quinta-feira, 30 de junho de 2022

CASA GRANDE - 2

 CASA GRANDE – 2

Após a viagem rio acima, chegamos finalmente ao sítio Canta Galo. Encostamos o barco que se chamava Pingas, no trapiche e fomos recebidos com muita alegria e respeito pelos trabalhadores e o administrador que ali moravam.

Com a nossa presença ali, os habitantes da casa criaram um ritual de respeito que me intrigava os olhos.

Todos tomavam benção do meu pai fazendo uma genuflexão com um dos joelhos. Se duas pessoas estivessem conversando e só existia o caminho para atravessar a conversa, eles se abaixavam em sinal de respeito. Depois do jantar servido numa mesa grande, meu pai a cabeceira, iluminada por uma luz bruxuleante vinda de umas lamparinas a querosene dependuradas nas paredes.

O cenário era meio amedrontador, porém o bom humor das pessoas distraia nossas mentes.

Naquele ambiente começavam as conversas de acontecimentos  ali naquela mata na beira do rio. Eram muitas as histórias. Alguns contadores de causos se empolgavam e exageravam na mentira. O riso tomava conta.

Lembro-me bem do Adélio. Muito bem humorado, carpinteiro de mão cheia. Construía embarcações das maiores as menores. Lá como a condução é fluvial chamam as canoas pequenas de montaria ao invés de cavalos.

Adélio cotou que uma tarde vinha remando sozinho em sua montaria e avistou a sua frente um toco enorme flutuando a sua frente. Passou a remar para o meio do rio a fim de desviar. Não conseguia chegar ao fim do maldito toco que o impedia de seguir em frente.,

Cansado parou para ver o que era aquilo.

Após minuciosa verificação descobriu que o toco de madeira flutuando era nada mais nada menos do que um fio de cabelo de sua pálpebra.

Êta! Caboclo bom de prosa!


30/06/2022

Pedro Parente



terça-feira, 28 de junho de 2022

 CASA GRANDE

Lá para as bandas do Rio Guamá no Pará, meu avô português de Lisboa adquiriu um enorme latifúndio de milhares de hectares de terras tornando-se Coronel da Guarda Nacional. Esse título pomposo era honorífico e pessoas possuidoras de grandes propriedades tinham o direito de compra-lo com um detalhe tornavam-se responsáveis pela segurança daquele local.
O tempo passou, meu avô faleceu e coube a meu pai administrar aquele mundo de terra.
Impossível, pois eram mais de 30.000ha. de floresta, rios e igarapés.
Havia a Casa Grande que tomou o nome de Canta Galo.
Feita sobre esteios de acapu, madeira de lei resistente à água, toda rústica sem qualquer luxo, porém, muito confortável com a cumieira alta e muito ventilada para amenizar o intenso calor tropical. Possuía um trapiche longo que adentrava o rio onde atracavam as embarcações. No meio do terreiro ainda resistia um objeto feito de um grosso esteio de madeira que servia para amarrar e surrar escravos rebeldes.
Minha mãe jurava que nunca meu avô mandou amarrar alguém àquele horroroso objeto de tortura.
Como criança, o que mais me chamava atenção era o tendal de grande utilidade naquela região onde chove diariamente.
O tendal servia para proteger o cacau que secava ao sol, das chuvas repentinas. Tratava-se de uma choupana de sapé bem baixinha sobre rodas.
Quando caia a chuva, os homens corriam e empurravam a casinha sobre uns trilhos de madeira, cobrindo os grãos de cacaus que secavam.
Guardo na mente imagens e fatos inesquecíveis daquele tempo de menino.
Morávamos em Belém. Meu pai tinha um barco a motor e uma canoa a vela para transportar a produção dos colonos para a feira. Em algumas dessas viagens ele me levava.
Eram seis horas de viagem rio acima correndo a favor da correnteza que muda de direção de seis em seis horas.
Tenho guardado na minha retina uma imagem que jamais esquecerei.
O sol escondeu a noite clara tomou conta do rio manso.
Aos poucos foi surgindo por trás da mata uma enorme lua cheia refletindo sua claridade no espelho do rio.
Dava pra se ver os botos tucuxi com sua velocidade espantosa se exibindo em bando bem próximo ao talha-mar da proa do barco.
Fiquei extasiado!
27/07/2022
Pedro Parente
Valéria Assis Coelho, Cid Lima e outras 40 pessoas
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INOCÊNCIA

 INOCÊNCIA.

Quando escolhi o lugar para construir minha casa, procurei um lugar calmo e encontrei a estrada velha da Aguas Santas. Era uma estrada de terra onde transitava mais gado do que carros; ao invés do som de buzinas estridentes o som mavioso do mugido dos bois.
O tempo passou. Chegou o progresso com suas modernas extravagâncias. Cobriram a romântica estrada com asfalto e os carros substituíram o gado que caminhava lentamente; derrubaram uma floresta para construir um loteamento, substituindo as árvores por asfalto e concreto; no portão de minha casa edificaram uma rotatória perigosa de imenso mau gosto e os acidentes se tornaram frequentes.
Essa madrugada ninguém dormiu devido ao som vindo de potentes caixas de som vindas do Parque de Exposição.
O que fazer?
Como diziam os antigos:
- "RECLAMA PRO BISPO!"
25/06/2022
Pe

quarta-feira, 15 de junho de 2022

SACRILÉGIO

 SACRILÉGIO

Quando trabalhei numa fábrica de tecidos fizemos compra de algodão em rama diretamente do produtor no sul da Bahia. Algodão de boa qualidade, fibra longa.

Acho que eram 100 toneladas acondicionados em fardos de aproximadamente 200 kg. A carga representava uma quantia elevada tanto que o produtor veio junto.

Chamava-se Rosalvo, vermelho de cara larga sulcada pelas intempéries do rude trabalho no campo. Andar socado com o sotaque carregado característico daquela região, porém, com humor de dar inveja.

Nos tornamos amigos e fomos almoçar juntos.

Durante o rango, contou-me que na sua terra, havia um pobre sitiante que vivia dos produtos que cultivava em seu pequeno pedaço de terra.

Aos sábados montava na carroça puxada pelo seu burrinho de estimação e andava algumas léguas até chegar a feira do arraial onde vendia os produtos.

Nessa sua sina, fazia parte um hábito que cumpria religiosamente

Todo o dinheiro que apurava na venda da feira, separava uma quantia e comprava seis velas de cera para acender aos santos que mantinha num oratório em sua casa com a sobra, tomava uma pinga caprichada.

Apesar da sua devoção fervorosa com seus santos, a vida só ia piorando.  As mercadorias escasseando e consequentemente as privações aumentando.

Certo dia, numa dessas idas ao arraial, durante a viagem foi pensando e uma revolta muito grande foi tomando conta da sua cabeça, pois rezava tanto e não obtinha nenhuma graça.

Revoltado tomou uma decisão.

Foi a feira apurou o que podia com a venda das coisas e mudou seu ritual, ao invés de comprar velas para os santos, comprou vários foguetes de vara, aqueles que explodem lá no alto e a varinha cai no chão, encheu a cara de pinga e foi pra casa muito zangado com a indiferença dos santos com suas preces.

Chegou, não cumprimentou a mulher e foi direto ao santuário. Pegou os santos amarrou na vara dos foguetes e acendeu. Os santos voaram amarrados aos foguetes e ele, revoltado gritou:

- LUGAR DE SANTO É NO CÉU!

15/06/2022

Pedro Parente


terça-feira, 14 de junho de 2022

OUVIDO DE MERCADOR

 OUVIDO DE MERCADOR

Nos anos sessenta na vetusta e charmosa cidade de São João del-Rei, vivíamos tempos românticos e inocentes. Todos se conheciam, abraçavam e se tratavam pelo nome e não pelo CPF.

Desta forma a harmonia imperava entre a comunidade como se estivéssemos em uma aldeia com seus costumes simples seguindo o ritmo do rio que corta a cidade.

No carnaval a cidade se modificava. Seu ar austero dava lugar à alegria dos blocos e escolas de samba que dado à sua exuberância atraia turistas de todos estados sendo considerado o melhor do interior do Brasil.

Natural que com esse perfil, surgissem grandes mestres e compositores. Entre esses havia meu inesquecível amigo Chacal.

Funcionário do Banco do Brasil, cumpridor de suas obrigações profissionais, depois do expediente, transformava-se. 

A Agência na qual exercia sua profissão era exatamente na rua da muvuca, a famosa “Esquina do Kibon”. Quando botava os pés na calçada já vinha de dedo levantado pedindo ao proprietário do Clever’s Bar uma dose caprichada da “marvada”.

Ali se inspirava para compor lindos sambas. Alguns para Escolas de Samba. Quando a inspiração era muita, levantava-se e sapateava na ponta dos pés.

Nesse clima todos se misturavam inclusive o gerente de um Banco muito discreto e muito amigo. Era quem nos socorria nas horas de aperto que eram muitas, sempre sobrava mês e faltava salário.

Nos emprestava através de Nota Promissória a ser resgatada em 30 dias com o aval de um companheiro. As vezes não tínhamos como quitar, o bom gerente aumentava o valor do empréstimo para que sobrasse algum troco.

Essa operação, ao documento chamava-se “letra”.

Certo dia o bom gerente encontrou-se conosco na esquina e dirigiu-se ao Chacal, discretamente falou ao seu ouvido:

- Sua “letra” venceu!

- Como? Nem sabia que ela estava competindo!

Ironicamente referiu-se a letra de alguns de sus sambas.

O riso foi geral!

14/06/2022

Pedro Parente