quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

HISTÓRIAS DO GARIMPO

HISTÓRIAS DO GARIMPO Entre os pesadelos que me acompanham pela vida que levei sempre no fio da navalha, surgem algumas lembranças de fatos bizarros e às vezes nem tanto e que tento dividir com os amigos que me leem. Quando morava no lendário Edifício dos Jornalistas no Leblon no Rio na década de 60, eu fazia parte de uma turma gente boa. Um desses era meu amigo inseparável que chamava-se Nerthan. Companheiro fiel. Forte como um touro, paraibano macho de olhos azuis, descendente de barão. Muito solícito, gentil até a página dois. Por pouca coisa transformava-se num Miúra, aqueles das touradas de Madri. Convivendo com ele, ouvi sua história de vida. Formou-se em ciências contábeis que todos tratam como contador e resolveu correr mundo. Sumiu! A família preocupada, tentou encontra-lo, não tendo êxito, mandou rezar uma missa em sua intenção dando-o como morto. Ele, por sua vez, foi encarando qualquer tipo de trabalho, inclusive braçal, chegando a ser “chapa” de caminhão. Lá pras bandas do Mato Grosso, certa noite em uma birosca, misturado com motoristas e “calungas” segundo ele, apareceu um negrinho carioca que era motorista do caminhão de um garimpo pesado no meio da floresta. Nerthan entusiasmou-se em conhecer o garimpo Mal sabia a fria que estava entrando. O motorista ganhava uma gratificação do patrão por cada peão que conseguisse para o trabalho escravo na área de produção. Fez sua cabeça dizendo que poderia sair do garimpo milionário. Sentou-se na boleia ao lado do motorista e se socaram pelo meio da mata até o local da jazida. De cara Nerthan percebeu a arapuca em que se meteu. Um córrego a céu aberto centenas de garimpeiros bateando nas águas cristalinas em busca de diamantes. Nas encostas jagunços fortemente armados vigiavam a turma. Qualquer movimento suspeito de qualquer peão era averiguado, pois corria o risco de algum engolir uma preciosidade. Assim que o caminhão parou vieram três jagunços recebe-los. Levaram Nerthan ao capataz que lhe deu as ordens. - Aqui a produção é paga em dinheiro descontada a comida que nós fornecemos. Não tente besteira que daqui não sai ninguém vivo. Indicaram um barraco coberto de lona preta e a parede de bambu. Deram-lhe uma bateia e mandaram começar a trabalhar. Não tinha alternativa ou obedecia ou morria! Nerthan era feroz, mas não era burro, pelo contrário. Passou a tratar todos com respeito e observando a maneira de ser de cada um. Certo dia, o capataz chegou na barraca dum velho garimpeiro e lhe disse: - Seu Zé o senhor já tá velho e não produz nada, passe sua mulhé pra João que ele é novo e dá produção! - Faça isso não moço, trabalho o resto da vida de graça pro senhor, mas não me tire a mulhé! Arrancou a mulher e levou pro barraco do outro. No dia seguinte seu Zé amanheceu pendurando por um arame no pescoço. Era comum garimpeiro que achava coisa boa, pedir para ir embora. O capataz fazia questão de pagar na frente de todos, porém como só tinha uma saída no meio da mata, matavam o peão e traziam o dinheiro de volta. Nerthan sabia que sair dali só tinha um jeito, o caminhão. Então passou a conversar mais com o motorista e aproximou o cearense para sua companhia formando assim uma trinca. Passaram a ser confidentes! Elaboraram um plano. Espalharam no garimpo que estava atacando uma peste que se batesse ali naquela multidão não sobraria ninguém, pois era altamente contagiosa. Quando a notícia já estava bastante divulgada e os homens temerosos, os três começaram a observar uma hora oportuna para fazer uma encenação. Chegou o dono do garimpo. Os puxa-sacos logo correram para perto dele ficando os três em espaço limpo. Eles se entreolharam e o cearense caiu se debatendo no meio do barro. Os capangas correram junto com o feitor pra ver o que estava acontecendo. Nerthan gritou: - Não cheguem perto. Pode ser essa doença que anda rondando o garimpo e que acaba com a gente! O capataz pra fazer bonito: - Levem essa desgraça daqui! Manda o médico examinar! O motorista falou que ia levar o Nerthan para ajudá-lo. Montaram no caminhão, passaram o povoado até acabar o combustível. Largaram o caminhão e sumiram no mundo! Depois de alguns dias Nerthan conseguiu chegar na terra de sua mãe. Após anos ligou pra ela: - Mãe? É Nerthan! - Venha pra casa! Austeridade própria do nordestino 