quarta-feira, 15 de junho de 2022

SACRILÉGIO

 SACRILÉGIO

Quando trabalhei numa fábrica de tecidos fizemos compra de algodão em rama diretamente do produtor no sul da Bahia. Algodão de boa qualidade, fibra longa.

Acho que eram 100 toneladas acondicionados em fardos de aproximadamente 200 kg. A carga representava uma quantia elevada tanto que o produtor veio junto.

Chamava-se Rosalvo, vermelho de cara larga sulcada pelas intempéries do rude trabalho no campo. Andar socado com o sotaque carregado característico daquela região, porém, com humor de dar inveja.

Nos tornamos amigos e fomos almoçar juntos.

Durante o rango, contou-me que na sua terra, havia um pobre sitiante que vivia dos produtos que cultivava em seu pequeno pedaço de terra.

Aos sábados montava na carroça puxada pelo seu burrinho de estimação e andava algumas léguas até chegar a feira do arraial onde vendia os produtos.

Nessa sua sina, fazia parte um hábito que cumpria religiosamente

Todo o dinheiro que apurava na venda da feira, separava uma quantia e comprava seis velas de cera para acender aos santos que mantinha num oratório em sua casa com a sobra, tomava uma pinga caprichada.

Apesar da sua devoção fervorosa com seus santos, a vida só ia piorando.  As mercadorias escasseando e consequentemente as privações aumentando.

Certo dia, numa dessas idas ao arraial, durante a viagem foi pensando e uma revolta muito grande foi tomando conta da sua cabeça, pois rezava tanto e não obtinha nenhuma graça.

Revoltado tomou uma decisão.

Foi a feira apurou o que podia com a venda das coisas e mudou seu ritual, ao invés de comprar velas para os santos, comprou vários foguetes de vara, aqueles que explodem lá no alto e a varinha cai no chão, encheu a cara de pinga e foi pra casa muito zangado com a indiferença dos santos com suas preces.

Chegou, não cumprimentou a mulher e foi direto ao santuário. Pegou os santos amarrou na vara dos foguetes e acendeu. Os santos voaram amarrados aos foguetes e ele, revoltado gritou:

- LUGAR DE SANTO É NO CÉU!

15/06/2022

Pedro Parente


Nenhum comentário: