REVERÊNCIA
Sou do tempo que o respeito era cultivado e ensinado pelos mais velhos. Qualquer autoridade era reverenciada desde o soldado até o general, por incrível que pareça.
Morei ao lado da 5ª CIA DE GUARDA do Exército Brasileiro no Largo da Sé em Belém e por isso mesmo fui sendo contagiado pelo sentimento patriótico de amor ao Brasil.
Em dias de gala aquele agrupamento militar formava consumindo o espaço em frente a minha casa. Todos com os uniformes impecáveis.
À frente da Banda Marcial desfilava um garboso carneiro cheio de lã, sem aparar, imagino o calor daquele animal!
Menino, me envaidecia e tinha orgulho do meu Brasil!
Quando rompia em marcha sob os acordes dos instrumentos musicais no compasso a tropa marcava com os pés o ritmo do dobrado puxado pelos instrumentos de sopro.
Quando passava a bandeira nacional todos faziam gestos de ufanismo e respeito.
Apesar do francês Charles de Gaulle afirmar que não, nós brasileiros tínhamos a convicção de que nosso Brasil era um país sério.
Que vemos hoje?
O Brasil comandado por uma quadrilha cujo chefe é oriundo das Forças Armadas.
O avião presidencial serve ao tráfico de cocaína na comitiva oficial do Presidente da República e dentre mais de mil escândalos o mais recente é que a ordem para matar Mariela partiu do Palácio do Planalto.
Aquele menino que hoje é um velho de 81 anos assiste com lágrimas nos olhos e um punhal no coração a desmoralização do país e suas instituições.
Não temos a quem recorrer!
Abandonados e sem rumo, completamente à deriva, assistimos o país ser saqueado não só por estrangeiros, mas, também por maus brasileiros que deveriam estar encarcerados na mais profunda masmorra.
Oscar Niemayer que projetou Brasília teria dito que se soubesse que Brasília se transformasse no que é hoje, não a teria projetado em forma de avião e sim em forma de camburão (apelido dado à viatura que transporta ladrões e todo tipo de bandido).
08/04/2022
Pedro Parente
CANDINHO
Desde
a mais tenra idade, com poucos meses de nascido, mamãe me levava em seus braços
e me banhava nas águas mornas da baía de Santo Antônio, na ilha de Mosqueiro,
no estuário do rio Amazonas.
Papai,
a conselho médico, comprara aquela pequena propriedade defronte à Praia Grande,
como terapia coadjuvante no tratamento de uma doença tropical chamada beribéri
que se apoderou de meu irmão.
Felizmente,
meu irmão sarou e tornou-se um jovem saudável.
Aquela
ilha bucólica, pela minha ótica, é o paraíso - não fossem algumas tristes
recordações que, creio, existem até no reino de Deus.
De
As
Comigo
Tínhamos
Não, a
Sua
Seu
Num
Ainda
DUAS
HISTORINHAS
Há alguns dias, estávamos
sentados à mesa em nosso já tradicional foro de debates, na Confeitaria da
Vovó, e da conversa participavam Judas, Demônio, Gafanha e nosso glorioso
Miguelzinho, que se crescesse alguns centímetros, talvez alcançasse a estatura
de um metro.
Contam
que o Miguelzinho fora um habilidoso ponta direita do Athletic, tendo jogado
também em outras equipes de renome
O
***
—
Vou ver se encontro algum conhecido para me dar notícias frescas de São João! –
pensou.
Assim
fez. Chegando naquele estabelecimento bancário, deparou com longas filas, o que
é comum em se tratando de uma segunda-feira. Procurou, procurou até que
descobriu uma cara conhecida. De alma nova, cheio de ânimo, dirigiu-se àquele
cidadão que pacientemente aguardava sua vez em frente ao caixa. Num gesto
amigo, bateu no ombro do rapaz e falou:
—
Que bom te encontrar! Como vai São João?
—
São João? – perguntou o rapaz.
—
É, sô! São João del-Rei, nossa terra – insistiu Álvaro.
