sexta-feira, 17 de março de 2023

TEMPOS FELIZES

 TEMPOS FELIZES

Vivíamos tempos felizes nos anos 60/70. Nossa cidade São João del-Rei era exaltada como o melhor carnaval do interior do Brasil, graças à genialidade do Jota D’Ângelo e sua esposa Maria Amélia. Ele, cientista, sambista, teatrólogo e outras qualidades que Deus lhe deu, criou uma escola de samba que era um verdadeiro luxo.

Durante o carnaval, a cidade ficava lotada, não só de turistas como também, de jornalistas e repórteres que aqui vinham para fazer a cobertura para seus periódicos.Com isso o nível do desfile das Escolas de Samba subiu para um patamar muito alto, pois despertou a disputa e outras escolas foram criadas.

Naquela época, tudo acontecia na “Esquina do Kibon” que recebeu esse apelido por ter sido ali instalado o primeiro freezer dessa marca já tradicional e quem atendia os fregueses era nosso saudoso Claudionor que depois montou seu barzinho mais pra frente servindo além de sorvete, um cafezinho e quitandas mineiras. Passou a vida de comerciante ali naquele quarteirão. 

Tinha uma freguesia tradicional composta, principalmente, por aqueles jovens de outrora, hoje encanecidos.

Era uma alegria só!

A turma era heterogênea! Uns com pouca e outros com muita idade. Não havia distinção. Só não havia lugar para os mau- humorados.

Haviam dois bares que faziam concorrência pacífica. Invariavelmente um proprietário visitava o estabelecimento do outro em admirável harmonia. A freguesia optava pela frequência de um dos dois, naturalmente.

O proprietário que mais durou foi o do Clever’s Bar. José Carlos pessoa atenciosa. Trabalhava muito. Tinha por ele uma admiração pessoal, pois quando comecei a frequentar seu bar, mesmo morando no Rio, permitia que “pendurasse” minha conta até minha volta.

Era costume, a turma mais velha, Arthur, Sô Lobo, Titita e outros, permanecerem ali bebendo até o Zé Carlos fechar. Naquela altura o Zé já participava das rodadas com seu famoso “rabo de galo” que consistia misturar várias bebidas de dose em um copo só e mandar pra dentro.

Com as portas de aço fechadas, a prosa continuava e o grau da “marvada” ia subindo. De repente, um circunstante perguntava quem morreu?

Os velórios eram feitos em casa. Normalmente serviam café com biscoito àqueles que iam prestar suas condolências ao “de cujos” e aos íntimos, lá no fundo da casa, uma pinga era certa.

Naquela noite, a turma se excedeu na prosa e quando deu pela coisa a madrugada já ia alta. 

Partiram todos para um velório no Tijuco.  

Um casarão lúgubre, pouco iluminado com um longo corredor. Tateando, cegaram até o morto estendido em um modesto caixão com quatro círios acesos em sua volta.

Titita sempre pensando em fazer “arte” obedecendo seu humor, postou-se na entrada da casa e todos os que chegavam ele avisava contrito, baixinho:

- CUIDADO COM O DEGRAU!

Os avisados percorriam o imenso corredor, arrastando os pés esperando topar com o tal “degrau” que não existia.

Uma boa maneira de encerrar uma madrugada boêmia!

17/03/2023

Pedro Parente

 


sexta-feira, 10 de março de 2023

CASAMENTO DO ARTHUR

 CASAMENTO DO ARTHUR

Vivíamos tempos felizes em João del-Rei e nos encontrávamos na esquina do Kibon. Era o ponto da muvuca. Todos gozando uns aos outros, sem confusão.

A turma era eclética e não havia distinção de gênero, nem de cor e muito menos de situação financeira. Os que tinham boa situação, pagavam para os que não tinham, semc fazer perguntas e sem humilhação.

Normalmente, quando estávamos com os bolsos recheados com o pagamento do mês e amigos endinheirados, por entre enormes 

queijos dependurados do teto, sentávamos na Cantina Calabresa, de uma simpática e laboriosa família italiana.

Já tínhamos nossa mesa reservada. A famosa “mesa zero” onde eram servidas as delícias daquela terra acompanhadas de bons vinhos Chianti.

Chamava-se mesa zero porque certo dia o Judas estava sentado em uma das mesas e eu na outra. Um de nós fez um pedido. Quando o Brás trouxe perguntou onde seria marcada a “comanda”?

Os números eram colados na parede em um pedaço de papel. Cada número em um papelzinho. No caso era mesa 10, porém o número um havia caído.

Judas, sem pestanejar mandou debitar na mesa ZERO, pois foi o número que sobrou.

Estava batizada a mesa “ZERO”.

Ali discutia-se tudo, desde politica e, principalmente samba. As vezes uns exaltados, depunham até presidente de países amigos!

Nesse clima, vivíamos a gargalhar, irresponsável e alegremente. Arthur com seus “causos” contribuía para o humor da mesa. 

