sábado, 7 de março de 2009

O FUNERAL

O FUNERAL

Há tempos passado, numa pequena cidade do interior, habitava um cidadão chamado Joca Nonato. Homem sisudo, de pouco riso, temente a Deus, daqueles que não precisava assinar qualquer tipo de documento, bastando apenas um fio de seu bigode; cumpridor de suas obrigações e por isso mesmo, muito respeitado por sua probidade.
Com todos esses predicados, invariavelmente seu Joca era convidado a batizar crianças nascidas no local.
Certo dia, não fugindo a regra, convidaram-no a batizar uma linda menina nascida naqueles dias e que seria levada a pia batismal para ser ungida com os santos óleos dos catecúmenos.
Ao término da cerimônia, seu Joca fez questão de presentear o padre com sua espórtula. Abraços de confraternização entre os compadres e presentes, aquela menina saiu dali com o nome de Francisca de tal e que logo em seguida seria conhecida pela alcunha de Francisquinha.
Francisquinha tornou-se uma menina ativa e no colégio só tirava notas ótimas, mostrando destarte sua admiração e abnegação pelos estudos.
Assim foi que logo concluiu com louvor o segundo grau na escola local que era o ensino máximo que existia.
Seus pais percebendo a necessidade de sua filha em prosseguir nos estudos, fizeram um sacrifício e a levaram para concluir seu curso em uma grande cidade, próxima ao vilarejo onde moravam.
Francisquinha progrediu e conseguiu se formar em odontologia.
Por uma fatalidade do destino, Francisquinha foi vítima de um mal súbito e veio a falecer.
Seu Joca, cumpridor de suas obrigações, recebeu a notícia já em cima da hora. Não titubeou. Chamou o filho e pediu-lhe que o levasse até o velório da afilhada.
Quando chegou ao cemitério, o enterro já seguia, rumo à sepultura, com o caixão sobre uma pequena carreta, sendo empurrado por parentes contritos em profundo silêncio.
Sem pestanejar seu Joca interrompeu o séqüito, pedindo que abrissem o caixão, pois queria prestar sua última homenagem ao morto.
Aqueles que empurravam a carreta, atenderam seu Joca, emocionados.
Quando o caixão foi aberto, seu Joca surpreso e a moda do bom mineirinho, colocou a mão esquerda sob o braço direito e a mão direita no queixo e exclamou:
- Uai! Eu não sabia que a Francisquinha estava usando bigode!
Esclarecida a confusão, soube-se que a Francisquinha já havia sido sepultada e aquele que ali jazia era outro defunto do sexo masculino.
Pedro Parente
pedro.parente@oi.com.br


PS . Os moradores da rua Luiz Giarola, da Colônia, não sabem ainda em quem votar na próxima eleição para Prefeito de São João, porém já têm certeza em quem não votarão, em protesto as autoridades municipais pelo descaso com aquela rua. Nem operação tapa-buraco foi feita. Estão juntando dinheiro na seca para jogar fora na época das águas. Que decepção...

CAUSOS DO SALÃO - Lalado

CAUSOS DO SALÃO



No final dos anos quarenta, aconteceu um fato com meu pai “Zé do Cercadinho”.
Ele gostava de se fantasiar nos carnavais e sair com a “Turma do Zé Pereira”, grupo de fantasiados que circulavam pelas ruas do centro de São João.
Papai gostava de caprichar na indumentária, e naquele ano pegou um mantô preto e comprido, de pelos brilhantes, grosso e quente pacas. Colocou uma peruca feita com cabelos de milho, óculos escuros, um par de botas pretas e, com a ajuda de minha mãe ele se fantasiou e saiu.
As recomendações de sempre:
- Cuidado! Não beba muito e não faça igual aos outros anos. Volte hoje!
- Pode deixar que eu não vou virar a noite, não!
O que minha mãe não imaginava, é que uma hora depois, papai chegou em casa danado da vida, dizendo que ia trocar a fantasia. Sem explicar muito ele disse que tinham posto um apelido que ele não gostou e, como tava virando gozação ele resolveu voltar.
Arrumando um lençol fez um turbante tipo árabe, colocou os óculos pretos, um outro paletó, também preto, calção branco sapato e meia ¾ e tornou a sair. Mas como ele não havia dito o apelido recebido, mamãe, curiosíssima perguntou:
- Qual foi o apelido José, que te deram?
Ele com a maior cara de cínico, disse:
- Me chamaram de parteira e eu não gostei.
Ai foi a vez de minha mãe, dando boas risadas dizer:
- Então vai pra farra seu URUBU-REI.
Lalado
CAUSOS DO LALADO

