segunda-feira, 20 de julho de 2009

O SEXAGENÁRIO

O SEXAGENÁRIO



Fui mortalmente atingido por esta marca provecta. Numa reflexão, me dei conta de que no lugar dos sorrisos da minha face, surgiram sulcos provocados por uma já constante expressão sisuda decorrente de pensamentos mórbidos, de uma expectativa de vida cada dia menor. Não tenho mais o brilho nos olhos igual ao daqueles que amam a vida. Os braços cansados não têm a mesma força de outrora, quando praticava o remo de competição. Os passos titubeantes e claudicantes acusam o envelhecimento dos ossos do meu corpo e uma dolorosa artrose destrói meus joelhos. Muitas coisas que me causavam alegria hoje me aborrecem. As freqüentes gargalhadas deram lugar a um sem graça sorriso amarelo e as parcas lágrimas de outrora tornaram-se freqüentes.
Obeso, tornei-me alvo da ganância: o esteticista olha para mim e vê um cifrão; o cardiologista também e por último o dono da funerária. Faço parte do discriminado grupo dos gordos. Nessa idade em que os prazeres vão se tornando escassos, não devo e não posso me privar daquele que sempre coloquei à frente de quase todos, o prazer da boca, o prazer da mesa, do bom beber e do bom comer. Foi assim que adquiri meus 120 quilos e esta vasta barriga, que, segundo Seu Alain, é um “tesouro”. De fato, alguns milhares de calorias e de reais foram consumidos para cultivá-la. De bebida nem se fala, talvez uma piscina olímpica tenha sido ingerida nesses sessenta anos. “Quem envelhece é a matéria, o espírito continua jovem!”, exclamam alguns com ares de sabedoria. Quem gosta de espírito são os campos-santos, onde vivem os bem-aventurados. Eu vivo da matéria e se ela envelhece, eu feneço. Morrendo, nada mais me interessa, pois não verei mais minha família, meus filhos e os amigos que amo. Não verei mais as montanhas verdejantes desta terra, os rios serenos serpenteando mansamente entre seus vales, o sol brilhante das Minas Gerais, as chuvas generosas que encharcam a terra, revigorando a relva e o verde num espetáculo de renovação da vida que nos é oferecido por nossa mãe natureza e que, para muitos, passa despercebido.
Infelizmente, só vamos dar atenção à singeleza de uma flor, quando já não tivermos mais tempo para admirá-la. A competição pela sobrevivência na lida diária não nos permite parar para apreciar as perfeições, os fantásticos alvoreceres e crepúsculos à nossa volta. “Os desenganos vão conosco à frente e as ilusões vão ficando atrás”, dito pelo poeta que tem o dom de expressar com palavras aquilo que sentimos e não sabemos falar. Há muito não tenho mais de quem tomar benção. Meus ascendentes todos já se foram. Vou caminhando em meio a uma tempestade de raios sem ter abrigo. Volta e meia um companheiro de jornada é atingido. Mais recentemente meu inseparável amigo Salvador foi o alvo de um desses raios. Deixou uma lacuna profunda no meu coração. Pessoa de fino trato, educação esmerada, solícito. Pensar que não o verei mais me causa imenso pesar e não dou conta de evitar as lágrimas. Não sei se o Salvador havia combinado com o Remo, mas tudo faz crer que está havendo uma grande festa no céu, pois seu sepultamento foi exatamente no dia do aniversário do Artur. Ainda bem que o “Leréia” não me convidou.

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