sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

O LOTAÇÃO


O LOTAÇÃO
Naqueles tempos quando o Rio ainda não tinha tanta gente, o Leblon era uma aldeia. Todos se conheciam pelo nome e não pelo CPF.
A vida passava lentamente. Sem pressa e com muito glamour.
Nossa turma do Edifício dos Jornalistas, no Jardim de Alah era muito grande e se reunia todas as noites, madrugada a dentro, alguns, até o raiar do dia. A alegria era contagiante.
Sem ter o que fazer para matar o tempo, alguns ficavam imaginando que tipo de molecagem se faria àquela hora.
Do transporte urbano participavam os terríveis Lotações como eram conhecidos por sua peculiaridade. Eram micro-ônibus com apenas vinte lugares e com uma porta só. Seus condutores eram pagos por comissão. Quando completava o número de passageiros (lotação) fechava-se a porta e se ninguém tocasse a campainha para descer, só parava no ponto final da linha.
O último lotação passava à meia noite e levava o apelido de Cristo. Depois só às cinco da manhã.
Maneco bem dotado fisicamente parecia uma estátua de ébano esculpida por Da Vinci, de sorriso fácil era a simpatia personificada. Deu a ideia.
A linha Leblon/Estrada de Ferro tinha duas opções via Lagoa ou via Copacabana. A ideia era a turma se colocar no ponto e encher o lotação. O último a entrar perguntava ao motorista:
- Passa na Lagoa? O motorista responderia não este é Copacabana.
Aí descia todo mundo.
E assim foi feito.
Lá vem o lotação vagarosamente com motorista sonolento atento pra ver se “pescava” algum passageiro.
A turma atravessou a rua e se colocou no ponto. Quando o motorista viu aquela quantidade e passageiros apressou-se em parar no ponto já com a porta aberta, largo sorriso e um cortês “bom dia”.
A turma foi entrando lentamente e sentando em seus lugares. Coube ao Maneco fazer a pergunta. Foi um erro estratégico, pois o Maneco ria até de enterro. Entre gargalhada ainda perguntou:
- Passa na Lagoa?
Não aguentou de tanto rir e pulou fora do estribo do ônibus, sacaneando com a turma que estava lá dentro sentada.
O motorista percebeu que se tratava de molecagem, fechou a porta e pisou fundo no acelerador. A turma em polvorosa queria descer, mas não teve jeito. O homem só parou no final da Rua Visconde de Pirajá atendendo ao sinal de um cidadão que estava aguardando no ponto.
Desceram todos com cara de cachorro que cai do caminhão de mudança e se puseram andar alguns quilômetros até o Jornalista.
Maneco sumiu e mais uma madrugada entrou para história.
11/01/2019
Pedro Parente.

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