O tempo inexorável foi passando até que certo dia Arthur conquistou uma namorada. Ela, também passou a ter seu lugar na nossa mesa. 

Com todo respeito!

Daquela convivência, surgiu a ideia de promovermos o casamento do Arthur.

O consultamos e ele gostou da ideia, pois não se conformava em morrer e deixar sua pensão do INSS para ninguém. Nesse caso ficaria para a viúva.

Sua aposentadoria foi conseguida à conselho de autoridades que nos premiavam com sua presença e a contribuição dos nossos parceiros de boemia.

Foi aberta uma poupança na Caixa em seu nome. Todos contribuintes tinham direito à festa no salão adjacente à Cantina.

Luiz e irmãs, filhos do seu Ítalo entraram com os pratos salgados. A bebida seria paga pelos consumidores.

Não assisti a cerimonia religiosa pois estava envolvido com a festa que foi um sucesso inesperado

Lotou o salão!

Dezenas de autoridades, comerciantes, industriais, juízes, generais e outros boêmios.

Festa de arromba!

O chope correu solto! Nenhuma confusão!

A poupança rendeu uma grana substancial. Anos passaram e ela ainda estava intacta. 

A quem pensava que ele era perdulário, enganou-se, era um tremendo “mão de vaca”.

O tempo passou, sem ter onde morar com sua esposa, recolhi o casal na minha casa.

No final de sua vida, internado em um hospital no Rio, já doente divertia todo mundo na enfermaria. 

Antes de morrer disse ao médico que o atendia:

- Dr na vida já fui tudo, menos puto e ladrão!

Saudades do bom amigo que a perversa morte levou!

10/03/2023

Pedro Parente






luis antonio

 


terça-feira, 7 de março de 2023

REGENERAÇÃO DE UM DEVASSO - Parte 2

 REGENERAÇÃO DE UM DEVASSO – Parte 2

Prosseguindo com a narrativa a respeito do filme 8mm produzido pelo Serginho Ratton para competir no Festival de Cinema de Curta Metragem no Rio de Janeiro e elenco amador da Esquina do Kibon, muita coisa aconteceu.

Encerrada a filmagens foram todos comemorar no boteco do Vandico na zona boemia próximo à casa da atriz principal. Ela era um monumento feito em mogno preto tal seu corpo esbelto e charme impecável. Preservo seu nome por motivo óbvio. O Arthur – ator principal não descolava dela embora seu coração já pertencesse a outro. 

Ninguém tinha ciúme! Eram todos amigos e pertenciam a mesma seita dos celibatários.

No final da comemoração com o dono do boteco já apreensivo, pois tinha perdido o controle da conta, começou a coçar a cabeça prevendo seu prejuízo. Serginho, o produtor, assumiu o comando e fez uma coleta com os que tinham algum trocado.

Deu tudo certo e o dono da botica ficou feliz.

Encerrada a filmagem coube ao produtor fazer os cortes e acabamentos e partir para o Rio, pois o prazo estava se esgotando para cumprir a parte burocrática.

Na noite marcada, seriam duas noites, no Cinema Paissandu no bairro do Flamengo às 20 horas foram exibidos os filmes concorrentes.

Arthur todo de branco, inclusive os sapatos, nada de terno, cabelo arrumado com brilhantina Glostora, recebendo na portaria os convidados, muitos da sua cidade, era o verdadeiro galã das chanchadas da Atlântica.

O Festival era sério. O júri era composto por figuras consagradas do cinema e do teatro, entre eles Alex Viani renomado e admirado por suas peças e seus livros sobre a sétima arte.

O filme foi muito aplaudido. Passou na primeira peneira e ficou para a segunda noite o julgamento final.

Não ganhou o primeiro lugar, mas foi bem classificado.

De volta à “terrinha”, o filme repercutiu nas redondezas.

O prefeito de Aiuruoca, convidou para que o filme fosse rodado naquela simpática cidade e que se levasse os atores.

Assim foi feito. 

Foram recebidos com banda de música e um lauto jantar.

Sobrou comida, porém o garrafão da “preciosa” teve que ser reabastecido.

Arthur, como sempre, com sua simpatia conquistou o coração das moças, inclusive o do prefeito que gostou tanto, não queria que ele voltasse.

Éramos felizes e sabíamos!

07/03/2023

Pedro Parente



segunda-feira, 6 de março de 2023

REGENERAÇÃO DE UM DEVASSO

 REGENERAÇÃO DE UM DEVASSO

Lá pelas décadas 50/60, “Anos Doirados” vivíamos a plenitude de nossa juventude. 

Na “Esquina do Kibon” era um clima de imensa alegria da turma que ali frequentava assiduamente.

Numa turma grande as habilidades de seus componentes são diversas. Sergio Ratton craque no manuseio de máquina fotográfica e filmadoras, projetou fazer um filme curta metragem, acho que se chamava 8mm, para concorrer num Festival no Rio de Janeiro.

