quinta-feira, 18 de abril de 2024

Dª CELUTA

 Dª CELUTA.

Tornou-se tradição aos sábados à tarde nossa pelada entre atletas de final de semana, para essa prática, escolhemos um campinho à margem direita do Córrego da Água Limpa no bairro operário da Vila Santa Terezinha em São João del-Rei.

O campinho pertencia ao Siderúrgica Futebol Clube que o administrava precariamente com recursos de alguns abnegados. Muita dificuldade, tanta que era cercado apenas com arame farpado e a grama aparada pelo apetite dos vorazes pangarés de carroceiros associados.

Com o incentivo das peladas os vizinhos começaram a participar da torcida e também dos times escolhidos ali na hora. O movimento foi aumentando a ponto de vender chupe-chupe geladinho para a torcida o que já era um avanço.

Não existia vestiário, trocávamos de roupa debaixo de uma árvore de cedrinho sob olhares furtivos de algumas moças mais audaciosas. 

Após o jogo, suados, pulávamos todos no córrego que já naquela época, tinha cheiro de querosene vindo canalizado de um posto de gasolina na redondeza resultado da lavação de autos com produtos químicos

Certo dia um problema parou o jogo. 

A bola caiu no telhado da Dona Celuta moradora que fazia divisa com o campo. Ela prendeu a bola e xingou a todos nós ostensivamente. Alguns mais revoltados devolveram as agressões com palavrório rasteiro e aí tive que intervir.

- Calma!

Me dirigi até aquela velhinha negra com as faces sulcadas pelas intempéries de muitos anos vividos e ouvi suas queixas.

Convidou para que entrasse em sua minúscula casinha de dois cômodos. Uma sala de chão batido com um fogão de lenha, um catre e um espaço exíguo do banheiro com vaso sanitário. O banho que tomava era com água tirada manualmente do córrego e não tinha luz elétrica. A iluminação era feita por lamparina. 

Protegemos a casinha dela com alambrado de arame após recompormos o telhado, evitando que a bola não mais quebrasse suas telhas. 

Instalamos água encanada e luz elétrica vinda de nosso Padrão para não onerar a pobre senhora.

Certo dia, quando sentado em uma cadeira na pista do Posto de Gasolina conversando com meu amigo Kito, surge Dª Celuta com seu andar socado, com vestidinho de chita e um belo embrulho nas mãos adornados com um grande laço de fita dourado. Trêmula, entregou meu presente de Natal.

O melhor da minha vida!

Uma bela camisa social que guardei anos a fio como troféu por ter participado de um momento de alegria daquele doce e grata criatura, invisível aos olhos dos poderosos.

01/03/2021

Pedro Parente.





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