sexta-feira, 23 de outubro de 2020

O ENGRAXATE

 Nos idos de 60 quando a esquina do Kibon em São João del-Rei era o ponto de encontro da rapaziada de várias tribos, idades e matizes, haviam figuras populares que faziam parte daquele glamuroso cenário. Entre elas havia uma que me chamava atenção, o engraxate.

Naquele tempo não se usava tênis no dia a dia, os calçados eram de couro e quem não estivesse com os seus brilhando era considerado desmazelado.

Menino experto de voz grossa com sua caixinha de engraxate, talvez fabricada pelo próprio. Tinha acabamento de principiante e material de terceira categoria, resto de embalagem de maçãs.

Por ser pequena e portátil engraxava os sapatos das pessoas em qualquer lugar, na rua ou dentro dos bares onde os proprietários permitiam em virtude do admirável esforço pela sua sobrevivência.

Todos o acarinhavam e era comum pagar-lhe um lanche. Educado, alegre e feliz, agradecia.

A vida foi caminhando cada um cumprindo seu mister.

Anos passaram e encontrei-o novamente. Não cresceu tanto. Sua voz continuava mais rouca e forte, porém percebi que havia mudado de vida para melhor pelo estampado do seu traje.

Dê-lhe um abraço saudoso e me contou que, a “duras penas” conseguiu formar-se em advogado já inscrito na OAB vinha conquistando seu espaço no Fórum da cidade, já tendo obtido sucesso em várias causas.

 Havia construído um patrimônio razoável para iniciante e tornou-se defensor dos oprimidos advogando gratuitamente.

Não sei, nasci cheio de perguntas, obtive poucas respostas e acumulei mais perguntas.

Uma delas é sobre a vida do meu amigo Sérgio.

Após tanta luta, quando começou a recolher os frutos da sua persistência, perdeu a vida num acidente idiota no qual foi vítima fatal.

Prefiro guardar na minha lembrança a imagem do menino engraxate que alegrava a “Esquina do Kibon!” 

23/10/2020


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