segunda-feira, 8 de março de 2021

A LIDA DIÁRIA.

 


A LIDA DIÁRIA

Acabei de tomar café, cedo para aproveitar meu dia de férias na ilha de Mosqueiro no Pará, uma colônia de pescadores onde nos integrávamos, pelo menos durante quatro meses nas férias escolares.

Soprava uma brisa fresca das bandas do poente, meia maré vazante, do alto do barranco avistei Adamor, Crisóstomo e Chico três intrépidos pescadores com as peles embrutecidas pela lida do dia a dia, enfrentando aquele marzão de água doce, arrastando sua canoa de falcas altas e por isso mesmo pesada, com destino à água.

O objetivo era buscar o peixe, alimento para suas famílias. Iam despescar o espinhel feito de várias cabaças de flutuação, uma corda de bacalhau onde eram amarrados vários anzóis iscados. Nas pontas, duas âncoras.

Deixavam de um dia para o outro. Quando eram felizes na pesca, tiravam o alimento da família e o restante era vendido aos ilhéus e veranistas. 

Para comunicar que tinha peixe para venda, usavam um pequeno chifre de boi com um furo onde sopravam ecoando um som alto e rouco pela ilha a fora.

Todos corriam para pegar a melhor parte. Para o final já não prestava, normalmente só a carcaça e a cabeça que serviam para sopa.

A vazante acabou, fenômeno que ocorre de 6 em 6 horas com 8 minutos de baixa mar e 8 minutos de preamar, começou a enchente quando a água corre do mar para dentro do rio. Nessa hora virou o vento Geral vindo do Leste com grande violência. 

O mar tornou-se perigoso demais.

A tarde foi se acabando dando lugar às sombras lúgubres da noite. 

As famílias dos pescadores começaram a chegar cheias de preocupação com o destino deles.

A noite caiu por inteiro. Nem sinal da embarcação.

O desespero tomou conta das famílias. Colocaram velas dentro de cuias e lançaram ao mar. Diziam que quando a cuia parasse na superfície da correnteza, ali em baixo no fundo da baia estava o corpo de um náufrago.

Nada aconteceu. As mães levando suas crianças pelas mãos não sabiam o que responder à pergunta inquietante delas:

- Cadê papai?

A Praia Grande chorou! A buzina do peixe silenciou!

Nunca mais soube-se do paradeiro de nossos queridos amigos.

Guardo suas imagens numa pelada disputada na areia da praia. É a maneira carinhosa que encontrei de jamais esquecê-los.

08/03/2021

Pedro Parente.




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