TRAVESSIA
Era uma vez... final dos anos cinquenta no cais do porto em Belém.
Atracado ao cais, estava o “Pingas”, um barco de porte médio equipado com motor de centro Bolinder de 30HP fabricado na Suécia, pois a indústria naval brasileira apenas engatinhava.
Sua capacidade de carga era em torno de cinco toneladas. Estávamos carregados com latas de querosene de 20 litros e nosso destino era a cidade de Soure na Ilha de Marajó onde o querosene era uma fonte de energia com várias utilidades. Até geladeira funcionava com essa energia, lembro-me até da marca “Gelomatic”.
Nosso projeto era vender o querosene e voltar com produtos marajoaras a fim de vendê-los na feira do Ver-o-Peso em Belém.
A maré repontou, - fim da enchente e início da vazante quando o rio devolve suas águas rumo ao oceano, nessas condições facilitando nossa navegação a favor da correnteza.
Eram catorze horas. Soltamos as amarras com motor acionado a meia força, leme a bombordo rumo NE.
No leme ou timão Feliciano homem de confiança do meu pai. Personalidade tranquila, voz calma mas impunha grande respeito a seus comandados, profundo conhecedor da navegação de correntezas, remansos, rebojos e de canais. Na “casa de máquinas” Talico homem miúdo, esperto que conhecia as manhas do motor que tratava com o carinho que se dedica a uma pessoa amiga.
O resto da tripulação era composta de caboclos fortes curtidos pelas intempéries próprias da região. Éramos oito ao todo.
Navegávamos tranquilamente. O tempo foi passando e a noite caindo com ela a escuridão e a confusão do lusco-fusco quando não se sabe se é dia ou noite.
É normal, nessa hora, o vento Geral. Muito forte que sopra do mar para o litoral e com isso as águas da baía se transformam e a superfície fica “mexida” com banzeiros em toda direção como se estivesse em ebulição.
As luzes de navegação foram acesas. Uma branca no topo do mastro, a esquerda (vermelha) bombordo e a direita (verde) boreste. Luz branca de popa com os devidos anteparos.
A navegação, de repente tornou-se perigosa! Notava-se no semblante daqueles homens destemidos muita preocupação.
Já havíamos deixado o farol da Ilha de Mosqueiro à popa e já avistávamos à proa o farol do povoado de Joanes quando alguém gritou:
- Homem ao mar!
Noite escura sem Lua, somente as estrelas testemunhavam o desespero de todos, mas Feliciano manteve a calma. Mandou desligar o motor, ordenou que todos fizessem em silêncio e deu um grito alto que foi respondido ao longe. Ligou o motor imediatamente e prumou para o rumo da resposta orientado pelo seu instinto de velho marinheiro.
Achamos o tripulante!
Numa cena emocionante vi aquele bravo homem rude de mãos calejadas e tez sulcada pelo Sol abraçar seu filho e copiosamente chorarem como crianças.
Corremos o risco com o barco carregado à deriva mas valeu a pena.
De volta numa viagem tranquila vendemos nossa carga no Ver-o-Peso e fomos comemorar com açaí e peixe frito.
Senhora dos Navegantes olhou por nós!
28/06/2023
Pedro Parente
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