—
Não, nunca estive
—
Uai, de onde então eu te conheço?
—
Sou teu companheiro de quarto na república do Largo do Arouche.
(Fecha
o pano, correndo!)
O
Fui
Obeso,
tornei-me
Infelizmente,
ACONCHEGANTE (NÃO
TERMINOU)
Sábado
chuvoso
Protegidos
pelo
O
ADEUS,
DINHO
Envelhecer,
além de aborrecimentos corriqueiros como não saber onde esqueci os óculos de
grau, é não saber quanto tempo ainda viverei. Dessa forma, maiores serão minhas
tristezas e perdas. Um tributo caro pela longevidade. Assim, num 12 de dezembro
que eu não gostaria de ter vivenciado, perdi meu amigo Dinho das Rosas.
Com
o Dinho era diferente. Ali, naquele cômodo apertado e modesto, me sentia
protegido. Só em vê-lo, me alegrava. Aquela figura simples e carismática,
buscando dar conforto a todas as pessoas aflitas que o procuravam. Com sua
caneta traçou várias estrelas no papel e concluiu que minhas linhas do destino
haviam sido fechadas.
Certo
dia, após meus insucessos financeiros, perguntou-me por que não busquei ajuda
antes. Disse-lhe que ninguém era responsável pelos meus fracassos. Mandou-me
orar todas as manhãs para São Marcos. Expliquei-lhe, então, que minha fé era
quase nada. Ele, então, me disse:
—
Todas as noites eu rezo por você!
Fiquei
emocionado, pois além de minha mãe, já falecida, a única pessoa que rezava por
mim — que não deixa de ser uma forma de grande carinho e preocupação — foi-se
embora.
Mais uma grande perda para mim e
para todas aquelas pessoas carentes. Hoje, somos todos órfãos.
Superando
todos os “ses” (se existe céu e inferno? se existe alma?), certamente existirá
Deus e tenho a convicção de que fui amigo de um de seus emissários.
Descansa
em paz, Dinho, leva contigo o afeto e a admiração de todos nós. Nossa cidade
está mais triste.
ADEUS, ROBERTO
Quinta-feira
Assim
foi
Depois
mudou de
Quantos,
—
O
Imagine
se
Roberto
ficou agradecido
Nossa
Uma
Neste
À
Descansa
AMOR E AFETO
Sem
amor e afeto, ninguém é feliz. Sou uma das pessoas privilegiadas por ser
retribuído com amor e afeto pela pessoa que amo. Aos sessenta anos, cansado,
deformado pela obesidade, não posso ter a ilusão de que ainda posso agradar
alguém ou despertar amor e afeto em outra pessoa. Porém, acreditem, apesar de
todas as negativas contra mim, mesmo assim, ainda gozo de certos prazeres que
muitos homens próximos da terceira idade não têm. Na singeleza da casa em que
vivo, rodeada de árvores frutíferas, os passarinhos fazem sua festa e seus ninhos
no sótão inacabado e retribuem a pousada, me despertando com os mais diversos
chilreados e trinados que formam uma bela e alegre sinfonia. Dois pachorrentos
vira-latas montam guarda na soleira de minha porta.
Nesse
bucólico ambiente, às vezes, me afasto de casa, por puro masoquismo, só para
ser recompensado com a recepção no retorno. À porta, de olhos vivos e
excitados, recebo um carinhoso beijo e um meigo abraço. Suas mãos de seda
acariciam minha barba. Caminhamos para a cozinha, conversamos, brincamos e
jantamos. Subimos às escadas, onde nossa cama de casal nos espera. Após
fazermos nossa higiene e trocar nossos pijamas, finalmente, na nossa cama de
casal, deitamo-nos. Abraçados, ouço sua voz:
—
Boa noite, papai! Durma com Deus!
É
meu filho Pedro, de sete anos.
