terça-feira, 21 de julho de 2020

TRIBUTO AO MEU BOM AMIGO FLÁVIO






TRIBUTO AO MEU BOM AMIGO FLÁVIO.

No ano de 1960, deixei Belém do Pará onde morava com minha família e vim disputar o Campeonato Brasileiro de Remo na Lagoa Rodrigo de Freitas.
Meus companheiros da delegação voltaram, menos eu.
Seduzido pelas maravilhas do Rio, resolvi ficar. Sozinho, indeciso, com a alma partida, resisti e resolvi fazer minha vida por ali.
Sem formação acadêmica e com pouquíssimo dinheiro, me aventurei com muita dificuldade.
Terminado o campeonato, fui morar com minha tia Emília no Edifício dos Jornalistas na confluência da Ataulfo de Paiva com hoje Borges de Medeiros, anteriormente, Epitácio Pessoa que dava a volta em toda a Lagoa Rodrigo de Freitas.
Muito tímido, fui fazendo amizade com a turma do prédio em que morava e em pouco tempo tornei-me um deles...
Consegui um emprego de “office boy”, ou continuo no Centro.
O salário dava para pagar o lotação, almoço e no fim de semana tomar uma cerveja e um macarrão a bolonhesa no Restaurante Paisano.
Vida modesta, porém, deslumbrante!
Não cansava de admirar o Rio. Me identifiquei e me apaixonei por ele sem restrições.
Nesse clima de euforia. Explodindo de energia própria dos jovens não sentia a vida passar.
Foi assim que me enturmei com o pessoal da rede de vôlei.
Próximo ao canal do Jardim de Alah que deságua na praia, lá estava a rede que possuía matricula na Prefeitura de número 1 (um).
Turma heterogênea e de várias matizes composta a maioria por homens adultos, mais velhos e por isso mesmo, impunha respeito.
Foi aí que tive a felicidade de conhecer o incrível Flávio (Flávio Carneiro da Cunha) carioca da gema.
Tornei-me seu admirador.
Sou seu fã, filho, amigo, irmão ou todos esses qualificativos juntos.
A empatia foi recíproca.
O Flávio era uma pessoa cativante. Em qualquer lugar que estivesse havia sempre uma roda de pessoas em sua volta. As rizadas eram frequentes, porque além de contar histórias, as interpretava com maestria de um profissional de teatro.
Quando faltava ao vôlei, a rede ficava sem graça.
Do trajeto de sua casa na Visconde de Pirajá ao lado do Bar do Veloso, onde se reunia a turma do Tom, Vinícius, Chico & Cia até encontrar a turma na praia, observava alguns detalhes ou cacoetes dos tipos que caminhavam naquela orla marítima e fazia uma apresentação cênica para nossa plateia enfeitiçada. Não havia quem não gostasse.
Parecia um homem comum, mas não era!
Educação refinada, discreto, firmeza de caráter, de personalidade inflexível, guerreiro que matava um leão por dia na sua lida pelo pão de cada dia e disso fui testemunha várias vezes.
Usei do seu aval para comprar passagem a prestação em visita à minha família em Belém. Sempre o fez prazerosamente.
Discreto, tanto que do seu primeiro casamento, nunca soube o nome da ex, pois só se referia a ela como falecida.
Não abria mão da sua condição de pai das filhas do primeiro matrimônio e quando houve o casamento de uma delas, o convite de casamento foi muito discutido, não sei direito porque, porém acho que não queriam colocar o nome dele no convite ou vice versa, não queria que colocassem. Não lembro direito.
Boêmio abstêmio, passava a noite apreciando a Violeta, sua mulher cantando e ele tomando ou Coca ou café com sua conversa cativante.
Violeta era excelente cantora da Rádio Nacional quando se conheceram. Ela sambista de categoria invejável. Muito cortejada, Flávio, ciumento interrompeu sua brilhante carreira. Menina de 13 anos encantou o Maestro Carlos Gomes em uma excursão a Manaus e incentivou-a que viesse para o Rio onde fez grande sucesso interpretando Ary Barroso, Assis Valente, Luís Peixoto e outros tantos da época.
Minha empatia maior com Flávio foi sem dúvida a música. Ele me ensinou muito do cancioneiro brasileiro pois era profundo conhecedor da arte tendo sido Diretor Musical da Rádio Roquete Pinto do Rio de Janeiro que tocava somente música de câmera.
Era costume, nos finais de semana, Violeta ser convidada para cantar em casas e apartamentos de pessoas importantes com intermediação do Flávio. Ela era acompanhada pelo violão do Cesar Farias (pai do Paulinho da Viola), o Jonas do cavaquinho ambos do conjunto Época de Ouro do Jacó do Bandolim, Bené um cearense ótimo violonista e o Thompson irmão do Nerthan que vinham a ser primos do Flávio. Oriundos da Paraíba tinham origem nobre do Barão de Abiaí - Silvino Elvídio Carneiro da Cunha.
Flávio me introduziu ao grupo conhecendo meu amor pela seresta e meu jeito de cantar. Para que a Violeta descansasse a turma dava uma brecha e eu vocalizava meu tímido recado no meio daquelas feras.
Devo muito a ele, por não ter família era vulnerável às maldições da cidade grande como vicio e a prostituição. Flávio me pôs a seu lado e me levava sempre para ambientes familiares.
Era uma personalidade fantástica. Não era de contar fatos amorais e libidinosos que é comum nas conversas entre homens. Não. Raramente falava palavrão, preferia usar o castiço.
De formação acadêmica, houve um fato em sua vida que o entristeceu à época.
Louco pelo Botafogo passou a treinar como goleiro e conseguiu sucesso sendo observado pelo treinador para ser titular do seu time querido, porém seu pai severo não admitiu. Disse que em sua casa somente quem tivesse diploma seria aceito.
Desiludido Flávio deixou seu sonho de lado e dedicou-se ao estudo de Direito.
Formou-se. Recebeu o diploma entregou ao seu pai e nunca exerceu a profissão.
Preocupava-se com todos.
Eu tinha um amigo vindo de Belém que passou a frequentar a rede de vôlei e também se encantou pelo Flávio que enquanto não arrumou um emprego para o Rubinho não sossegou.
Entre muitas coisas da minha vida é responsável pelo meu casamento quando construí uma família formidável.
Lembro-me bem dele falando um ditado popular “Aquele é amigo de emprestar dinheiro!”
Poderia passar o resto do ano, falando com alegria desse meu adorado amigo Flávio que infelizmente não está mais aqui e levou consigo o maior pedaço do meu coração. Lembro-me dele diariamente e tem dias que a lembrança é durante o dia todo.
Tenho esperança em reencontrá-lo e dar-lhe um grande abraço.
Para não ser cansativo, encerro por aqui exaltando as virtudes desse amigo inesquecível.
Para Renata sua filha espero ter matado um pouco de sua curiosidade sobre seu pai a quem tive o privilégio de compartilhar grandes momentos de nossas vidas.
Pode se honrar dele e também sua mãe que participei da sua luta quando conseguimos aposentá-la.
Um grande abraço!
21/07/20
Pedro Parente









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