aquela coisa antiestética e repugnante que nós adultos condenamos e que as crianças amam.
Naquele momento de festa sua atenção toda era para a bicicleta. E na hora de deitar com seu companheiro? Aquele que o ajudava a ninar e contar carneirinhos? Que teria sido feito dele? Onde estaria? Teria sido jogado fora em uma lata de lixo? Estaria sentindo frio, sozinho, naquela noite de Natal? Não teria ninguém para chupá-lo? Estaria se lembrando de mim? Da maldade que lhe fiz?
Maldita bicicleta, me tiraste meu melhor amigo. Meu bom companheiro de todas as horas. Principalmente à noite assistindo televisão.
Essa maldita bicicleta terá que ter espaço para eu brincar com ela.
Dia de chuva, não pode. Dentro de casa, não pode. Na escola, não pode.
Parece que cometi uma traição e na troca da nova amiga pelo velho companheiro, fui injusto e levei “manta”.
Eu, teu pai, assisti a tudo calado e apreensivo. Queria ver o desfecho.
Aquele propósito teria sido momentâneo? Tu voltarias atrás no dia seguinte?
Para mim, aquela noite de Natal não foi igual às outras. Fiquei cismático.
Para minha surpresa: tu nunca mais falaste em bico.
Uma prova insofismável da tua personalidade e do teu caráter.
Bravo! Filho.
Obrigado.
Teu pai.

27/10/2010
Pedro Parente





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