sábado, 22 de agosto de 2020

O BEIJO

 O BEIJO

Quando vim do Rio de janeiro morar em São João del-Rei, fui trabalhar na fábrica São João no bairro de Matosinhos.

A cidade era tradicional fabricante de tecidos chegando a ter em seu parque industrial sete indústrias. 

Era um momento do Brasil industrial.  

Muito comum deparar-se com grandes construções para abrigar o maquinário onde confeccionavam-se vários tipos de panos.

A Fábrica São João onde trabalhei possuía mais de quinhentos funcionários. 

Quando lá cheguei, como sempre, alguns me olharam de soslaio outros, porém como se diz “o santo bateu”. Dalí para a frente, talvez pela minha maneira de ser e viver todos se tornaram meus amigos. 

Quando sai não deixei nenhum desafeto.

Não tinha muito o que fazer, pois nas fábricas quem trabalha são os operários e as máquinas, aliás trabalhavam muito. A maior parte do tempo de pé com um barulho ensurdecedor. 

Como meu serviço era na administração, não fazia quase nada.

Em pouco tempo tinha meu grupinho lá dentro. Todos mais velhos do que eu e cada um com seu tipo característico.

Entre eles havia um diferente. Pouca conversa, acho que nunca vi seus dentes através de um sorriso. Alto, esguio, forte, chapéu e cigarro de palha. Diziam que era capanga do Chico Turco um homem poderoso do bairro da Chácara.

Benjamim de batismo, tornara-se Beijo entre os íntimos. Ele é que possuía as tralhas de pescaria e morava em frente.

Numa tarde, horário de verão quando o sol se esconde mais tarde, combinaram dar lance num córrego a fim de pegar lambaris, um peixinho bom como tira-gosto.

Fui como convidado. Na minha Brasília foram Arthur e o Beijo no banco de trás. No meio da viagem eu acelerando fundo, ouvi o Beijo falar baixinho no ouvido do Arthur:

- “Pede cotela pro seu Pedro!”

Fui rindo até o córrego.

Encontramos com o restante da turma. Entre eles estava o Bajú, apócope de Abajur seu apelido original. Operário fabril que nas horas vagas fazia uma entera de salário atuando como árbitro de futebol.

Magro, baixinho e careca, não tirava o cigarro de palha da boca e não parava de falar. Tagarelando o tempo todo, passou a perturbar o Beijo que pacientemente desembolava a rede de lancear.

- “Vamo logo véio, já vai escurecê e ocê nessa moleza toda?”

O Beijo não contou até dez, deu uma braçada e pegou a costa inteira, de leste a oeste do Bajú que foi de chapa dentro do córrego.

Cena hilária, emergiu já com dedo em riste xingando a pobre da mãe do Beijo, o restante de cabelo escorrido pelas orelhas, porém o cigarrinho de palha encharcado não lhe saiu do canto da boca.

Após encherem os caçuás de peixe, voltamos às gargalhadas.

Não foi uma pescaria e sim uma peça de humor!

22/08/2020

Pedro Parente 



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