Recompensado,
durmo, o
ALERTA MÁXIMO
Li,
O
governo que aí está - não satisfeito em aviltar e depreciar nossos bens
públicos e depois presenteá-los a especuladores internacionais a troco de
verdadeiras bagatelas, como a Companhia Vale do Rio Doce vendida por US$ 3
bilhões - aproveitou a distração propocionada pela redes de televisão com a
exibição daqueles jogos de guerra ao vivo em Cabul, para, sorrateiramente,
entregar um pedaço de nosso território aos americanos do norte.
Situada
estrategicamente no
Existe
um fato macabro que aterroriza o mundo. Durante o período da guerra fria,
cientistas russos desenvolveram aproximadamente 50 bombas atômicas portáteis.
Cada uma cabe em uma maleta do tipo executivo. Quando acionadas, é impossível
desarmá-las e reverter seu comando. Boris Yeltsin, quando no governo, mandou
conferir os estoques. Conclusão: apuraram a falta de nada menos do que 28
bombas atômicas, desviadas graças à corrupção e suborno.
Osama
Bin Laden,
Resta-nos
A BANDALHEIRA
A
reclamação da turma era que durante o carnaval, não se conhecia ninguém na
esquina do Kibon. A cidade era invadida por uma verdadeira turba de turistas,
daqueles indesejáveis: “Me dá um gole da tua cerveja!”, “Me dá um cigarro!”,
“Deixa eu tomar banho na tua casa!” era o que se
ouvia de mais comum. A cidade virava um verdadeiro mictório, exalando um cheiro
insuportável de amônia, e os cabeludos batendo nas latas vazias de cerveja,
gritando em uníssono: “Galo! Galo! Galo!”
Quem
visse aquele quarteirão do Kibon naquele período não reconheceria São João.
Na
Cantina do Ítalo, na “mesa zero”, entre os debates sobre os destinos da nação e
o que o Arthur Nogueira deveria beber, decidiram os
É
claro que estou generalizando, pois até hoje ainda é muito gratificante
reencontrar os são-joanenses ausentes, que aproveitam os longos feriados para
matar a saudades de sua terra, seus amigos e familiares.
O
No
primeiro ano em que a banda saiu, surpreendi-me ao ver minha filha Lia, com uns
cinco anos, sentada na capota do tradicional jipe do João Luiz, o Aranha, a
jogar confete nos foliões. Nunca houve um tumulto, uma briga ou uma desavença
nos anos em que a banda saiu às ruas.
De
volta de seu tradicional percurso, sempre pequeno, a grande confraternização na
loja do Luigi, antiga Cantina Calabresa, lugar do seu nascedouro.
Obrigado,
Tráia, pela iniciativa e a todos os que colaboraram. Que o grande exemplo de
amizade e civilidade seja assimilado por todos.
BASTA
Vou
vendar meus olhos, tapar meus ouvidos, amordaçar-me e trancar meu coração.
Prefiro a lembrança dos versos do poeta Gonçalves Dias quando diz na Canção do
Exílio: “Minha terra tem palmeiras/Onde canta o sabiá/As aves que aqui
gorjeiam/Não gorjeiam como lá”, numa referência clara de amor à pátria, nossa
pátria.
Tempos
românticos. Amávamos nossa pátria e ufanávamo-nos de nosso país.
Têmporas
encanecidas eram sinal de austeridade e respeito, mas, lamentavelmente, não é o
que se vê no episódio do painel de votação do Senado. Um homem de cabeça
branca, um senador da República, diante da nação, de seus eleitores e de seus
pares, mentindo, omitindo, procrastinando descaradamente, faltando com a
hombridade e a dignidade inerentes ao cargo que ocupa.
Basta!
Não
quero mais ver nem ouvir esses “vendilhões do templo”. Aqui, nosso sabiá não
canta mais. Em seu lugar, somente corvos crocitam. Uma verdadeira pantomima
diante das câmaras da televisão, onde se dá um péssimo exemplo à juventude e
causa uma profunda decepção aos mais velhos.
Foi
necessário que os rombos da Sudam e da Sudene ultrapassassem os bilhões para
que se resolvesse liquidar aqueles órgãos, que nunca tiveram outra finalidade
que não a corrupção e o aumento do patrimônio dos políticos daquelas áreas.
