SALVITO
Quando cheguei a São João
del-Rei, não imaginava encontrar tanta gente boa, alegre e feliz. Na força dos
meus trinta anos, não foi difícil me adaptar. Comecei a frequentar a esquina do
Kibon onde a moçada se reunia.
Ali encontrei joias raras.
Um destaque especial para meu amigo SALVITO.
Espanhol de Salamanca,
Espanha, me chamou atenção por sua educação refinada e sua alma generosa. Nos
tornamos irmãos pela recíproca empatia. Adorava sua companhia, nas minhas festas
e empreitadas ousadas ele era o primeiro a ser chamado. Nunca obtive um não.
Contou-me que ao chegar
ao Brasil com 8 anos de idade pelas mãos de seu pai, ao subirem a serra de
Petrópolis rumo a São João, seu pai entusiasmou-se com as bananas ouro vendidas
em profusão naquele local. Parou o carro e juntos detonaram um cacho inteiro.
Bem verdade que as bananas são pequenas e o cacho também.
Vivíamos um tempo de bonança.
Quando terminava o mês, sobrava dinheiro. Hoje sobra mês e falta dinheiro.
Aproveitando a fase, o lazer
era fundamental, de modo que surgiam entretenimentos de toda forma e todos os
dias.
Tínhamos uma pelada
tradicional no sábado a tarde no campo do Siderúrgica na vila Santa Terezinha,
pretexto para a festa após o jogo, quando Nonato nos levava até sua casa para
saborearmos os quitutes de sua esposa Dª Clarisse pessoa afável e generosa. O
Miltinho representante da Skol gostava, pois reservava em sua câmara frigorífica
um barrilzinho de chope com 30 litros e nos cedia a bomba para servirmos.
As pescarias tornaram-se
corriqueiras a ponto de compramos um ônibus usado. Juntamos com mais dez
amigos. O Guilherminho tirou alguns bancos do “grisu”, colocamos um freezer, as
traias e os instrumentos musicais. Da turma fazia parte “nossa orquestra”: Asa
Quebrada, Nô Carbajal, Murilo Capacete e Dadá.
De motorista levamos o
Waldemar, profissional que puxava gasolina para o Posto do Pedrão. Levava o
ofício a sério e não bebia. Para ele um suplício, vendo a turma enchendo a cara
e ele de cara limpa.
Salvito ia sentado no
primeiro banco ao lado do motorista e quando cruzávamos com outro caminhão,
levava a mão na boca num gesto tradicional da comunicação entre profissionais
do volante que significa “beleza” “trânsito limpo”.
Uma graça!
Passamos uma semana em
São Romão. Não pescamos nada, porém, o dono da vendinha ficou boquiaberto com a
quantidade de garrafões de pinga vendidos.
Ora éramos a seleção
brasileira de consumo do precioso líquido. Uns mais outros menos, porém, os
mais, sai de baixo: Hélio Barreto, Bolão, Dadá, Nô Carbajal, Asa Quebrada.
Salvito, Claro, eu,
Guilherminho, Umberto, Erick, Vitorino, Judas, Rubinho, Zé Vitorino, Capacete,
Cafezinho éramos mais moderados, alguns dando preferência à cerveja que também
serviu para desovar o resto do estoque do moço da venda.
O Erick, na nossa para em
Pirapora, contratou uma moça para servir de cozinheira na nossa estada. Chamava-se
Rosa. Foi muito prestativa manteve a casa asseada e a cozinha em ordem. De
origem muito pobre, ao retornarmos, fomos deixa-la em sua casa.
Um lugar na periferia no
limite da extrema pobreza.
Encontramos seus velhos
pais emocionados, às lágrimas, pois não sabiam de seu paradeiro.
Voltávamos com um estoque
substancial de alimentos que haviam sobrado pelo exagero das compras.
Descarregamos tudo ali
para aquela família.
Embarcamos no ônibus!
Silêncio sepulcral!
Ouvia-se apenas o som do
nariz aspirando o líquido da mucosa produzido por quem chora. Aquele bando de
homens emocionado.
Por instantes nosso trajeto
transformou-se em séquito silencioso e constrangido.
Mais uma lição que a vida
nos impôs!
Nossa rotina continuou
até que a vida em seus desígnios, nos foi envelhecendo e a alegria diária foi
dando lugar a fisionomia carrancuda de sobrancelhas crispadas reflexo de
problemas oriundos de emaranhados das teias que nós mesmos tecemos.
Salvito dividia comigo confidências
e muitas vezes eivadas de tristeza. Era uma pessoa reservada e evitava
transmitir suas tristezas aos amigos, porém em determinado momento ia até as
lágrimas lembrando-se de sua mãe.
Construiu sua família
deixando um retrato seu, de sua bondade e simpatia na filha Manuela que tenho a
felicidade de ser seu amigo.
Precocemente, certo dia, recebi
um telefonema do Judas aos prantos, comunicando que ele havia falecido.
Naquele momento fiquei sem
chão! Aquele com quem dividi meus momentos de euforia havia me deixado! Foi
como um punhal no meu coração. Dali para a frente, a Cantina onde nos reuníamos,
passou a ser um mausoléu.
Espero encontra-lo
brevemente num jardim florido com uma grande mesa sentados à seu lado muitos
amigos que também já se foram. Aí minha tristeza recôndita dará lugar a uma alegria
esfuziante.
27/10/2020
PedroParente
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