domingo, 21 de abril de 2024

oito decadas

 OITO DÉCADAS

Após caminhar pela vida durante oito décadas, entre as mudanças que o mundo passou e especialmente nosso país, uma delas me tocou mais profundamente, a educação introduzida em nossas crianças pelos invasores, dito “civilizados”.

Nas salas de aulas ministradas às crianças imperava o medo e os castigos impostos eram severos demais. Se um desses inocentes fizesse uma inocente travessura a professora o colocava de joelhos em cima de grãos de milho. Era comum quebrar sua régua na cabeça do aluno.

Em casa, muitos pais inclusive os meus, exageravam no castigo. Lembro-me bem éramos cinco irmãos, todos homens. Algumas vezes, papai chegava em casa após um dia exaustivo de trabalho minha mãe fazia queixa de travessuras em sua ausência. 

Era um suplício. 

Papai ordenava com raiva:

- Busca a escova!

Tratava-se de uma escova de madeira para tirar poeira das roupas de casimira, feitas de madeira e pelos. Servia como palmatória. Dependendo da traquinice começava com seis “bolos” na palma das mãos, caso tentasse, obedecendo nosso instinto natural de defesa tirar a mão o castigo dobrava ao invés de meia dúzia passava para uma dúzia. 

Na inocência do pensamento de criança, achava que meu pai estava cumprindo um ritual imposto pelos bons costumes e se não o fizesse não iria para o céu.

Isso fazia parte da cultura dos “civilizados” que aqui chegaram substituindo a cultura indígena que tem o maior respeito pelas crianças.

Contam que numa aldeia indígena a beira do rio uma índia e seu filhote ali estavam usando tabatinga fazendo utensílios de cozinha. A mãe fazia e o curumim quebrava. A mãe fazia novamente e a criança quebrava. Um cara-pálida que observava perguntou por que a mãe não o impedia e ela simplesmente respondeu:

- Uma hora ele cansa!

Quando minha geração se tornou adulta aboliu o castigo severo e passou a respeitar mais as crianças não batendo e nem as sacrificando. 

Acho que exageramos e veio a permissividade produzindo Woodstock.

Apesar das surras que levei levo comigo o remorso de não ter beijado mais minha mãe e abraçado mais meu pai.

21/04/2024

Pedro Parente




Nenhum comentário: