quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

tempos pretéritos

Tempos pretéritos.

Hoje resolvi sentar-me na “Pracinha”, como assim é tratada pelos moradores do Largo de São Francisco e rodar na minha memória, meu filme para trás.
Lá pelos idos de 1957 quando aqui vim pela primeira vez, encantei-me com a cidade.
Conto sempre a respeito da minha chegada.
A comissão de recepção não foi da mais acolhedora. Um individuo crédulo, temente a Deus, certamente teria renegado à acolhida e voltado a seu destino.
Fui recebido carinhosamente nada mais nada menos por “João Diabo”, “Judas” e “Demônio”.
Poderia me imaginar no portal do inferno, porém tornaram-se meus grandes amigos: “Judas” – Marco Antonio; “João Diabo” – o João Pedro e “Demônio” – Luis Antonio me acompanharam nesses anos em que aqui estou. Dos três, resta apenas o “Judas”, pois “Meirinho” há mais tempo e “Demônio” recentemente, para minha tristeza, já nos deixaram.
Chegávamos sempre do Rio, de madrugada.
No decorrer do tempo, tornou-se praxe eles nos esperarem na esquina do Kibon onde o bar que fica debaixo da casa do “Titita Besamat” e “Dª Guegué” permanecia aberto sem o menor problema, aliás, quando perguntávamos a ela D[ Gugué, a respeito do barulho vindo do bar, sempre respondia dizendo que se a tirassem dali para qualquer outro lugar, morreria.
Invariavelmente naquela hora da madrugada estavam também, Pedro Salomé, Téo, Eduardo Mafra, Natal, Serginho Raton e mais alguns que a memória me trai.
Ali continuávamos a confraternização até o dia amanhecer.
Após essa “concentração”, íamos nadar e jogar pelada na Cachoeira da Candonga. Lá para as tantas horas, almoçávamos e descansávamos a fim de nos prepararmos para a noite.
Explodíamos de energia e alegria.
Tempos muito felizes.
Ali na “Pracinha” meu filme rodando, até que a lente da câmera dos meus olhos deparou-se com o casarão da Dª. Aura Salomé, sim, pois quando cheguei Dr Matheus já havia falecido.
Tantas recordações daquela casa!
Até hoje representa um monumento à alegria.
Família muito numerosa, por felicidade, tornei-me logo amigo do Pedro e mantínhamos uma profunda empatia. Pessoa carismática, de vasta cultura e, sobretudo, amiga. Sua morte precoce causou-me grande tristeza.
Apresentou-me sua mãe Dª Aura de quem eu adquiri imediatamente a condição de “filho”.
O Pedro era da minha idade, e por isso meu companheiro de boêmia.
Num certo domingo de carnaval quando eu voltava da casa da namorada, aproximadamente às 23h, encontrei-o na esquina do Kibon.
Conversamos um pouco e me convidou para “tomar uma sem exemplo”, isso quer dizer: somente uma bebida.
Sentamo-nos à mesa do bar da esquina administrado por dois irmãos bons de serviço e começamos a prosear. Logo a roda foi crescendo. Joguinho de palitos, canja, pinga e cerveja.
Quando a prosa é boa a sensação é de que o relógio para e o tempo também.
Dessa feita parece que a prosa foi ótima, pois nos levantamos às 15 horas da segunda feira, perfeitamente lúcidos.
Alem da grande prole de Dª Aura, moravam ali no casarão, Dª Carolina e seu filho Arthur.
Arthur era mais velho e participava comigo e o Pedro das noitadas.
Arthur era uma figura singular de censo de humor refinado, não deixava ninguém sério à sua volta. Também já não está mais aqui, certamente está entre os bem aventurados fazendo-os rir.
Mais recentemente, Matheusinho, irmão do Pedro, pregou-me uma peça partindo prematuramente. Como todos da família, uma pessoa de caráter inflexível, amável e grande amigo.
Minha mesa está ficando vazia. Os risos e a alegria deram lugar à melancolia e a solidão. Minha esperança é reencontrá-los.
Aqui sentado olhando o casarão do Largo de São Francisco, meu filme volta aos tempos de Natal, carnaval e Semana Santa.
O movimento ali era intenso.
Tanta gente, principalmente jovem; tanto carinho; tanta felicidade; tanta alegria que parecia que aquele momento era eterno e que a marcha inexorável do tempo não o apagaria jamais.
Um grande engano.
Hoje o casarão do Largo de São Francisco com a porta fechada e seus janelões cerrados é um testemunho mudo daquilo que passou.
No meu devaneio, fitando-o, parece que me reconhece e sorri participando comigo desta viagem no tempo.
Conversando com o Cláudio, o mais novo dos filhos de Dª. Aura e dos últimos remanescentes, falou-me também de sua tristeza a respeito do casarão.
O casarão será sempre um monumento à alegria.

“Una Casa in Cima Al Mondo”.

 

Pedro Parente

pedroparentester@gmail.com







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