terça-feira, 27 de outubro de 2020

SALVITO

 

SALVITO

Quando cheguei a São João del-Rei, não imaginava encontrar tanta gente boa, alegre e feliz. Na força dos meus trinta anos, não foi difícil me adaptar. Comecei a frequentar a esquina do Kibon onde a moçada se reunia.

Ali encontrei joias raras. Um destaque especial para meu amigo SALVITO.

Espanhol de Salamanca, Espanha, me chamou atenção por sua educação refinada e sua alma generosa. Nos tornamos irmãos pela recíproca empatia. Adorava sua companhia, nas minhas festas e empreitadas ousadas ele era o primeiro a ser chamado. Nunca obtive um não.

Contou-me que ao chegar ao Brasil com 8 anos de idade pelas mãos de seu pai, ao subirem a serra de Petrópolis rumo a São João, seu pai entusiasmou-se com as bananas ouro vendidas em profusão naquele local. Parou o carro e juntos detonaram um cacho inteiro. Bem verdade que as bananas são pequenas e o cacho também.

Vivíamos um tempo de bonança. Quando terminava o mês, sobrava dinheiro. Hoje sobra mês e falta dinheiro.

Aproveitando a fase, o lazer era fundamental, de modo que surgiam entretenimentos de toda forma e todos os dias.

Tínhamos uma pelada tradicional no sábado a tarde no campo do Siderúrgica na vila Santa Terezinha, pretexto para a festa após o jogo, quando Nonato nos levava até sua casa para saborearmos os quitutes de sua esposa Dª Clarisse pessoa afável e generosa. O Miltinho representante da Skol gostava, pois reservava em sua câmara frigorífica um barrilzinho de chope com 30 litros e nos cedia a bomba para servirmos.

As pescarias tornaram-se corriqueiras a ponto de compramos um ônibus usado. Juntamos com mais dez amigos. O Guilherminho tirou alguns bancos do “grisu”, colocamos um freezer, as traias e os instrumentos musicais. Da turma fazia parte “nossa orquestra”: Asa Quebrada, Nô Carbajal, Murilo Capacete e Dadá.

De motorista levamos o Waldemar, profissional que puxava gasolina para o Posto do Pedrão. Levava o ofício a sério e não bebia. Para ele um suplício, vendo a turma enchendo a cara e ele de cara limpa.

Salvito ia sentado no primeiro banco ao lado do motorista e quando cruzávamos com outro caminhão, levava a mão na boca num gesto tradicional da comunicação entre profissionais do volante que significa “beleza” “trânsito limpo”.

Uma graça!

Passamos uma semana em São Romão. Não pescamos nada, porém, o dono da vendinha ficou boquiaberto com a quantidade de garrafões de pinga vendidos.

Ora éramos a seleção brasileira de consumo do precioso líquido. Uns mais outros menos, porém, os mais, sai de baixo: Hélio Barreto, Bolão, Dadá, Nô Carbajal, Asa Quebrada.

Salvito, Claro, eu, Guilherminho, Umberto, Erick, Vitorino, Judas, Rubinho, Zé Vitorino, Capacete, Cafezinho éramos mais moderados, alguns dando preferência à cerveja que também serviu para desovar o resto do estoque do moço da venda.

O Erick, na nossa para em Pirapora, contratou uma moça para servir de cozinheira na nossa estada. Chamava-se Rosa. Foi muito prestativa manteve a casa asseada e a cozinha em ordem. De origem muito pobre, ao retornarmos, fomos deixa-la em sua casa.

Um lugar na periferia no limite da extrema pobreza.

Encontramos seus velhos pais emocionados, às lágrimas, pois não sabiam de seu paradeiro.

Voltávamos com um estoque substancial de alimentos que haviam sobrado pelo exagero das compras.

Descarregamos tudo ali para aquela família.

Embarcamos no ônibus! Silêncio sepulcral!

Ouvia-se apenas o som do nariz aspirando o líquido da mucosa produzido por quem chora. Aquele bando de homens emocionado.

Por instantes nosso trajeto transformou-se em séquito silencioso e constrangido.

Mais uma lição que a vida nos impôs!

Nossa rotina continuou até que a vida em seus desígnios, nos foi envelhecendo e a alegria diária foi dando lugar a fisionomia carrancuda de sobrancelhas crispadas reflexo de problemas oriundos de emaranhados das teias que nós mesmos tecemos.

Salvito dividia comigo confidências e muitas vezes eivadas de tristeza. Era uma pessoa reservada e evitava transmitir suas tristezas aos amigos, porém em determinado momento ia até as lágrimas lembrando-se de sua mãe.

Construiu sua família deixando um retrato seu, de sua bondade e simpatia na filha Manuela que tenho a felicidade de ser seu amigo.

Precocemente, certo dia, recebi um telefonema do Judas aos prantos, comunicando que ele havia falecido.

Naquele momento fiquei sem chão! Aquele com quem dividi meus momentos de euforia havia me deixado! Foi como um punhal no meu coração. Dali para a frente, a Cantina onde nos reuníamos, passou a ser um mausoléu.

Espero encontra-lo brevemente num jardim florido com uma grande mesa sentados à seu lado muitos amigos que também já se foram. Aí minha tristeza recôndita dará lugar a uma alegria esfuziante.

Aguarde-me Dodô!

27/10/2020

PedroParente

 

 

 

 

 

 


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