Grandes
projetos não necessitam de intermediação de ninguém. Tenho a convicção de que a
Sudene nunca matou a sede de nenhum nordestino e a Sudam nunca ajudou a
desenvolver a região Norte. Se esses bilhões de reais desviados tivessem sido
aplicados em projetos sociais, de educação e saneamento, talvez as estatísticas
daquelas regiões fossem hoje mais alentadoras e positivas.
Basta!
Sou
admirador dos parnasianos e poetas líricos repletos de devaneios. Minha
presença na terra hoje é anacrônica. Este não é o Brasil que, de alguma forma,
ajudei a construir.
P.S. Vale a pena relembrar:
“Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!”
I-Juca-Pirama
Gonçalves Dias
BATIZADO
Nesta
vida
Foi
numa certa semana de um certo ano, já não tão recente, que fui convidado pelo
meu dileto amigo Demônio — alcunha do Luiz Antônio Mauro — a comparecer ao
batizado de sua filha que seria na casa dele, no sábado seguinte. No horário
estipulado, lá cheguei com alguns companheiros, vindos de uma pelada no campo
do Siderúrgica, na Vila Santa Terezinha. Desta forma, nossos trajes não eram os
mais adequados para aquela cerimônia, mas, como se tratava da pessoa do
Demônio, um cidadão liberal e sem formalidades, adentramos ao recinto. Fomos
recebidos com muito carinho e distinção pelo casal e nos sentimos à vontade. Os
convidados formavam um grupo altamente eclético: eu, Sô Lobo, Asa Quebrada e
muitos outros – a memória agora me trai – misturados
a autoridades do Exército (o coronel comandante, o major Wagner); do Ministério
Público (o promotor dr. Salomon); e do Legislativo (os deputados José Luiz
Baccarini e Wainer Ávila).
Após
umas bebericagens de boas bebidas e excelentes tira-gostos, anunciaram o
momento para o qual estávamos reunidos ali. Finalmente, a criança seria
batizada na religião católica, fazendo parte do ritual o exorcismo do pecado
original e a unção com os santos óleos dos catecúmenos.
Naquele
momento, entra
—
Afasta-te demônio!
O
Luiz Antônio, que assistia ao ato de forma constrita e circunspecta,
assustou-se e deu um pulo para trás, obedecendo à imperiosa ordem.
Ninguém
conteve o riso. Dr. Salomon dobrou-se em gargalhadas naquele momento de
descontração. Mas, logo em seguida, restabeleceu-se o clima do batizado e
Iocana foi ungida com os santos óleos e hoje é uma bela moça e boa filha.
Mais
uma vez parabéns. Parece que foi ontem.
EUNICE E BRAZ
Decorridos
cinqüenta
Desse
casamento nasceu uma frondosa árvore, de boa cepa e saudáveis frutos: Vicente,
Sônia Maria, Maria Eunice, Francisco Carlos, Marco Antônio, Elaine Valéria e
Júlio César.
Criar
essa grande prole não foi sem sacrifícios. De origem humilde, como os doze
preferidos de Cristo, lutaram com grande denodo e dedicação.
Outros
tempos. Grandes dificuldades e desconfortos. Quantas noites, Braz, no seu
mister de mecânico, com as mãos calejadas, esmerilhava válvulas de motores,
rompendo a madrugada, adiantando o serviço do dia seguinte, enquanto Eunice
debruçava-se em sua faina diária nos serviços domésticos, dando o melhor de si
para que nada faltasse aos seus pequenos rebentos. Como toda união, não foram
raros os momentos de divergência. O comandante de um navio não escolhe somente
os dias de calmaria para navegar. Ele tem que levar seu barco são e salvo ao
porto seguinte e, desta forma, navegará também enfrentando as grandes
tormentas. Assim foi a trajetória deste casal que não poupou sacrifícios para
alcançar seu objetivo, criar e educar os filhos dentro da fé cristã.