09/12/2020 Pedro Parente Entre os pesadelos que me acompanham pela vida que levei sempre no fio da navalha, surgem algumas lembranças de fatos bizarros e às vezes nem tanto e que tento dividir com os amigos que me leem. Quando morava no lendário Edifício dos Jornalistas no Leblon no Rio na década de 60, eu fazia parte de uma turma gente boa. Um desses era meu amigo inseparável que chamava-se Nerthan. Companheiro fiel. Forte como um touro, paraibano macho de olhos azuis, descendente de barão. Muito solícito, gentil até a página dois. Por pouca coisa transformava-se num Miúra, aqueles das touradas de Madri. Convivendo com ele, ouvi sua história de vida. Formou-se em ciências contábeis que todos tratam como contador e resolveu correr mundo. Sumiu! A família preocupada, tentou encontra-lo, não tendo êxito, mandou rezar uma missa em sua intenção dando-o como morto. Ele, por sua vez, foi encarando qualquer tipo de trabalho, inclusive braçal, chegando a ser “chapa” de caminhão. Lá pras bandas do Mato Grosso, certa noite em uma birosca, misturado com motoristas e “calungas” segundo ele, apareceu um negrinho carioca que era motorista do caminhão de um garimpo pesado no meio da floresta. Nerthan entusiasmou-se em conhecer o garimpo Mal sabia a fria que estava entrando. O motorista ganhava uma gratificação do patrão por cada peão que conseguisse para o trabalho escravo na área de produção. Fez sua cabeça dizendo que poderia sair do garimpo milionário. Sentou-se na boleia ao lado do motorista e se socaram pelo meio da mata até o local da jazida. De cara Nerthan percebeu a arapuca em que se meteu. Um córrego a céu aberto centenas de garimpeiros bateando nas águas cristalinas em busca de diamantes. Nas encostas jagunços fortemente armados vigiavam a turma. Qualquer movimento suspeito de qualquer peão era averiguado, pois corria o risco de algum engolir uma preciosidade. Assim que o caminhão parou vieram três jagunços recebe-los. Levaram Nerthan ao capataz que lhe deu as ordens. - Aqui a produção é paga em dinheiro descontada a comida que nós fornecemos. Não tente besteira que daqui não sai ninguém vivo. Indicaram um barraco coberto de lona preta e a parede de bambu. Deram-lhe uma bateia e mandaram começar a trabalhar. Não tinha alternativa ou obedecia ou morria! Nerthan era feroz, mas não era burro, pelo contrário. Passou a tratar todos com respeito e observando a maneira de ser de cada um. Certo dia, o capataz chegou na barraca dum velho garimpeiro e lhe disse: - Seu Zé o senhor já tá velho e não produz nada, passe sua mulhé pra João que ele é novo e dá produção! - Faça isso não moço, trabalho o resto da vida de graça pro senhor, mas não me tire a mulhé! Arrancou a mulher e levou pro barraco do outro. No dia seguinte seu Zé amanheceu pendurando por um arame no pescoço. Era comum garimpeiro que achava coisa boa, pedir para ir embora. O capataz fazia questão de pagar na frente de todos, porém como só tinha uma saída no meio da mata, matavam o peão e traziam o dinheiro de volta. Nerthan sabia que sair dali só tinha um jeito, o caminhão. Então passou a conversar mais com o motorista e aproximou o cearense para sua companhia formando assim uma trinca. Passaram a ser confidentes! Elaboraram um plano. Espalharam no garimpo que estava atacando uma peste que se batesse ali naquela multidão não sobraria ninguém, pois era altamente contagiosa. Quando a notícia já estava bastante divulgada e os homens temerosos, os três começaram a observar uma hora oportuna para fazer uma encenação. Chegou o dono do garimpo. Os puxa-sacos logo correram para perto dele ficando os três em espaço limpo. Eles se entreolharam e o cearense caiu se debatendo no meio do barro. Os capangas correram junto com o feitor pra ver o que estava acontecendo. Nerthan gritou: - Não cheguem perto. Pode ser essa doença que anda rondando o garimpo e que acaba com a gente! O capataz pra fazer bonito: - Levem essa desgraça daqui! Manda o médico examinar! O motorista falou que ia levar o Nerthan para ajudá-lo. Montaram no caminhão, passaram o povoado até acabar o combustível. Largaram o caminhão e sumiram no mundo! Depois de alguns dias Nerthan conseguiu chegar na terra de sua mãe. Após anos ligou pra ela: - Mãe? É Nerthan! - Venha pra casa! Austeridade própria do nordestino 09/12/2020 Pedro Parente

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