Como não dispunha de orçamento generoso, convocou seu elenco de protagonistas entre os amigos participantes das mesas dos botecos da esquina. Para ator principal escalou Arthur Nogueira. Um figuraço! 

A mesa a que estivesse sentado, formava-se roda de boas risadas tal era seu senso de humor. Não havia ninguém que ficasse sério com suas histórias passadas no Rio onde foi aluno laureado na malandragem carioca.

No roteiro do filme, em certo pedaço, Arthur representava o demônio sentado ao lado do sino na torre da igreja Matriz. 

Para caracterizá-lo de diabo, teriam que ser adaptados os dois chifres. Devido os parcos recursos foram improvisadas duas casquinhas de sorvete. 

Podem não ter ficado muito perfeitas, mas que eram saborosas não tenho dúvida!

Um cenário que não poderia faltar era a zona do meretrício, extinta pela concorrência da liberação do sexo após o Festival de Woodstock - (droga, sexo e rock in roll).

A atriz principal fora encontrada naquela zona boemia. Uma linda boneca negra, jovem de corpo escultural. Arthur, fora de cena, não a deixava em paz!

Lembro-me de uma das últimas cenas, constava o enterro do “Devasso” que levava o Arthur dentro de um caixão de madeira. O cortejo foi um pouco demorado, pois em cada boteco no trajeto, uma parada para abastecer “a bateria”. 

E tome pinga!

Lá pras tantas, uma parada definitiva! Todos entraram no boteco e esqueceram o Arthur, dentro do caixão no sol pois já cochilava sob o efeito da “marvada pinga”.

Começou a amontoar-se a garotada curiosa em volta docaixão.

De repente, um milagre: o morto sentou-se no caixão e a garotada saiu em disparada.

Nosso herói entrou no boteco protestando onde a turma já curtia a terceira dose!

Os circunstantes não entenderam nada!

Vá de retro!

06/03/2023

Pedro Parente 


sexta-feira, 3 de março de 2023

SEQUELAS DA BOEMIA

 SEQUELAS DA BOEMIA

Há tempos, no Bar do Antônio José, nas noites de terças feira era dedicada à seresta no que o proprietário batizou de “Noite do Aldo.

Aldo Lobo Leite tinha um vozeirão de fazer inveja.  Se acompanhava com seu inseparável violão seresteiro. Como seu amigo de longas datas, me atrevia a participar com ele daqueles verdadeiros saraus.

Era uma temeridade, pois na madrugada, embriagado, assumia o volante do meu velho Gol 1.600 e atravessava a cidade para chegar à minha casa.

Tinha o cuidado de manter meu estado etílico controlado.

Certa noite, a seresta estava muito gostosa e o Aldo tinha hora para deitar-se. O Bar estava cheio alguém pediu que o substituísse. Um dos participantes pegou o violão e a emoção tomou conta de mim fazendo que perdesse a noção do tempo.

Alta madrugada o dono do Bar já querendo dormir pois o mesmo era em sua casa de moradia, paramos, pagamos a conta e saímos.

Aí percebi que tinha excedido na “marvada pinga”. Sentei-me ao volante do “pau velho” e não sabia se dormia ou dirigia. 

Com a imagem do meu filho na lembrança, dispus-me a chegar rápido em casa.

Próximo à minha casa no bairro retirado onde moro na zona rural, desceram na minha frente dois cavalos.

Consegui desviar, porém não desviei do barranco e entrei com tudo nele.

Bati com violência. Sem cinto de segurança não machuquei porque Deus não quis.

Passado um tempo, percebi que minha coordenação motora não estava bem. Tentava colocar a tampa numa garrafa, errava o gargalo.

Tive que levar minha família a B. Horizonte. No meio do caminho notei que estava “comendo a faixa” que divide as pistas.

Percebi o perigo e pedi que meu sobrinho nos trouxesse de volta.

Chegando em casa liguei para meu amigo Dr José Flávio e contei-lhe do meu sintoma. Pediu-me que fosse internado imediatamente na S. Casa. 

Após fazer ressonância na minha cabeça, constatou um sangramento que estava pressionando meu cérebro perigosamente.

No dia seguinte o Dr Paranhos abriu minha cabeça. A pressão era tão grande que o sangue coagulado saltou longe.

Felizmente correu tudo bem nas mãos desses profissionais de primeira categoria.

Quando voltei da anestesia e recobrei meus sentidos, o meu amigo Zé Flávio para verificar meu estado de consciência, falou:

- E aí Pedrão?

- Estive no inferno!

- Tinha mulher boa lá?

- Se tivesse eu tinha ficado por lá!

Aí ele pode confirmar o meu estado de lucidez!

Essa foi uma das minhas visitas a UTI da Santa Casa a quem devo agradecer a competência e generosidade de todos aqueles que ali militam.

Já era para eu estar do outro lado, porém o Zé Flávio e o Paranhos não deixam!

Obrigado!

03/03/2023

Pedro Parente