Gostaríamos
que estivessem aqui presentes para comungar conosco esta felicidade nossos
entes queridos que já nos deixaram, mas temos certeza de que suas almas
descansam em paz junto dos justos e bem-aventurados.
Finalmente, em nome de todos os
filhos, pedimos a Deus, com sua infinita misericórdia, proteção para nossos
pais e agradecemos o privilégio de termos
nascido seus filhos.
Obrigado.
BRAZ RIZZUTI
—
Vou
Firmou-se no
Trabalhava
Deixou
uma
“Velho,
Adeus,
TEMPO DE CHUVA
As
chuvas chegaram trazendo consigo a esperança. Esperança de fartura, de encher
nossos mananciais, de respirarmos melhor.
No
meu pedacinho de terra, onde moro, a renovação da vida é um espetáculo à parte.
No período de seca, as plantas hibernam e ficam naquele estado letárgico,
sonolentas e tristes, como se agonizassem. Perdem o viço, as folhas caem,
despem-se, mostrando, acabrunhadas, seu interior. O brejo fica mudo. Somente os
passarinhos cantam, não sei se como uma súplica ou lamento por falta do
precioso líquido que vem do céu. Nossa Serra de São José de Tiradentes
apresenta um aspecto sisudo, amarronzado, suas árvores retorcidas não
sobressaem ante a coloração das pedras. Sua silhueta em contraste com o céu
límpido do inverno nos dá uma sensação melancólica de aridez. Olho para ela,
engulo seco. A impressão que se tem é a de que ali não há vida. Felizmente,
este ano não houve nenhuma queimada, senão o espetáculo seria ainda mais
horroroso. Às vezes, essas queimadas não são provocadas pelas mãos devastadoras
do homem, e sim, pelo sol causticante que, refletido nas pedras, provoca a
autocombustão da mata seca.
Agora
chegaram as chuvas e com elas, o espetáculo da renovação. É
Os
A
Após
anos de luta, ora galgando degraus, ora descendo-os, buscando sempre mais
vitórias e, principalmente, ser feliz, estou chegando ao meu ocaso de maneira
melancólica, cheio de dúvidas e de perguntas, talvez mais até do que quando
iniciei minha jornada.
Foram
momentos de profunda tristeza aqueles, quando me despedi de meus companheiros
de regata. Eles voltavam para minha terra natal e eu ficava no Rio de Janeiro,
naquela época, uma terra estranha cheia de gente estranha.
Dezenove
anos, recém saído da adolescência, cheio de temores, abdiquei do regaço de
minha mãe, da convivência com meu pai e meus quatro irmãos para tentar ganhar a
vida, sozinho.
Um
caminho muito difícil aquele que escolhi para trilhar. Inóspito, muitas vezes
asqueroso. Resistindo ao assédio de homossexuais e das drogas, das mulheres
infelizes, coroas mal-amadas com contas bancárias recheadas, compradoras de
amores. Quem compra amor colhe tristeza e quem dá amor colhe carinho.
Felizmente, não me prostitui. Resisti às tentações do vício. Tive disciplina.
Nos empregos que trabalhei nunca perdi a hora. Meus alicerces foram calcados em
sólida rocha, composta por uma família simples e bem estruturada, a quem devo
meu berço e educação.
Envelhecemos.
P.S.:
OUTRA
Sobrevivi
a
Naquele
Naquele
dia saí à rua e encontrei um desses intrépidos e destemidos super-heróis a
chorar. Não acreditei na cena e, timidamente, perguntei-lhe:
—
O
Respondeu-me,
inconsolável:
—
O Brasil perdeu!
Em
1954, outra decepção, porém, em 1958, já com 17
anos, minha explosão de alegria foi tanta, que minha foto saiu estampada na
primeira página do principal jornal de Belém.
Em
1962, já no Rio, comemorei com minha turma, aos goles dos primeiros chopes, a
conquista do nosso bi-campeonato.
