quinta-feira, 29 de junho de 2023

GLADIADORES

 GLADIADORES

Ariano Suassuna, intelectual e entre outros méritos, poeta, teatrólogo; autêntico sertanejo paraibano, autor da peça teatral “O Auto da Compadecida”, dizia que as personalidades que mais admirava eram a do doido e do mentiroso.

Temos alguma afinidade, pois gosto muito de ouvir histórias contadas por estes personagens. 

Foi assim que certo dia, a sombra de uma mangueira frondosa encontrei com um velho amigo e pegamos a prosear. 

Contou-me que havia aqui na simpática cidade de S. João del-Rei dois homens de musculatura possante de impor respeito a qualquer mortal, com um porém, eram desafetos, inimigos figadais. Não podiam se encontrar que era desavença na certa!

Numa manhã ensolarada de domingo a cidade amanheceu em festa, pois em cerimônia oficial o Prefeito da cidade iria inaugurar a pavimentação com bloquetes de concreto, a avenida principal. A “Furiosa” apelido da banda de música municipal, bandeirolas e som ambiente através de cornetas dependuradas nos postes de iluminação pública davam um ar festivo e alegre aquela efeméride.

O narrador do “causo” foi se empolgando com minha atenção que a veia do pescoço dele dilatou e as maçãs do rosto enrubesceram.

Aí aconteceu o inesperado encontro dos dois desafetos. A discussão foi aos berros, pareciam dois touros enfurecidos a disputar o comando da manada.

Um deles deu um soco de cima pra baixo no adversário com tanta violência que ao errar o alvo, socou um dos bloquetes tirando-o fora do lugar.

Fiz cara de espanto que provocou a alegria no semblante do “contador de causo” que não sei como classifico? 

MENTIROSO ou DOIDO. 

29/06/2023

Parente Pedro





quarta-feira, 28 de junho de 2023

TRAVESSIA

 TRAVESSIA

Era uma vez... final dos anos cinquenta no cais do porto em Belém.

Atracado ao cais, estava o “Pingas”, um barco de porte médio equipado com motor de centro Bolinder de 30HP fabricado na Suécia, pois a indústria naval brasileira apenas engatinhava.

Sua capacidade de carga era em torno de cinco toneladas. Estávamos carregados com latas de querosene de 20 litros e nosso destino era a cidade de Soure na Ilha de Marajó onde o querosene era uma fonte de energia com várias utilidades. Até geladeira funcionava com essa energia, lembro-me até da marca “Gelomatic”.

Nosso projeto era vender o querosene e voltar com produtos marajoaras a fim de vendê-los na feira do Ver-o-Peso em Belém.

A maré repontou, - fim da enchente e início da vazante quando o rio devolve suas águas rumo ao oceano, nessas condições facilitando nossa navegação a favor da correnteza.

Eram catorze horas. Soltamos as amarras com motor acionado a meia força, leme a bombordo rumo NE. 

No leme ou timão Feliciano homem de confiança do meu pai. Personalidade tranquila, voz calma mas impunha grande respeito a seus comandados, profundo conhecedor da navegação de correntezas, remansos, rebojos e de canais. Na “casa de máquinas” Talico homem miúdo, esperto que conhecia as manhas do motor que tratava com o carinho que se dedica a uma pessoa amiga.

O resto da tripulação era composta de caboclos fortes curtidos pelas intempéries próprias da região. Éramos oito ao todo.

Navegávamos tranquilamente. O tempo foi passando e a noite caindo com ela a escuridão e a confusão do lusco-fusco quando não se sabe se é dia ou noite.

É normal, nessa hora, o vento Geral. Muito forte que sopra do mar para o litoral e com isso as águas da baía se transformam e a superfície fica “mexida” com banzeiros em toda direção como se estivesse em ebulição.

As luzes de navegação foram acesas. Uma branca no topo do mastro, a esquerda (vermelha) bombordo e a direita (verde) boreste. Luz branca de popa com os devidos anteparos.

A navegação, de repente tornou-se perigosa! Notava-se no semblante daqueles homens destemidos muita preocupação.

Já havíamos deixado o farol da Ilha de Mosqueiro à popa e já avistávamos à proa o farol do povoado de Joanes quando alguém gritou:

- Homem ao mar!

Noite escura sem Lua, somente as estrelas testemunhavam o desespero de todos, mas Feliciano manteve a calma. Mandou desligar o motor, ordenou que todos fizessem em silêncio e deu um grito alto que foi respondido ao longe. Ligou o motor imediatamente e prumou para o rumo da resposta orientado pelo seu instinto de velho marinheiro.

Achamos o tripulante!

Numa cena emocionante vi aquele bravo homem rude de mãos calejadas e tez sulcada pelo Sol abraçar seu filho e copiosamente chorarem como crianças.

Corremos o risco com o barco carregado à deriva mas valeu a pena.

De volta numa viagem tranquila vendemos nossa carga no Ver-o-Peso e fomos comemorar com açaí e peixe frito.

Senhora dos Navegantes olhou por nós!

28/06/2023

Pedro Parente

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