MIQUIMBIRA
Naqueles tempos quando
o Leblon no Rio de Janeiro ainda era uma aldeia, nos conhecíamos pelo nome, e,
principalmente o apelido. Tudo muito pessoal e afetivo. Nada de CPF.
Era o final dos “Anos
Dourados” quando se exaltava o amor. As pessoas dançavam abraçadas, quando mais
comprometidas, de rosto colado. Namoro, só mãos dadas, uns beijinhos e quando
muito uns “amassos”.
Na esquina da Rua
Carlos Gois com Ataulfo de Paiva e está lá até hoje, o bar Cliper que era
considerado possuidor da melhor
serpentina para tirar o chope na medida certa de temperatura e colarinho. Era
comandado por laboriosos e amigos lusitanos.
Ali era o ponto de
encontro da rapaziada. Todos jovens, bronzeados e felizes. Havia um em especial
mais bronzeado que outros. Era negro, sestroso sempre mostrando a dentadura
perfeita com dentes alvos invejáveis. Baixinho, voz estridente, mas era a
simpatia personificada. Não nos deixava tristes em nenhum momento. Sempre
contando piadinhas e tirando sarro com a cara da moçada.
Numa tarde de domingo,
as famílias tinham o hábito de pegar seus carros Sinca, Gordini, DKW ou Fusca e
iam passear na Avenida Delfim Moreira à beira mar.
Erick jovem filho de
norueguês, olhos azuis, cabelo parafinado escorrido sobre os ombros, herdou do
carioca a molecagem saudável. Chamou o Miquimbrira e combinaram de fazer uma
cena na calçada da avenida beira mar.
Arrumaram um revólver
de espoleta, de brinquedo é claro. Combinaram de fingir uma discussão feroz e
no auge o Miquimbira puxaria o revólver e dava um tiro de espoleta no peito do
Erick que caia levando a mão no coração já vermelho de ketchup portado entre os
dedos num saquinho.
Naturalmente os carros
ao ver a cena, já diminuiriam a marcha na expectativa do que aconteceria.
Naquela época o povo era solidário.
O combinado era que
quando os carros parassem e por ventura alguém viesse em socorro do Erick ele
levantaria provando que se tratava de uma brincadeira.
Tudo acertado, todo
mundo para a praia. A turma ficou dispersa do outro lado para não dar na pista.
Começa a discussão. Os
carros diminuindo a velocidade até parar. O Miquimbira saca do revólver e
aperta o gatilho na direção do peito do Erick.
A espoleta estalou. O
Erick caiu já com o peito enlameado de ketchup de lado no chão.
O motorista do
automóvel mais perto, desceu na hora e pegou o Miquimbira pelo braço. O homem
era um bruto. Já deu logo um sopapo no negrinho que se explicou dizendo
tratar-se de uma brincadeira.
Só que o Erick de
molecagem continuou caído enquanto outros motoristas foram chegando e enchendo
o Miquimbira de socos e ponta pés.
Desesperado, Miquimba
gritava:
- Gringo, pelo amor de
Deus, levanta!
Já não aguentando
conter o riso, Erick levantou de repente e saiu correndo na contra mão.
Todos com cara de
bobos, aí o Miquimbira cresceu:
- Não falei que era
brincadeira?
A turma que a tudo
assistira voltou pro bar às gargalhadas para ouvir o Miquimbira xingar o Erick.
18/10/2018
Pedro Parente
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