No bairro do Bonfim aqui em São João del-Rei, existe uma barbearia de um mestre no ofício de cortar cabelos e, também contar “causos”.
Aconselho àqueles que sofrem de depressão ou de tristeza que experimentem um corte de cabelo ou uma barba com o Lalado.
Tenho certeza que o cidadão sairá de lá, muito mais leve, não só aparentemente com o corte do cabelo, como sairá leve por dentro ao ouvir um causo contado por esse especialista em retratar as figuras do cotidiano.
Num desses dias, fui lá acertar as pontas daquilo que restou da minha cabeleira e contou-me que, em outros tempos, havia um verdureiro na Praça do Bonfim.
Seu estabelecimento era simples, porém muito sortido. Tinha uma peculiaridade, a pinga era da melhor qualidade. Com isso, tinha uma freguesia cativa.
Numa manhã de inverno, uma rapaziada da pesada, filinhos de papai, começou a beber e tirar o gosto com tomate, outros com laranja e mexerica.
Lá pelas tantas quando o consumo da marvada pinga já era exagerado, iniciaram uma guerra de frutas, uns contra os outros.
A coisa tomou grandes proporções e foi parar no meio da rua destruindo o estoque do pobre verdureiro.
O Zé Honorato, um cidadão negro e sestroso, motorista de profissão, pois dirigia um caminhão velho que de tão velho a carroceria tinha somente o assoalho, as laterais e o fundo não existiam mais. O capô não tinha as travas, de maneira que quando o caminhão andava, o capô levantava e caia dando-nos a impressão que aquilo era a boca de um enorme jacaré, ainda mais que a boléia era verde surrado pelo tempo.
Zé Honorato conservava o sotaque de carioca e exagerava nos xis. Isso era sua marca registrada.
Naquele dia subia o morro a pé com destino à sua casa para “traçar uma mistura”, olhou aquela confusão: melancia, laranja, mamão, tomate, tudo voando. Não se fez de rogado e continuou seu caminho dentro de sua calça de linho e blusa branca social.
Ao aproximar-se daquele tumulto, levou um tomate maduro no peito, manchando sua blusa branca de vermelho.
Correu em direção à barbearia do Lalado e lá entrou esbaforido. Sentou-se numa cadeira, pos a mão na mancha vermelha na altura do peito e falou:
“-Lalado , essssssstou ferido, levei um tiro nosssssss peito”. Caprichando no sotaque.
O Lalado muito velhaco, a fim de testar o Zé, disse-lhe:
- Agüenta mão que vou chamar a ambulância.
Zé Honorato deu um salto da cadeira e falou:
- Não precisa meu amigo, a patroa é enfermeira ela faz o curativo com essssssparadrapo.

Pedro Parente
pedroparente@oi.com.br

Causos do salão

Causos do salão
Lalado

Arlindo um servente de pedreiro, homem sisudo de poucas palavras. Morava no alto do Morro da Forca próximo à igreja do Bonfim.
Certo dia, quando subia o morro com um pesado feixe de retalhos de madeiras no ombro, perto do filtro que distribuí água para a cidade, passa por ele, o caminhão em que é Zé Honorato trabalhava.
Um Chevrolet velho,..., que não tinha buzina e nem arranque. Para entrar na cabine, só se fazia pela porta do motorista, pois a outra não funcionava. Quando chovia, a água entrava direto para a cabine, pois não tinha vidros, porém não causava nenhum problema, do jeito que entrava por cima, saia por baixo o assoalho era que nem tábua de pirulito, isto é, todo furado. Naquele caminhão o que o Zé tratava com o maior cuidado eram os freios. Morando no alto do morro tinha consciência que sem eles estaria pondo em risco a integridade física dele, dos pedestres e dos postes de iluminação. Seu caminhão era movido a gasolina e seu abastecimento não era feito direto na bomba e sim com um conta-gotas. Volta e meia via-se o Zé com uma latinha carregando combustível para o caminhão.
Zé Honorato parou o caminhão no bar que ficava em frente ao filtro, como Arlindo era seu vizinho, Honorato ofereceu carona para o amigo:
- Arlindo tu vais pra casa? Joga esse feixe ai na carroceria e vem tomar umas e comer um tira gosto.
Sexta-feira, a grana do Arlindo só saia no Sábado, ele não pensou duas vezes e fez o que Honorato propôs. Beberam umas e outras boas, até esquecer.
Seis e meia da noite entraram no “velho” (caminhão) como era tratado por Honorato que quando bebia exagerava nos “efes e erres”.
- Arrrlindooo, vou ter que darr um tranco para fazer o pau velho pegar.
O caminhão não possuía motor de arranque e eles estavam cerca de cem metros de distância das suas casas, no topo do Morro da Forca. Engrenou uma marcha a ré. E foi dando tranco descendo o morro, passando pela Praça, Rua Ribeiro Bastos, Largo de São Francisco e a Rua da Prata. O pau velho parou próximo ao convento. Ali não tinha mais inclinação para o caminhão descer e não pegou no arranque.
O Arlindo p. da vida, virou para Honorato e disse:
- E agora Zé como que fica? .
Zé Honorato respondeu, curto e grosso:
- Eu vou ficar aqui. Põe a lenha no ombro e sobe o morro novamente.
Arlindo arrependido de ter aceitado a carona, não teve outra alternativa, jogou feixe no ombro, tonto das pingas e p. da vida, refez todo o caminho pela segunda vez, depois de um dia de trabalho pesado.
Chegou em casa as tantas da noite, com o ombro sangrando e ainda por cima tomou uma bronca da mulher:
- Isso é hora de um chefe de família chegar em casa com a cara cheia de cachaça?