quinta-feira, 4 de junho de 2020

LOTO ZOOLÓGICA

LOTO ZOOLÓGICA

O bar da Dª Ester era nossa catedral e ela nossa padroeira.
Naquele ambiente todos os dias era uma festa, algumas efêmeras outras duravam o dia inteiro, enquanto o bar permanecesse aberto.
Ali conheci um cidadão que me encantou à primeira vista.
Moreno escuro de carapinha branca faces sulcadas pelas marcas severas testemunhas das lutas da vida imposta aqueles menos aquinhoados pela sorte. Voz frágil pelo peso da idade, humilde, permanecia calado no seu canto e só respondia o que lhes perguntavam. Tinha muita dificuldade em caminhar, para ajudá-lo apoiava-se em duas muletas de madeira sob os braços. Aquilo o maltratava muito. Penalizados, nos cotizamos e lhes doamos uma cadeira de rodas. Retribui-nos com um tímido sorriso inibido pela falta de dentes.
Cravei no fundo do meu coração a imagem daquele homem como o símbolo da bondade e resignação. Nunca procurei saber se tinha virtudes e defeitos.
Para sua manutenção e despesas caseiras tornou-se “cambista” do inocente “jogo do bicho” escrevendo apostas aos que lhe procuravam.
Era praxe, principalmente aos sábados vários “cambistas” passarem no bar porque sabendo que eu e Dudu estávamos ali, uma apostinha sairia aumentando suas comissões.
Foi aí, num desses sábados, seu Juca como o chamávamos, estava lá sentadinho na sua cadeira de rodas esperando que os operários na hora do almoço fossem fazer sua fezinha jogando uma moedinha ou fração aventurando a sorte, entrou um policial fardado conhecido de todos nós e com a arrogância peculiar à maioria, humilhou aquela criatura.
- Não jogo na sua mão. Você não paga!
Aquilo nos revoltou. Levantei-me e para rebater a afronta do policial, enfiei a mão na carteira e tirei a maior cédula que tinha e entreguei ao seu Juca.
- Jogue 561 na cabeça!
O policial me olhou raivoso e saiu pisando duro. Nossa mesa comemorou.
A conversa continuou animada. Acompanhando o delicioso mocotó pinga e cerveja desciam uma após outra. Em seguida passou lá o “Bigode” cambista amigo que vinha de bar em bar recolhendo apostas do “bicho.”
Direto na nossa mesa.
O Dudu já era manjado, jogava sempre 047 e eu 561. Fizemos nossas apostas e subimos para o Centro. Paramos no Kibon e veio o “Jacaré” também cambista, e com ele apostamos.
Separei-me do Dudu, pois tinha compromisso com a pelada de sábado e fui jogar.
Após o jogo, no bar do Nonô Barbeiro, comemorávamos o resultado da pelada, não sei se vitória ou derrota, com um pernil assado rodeado dos “atletas”.
De repente parou um taxi. Todos voltaram a atenção para o carro. Lá de dentro salta o Dudu, vermelho empolgadíssimo com um jornal dobrado à mão, e aos berros:
- Pedrão estamos ricos! 561 na cabeça!
Receemos aquele monte de dinheiro. Aos cambistas demos um bom agrado. Seu Juca não queria receber. Insistimos e levou um “pacotinho” de grana.
Uns quinze dias passados estávamos eu e Dudu na nossa catedral comentando que estávamos duros. Onde iríamos arranjar um empréstimo?
Pela primeira vez seu Juca intrometeu-se na conversa:
- O dinheiro que vocês e deram está guardado pra vocês lá em casa!
Absolutamente!
04/06/2020
Pedro Parente



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