Desta
feita, 2002, lá para as bandas do Oriente, nas terras de nossos antípodas
sul-coreanos e japoneses, a história se repetiu. Nossa Seleção partiu
desacreditada. O horário dos jogos deixou todo o Brasil bocejando e de
olheiras. Desacreditada é uma coisa, porém deixar de torcer, isso nunca!
A
P.S.: Hoje não falarei de tristezas. Estou
muito feliz com nossos atletas. Se critiquei algum ou o Luiz Felipe, me
penitencio e lhes reverencio com tapete vermelho. Eles merecem.
REFERENDUM
Tenho
assistido
Aqueles
privilegiados
Quanto
à
Preste
Se
o Brasil for proibir a fabricação e o comércio de
Tenho
Mata-se
A
Austrália está
P.S.: E os
CRÉDITO
Ouço
lamúrias e tenho visto pessoas desesperadas com dívidas contraídas e impossibilidade
de quitá-las.
Entre
as pessoas entrevistadas a respeito do que farão com o 13º salário, há quase
uma unanimidade: o 13º salário será usado para liquidar ou amortizar dívidas.
O
cidadão comum precisa estar atento às armadilhas preparadas pelos avarentos
banqueiros que não têm o menor escrúpulo em transformar honrados cidadãos em
desesperados fantasmas a correr de Herodes a Pilatos em busca de solução para as
dívidas. Uma vez emaranhado nessa teia é impossível desvencilhar-se.
Não
compreendo. A taxa de juros anual, praticada pelo governo, está em torno de 17%
ao ano. Se há um aumento nessa taxa, nem que seja de 0,25% ao ano, a grita é
geral. O mundo desaba. Essa decisão gera desemprego, desacelera a economia e a
Fiesp se manifesta de forma ostensiva trazendo em seu bojo resquícios da
política antiga de reserva de mercado, quando a indústria era protegida e
ninguém falava em produtividade.
Enquanto
isso, descaradamente, as administradoras de cartões de crédito e bancos cobram
até 12% de juros ao mês. As pessoas de classe média, alvo dos marqueteiros,
vendedores de ilusões, engolem o anzol com o engodo de um cartão de plástico
reluzente, verdadeira jóia da engenharia visual, ou talões de cheque que
sugerem prestígio. Essas mercadorias são exclusividade de pessoas abastadas,
inatingíveis por taxas de juros altas e que administram com maestria e
parcimônia os saldos de contratos. Esses são os principais causadores de
verdadeiras desgraças para o cidadão de bem que não foi preparado para conviver
com a inadimplência e a desonestidade.
Os reflexos são lamentáveis no
seio da família, desestabilizando uniões duradouras e, em alguns casos, de
forma definitiva.
É
ilusão querer galgar mais um degrau na escala social, usando desses artifícios.
Deveríamos nos conscientizar de que o objeto de qualquer transação comercial é,
de um lado, mercadoria ou prestação de serviços; do outro, moeda, isto é,
dinheiro vivo.
A
receita para uma vida mais saudável e menos angustiante, seria picar o cartão
de crédito, rasgar o talão de cheques e jogar no lixo. Banco? Só para receber
salário, aposentadoria ou pagar algum compromisso. A facilidade de crédito, na
maioria das vezes, leva ao fracasso. Ninguém suporta taxa de juros de 12% ao
mês, enquanto a inflação gira a menos de 1%. Significa dizer que o cidadão está
pagando juros 12 vezes acima da inflação, o que é um verdadeiro absurdo. Não
existe negócio no mundo, por mais lucrativo que seja, que resista a esse tipo
de extorsão.
É
o que eu penso.
P.S.: E os
DESILUSÃO
Cheguei
ao final de mais um ano sem esperanças de conseguir realizar o principal
objetivo que persegui anos a fio obstinadamente: entregar aos meus filhos um
país mais justo, menos corrupto, menos violento, com mais empregos, menos
miséria, mais sorrisos e menos lágrimas. Entretanto, o que se vê? Chefes de
famílias serem executados impunemente. Agora
os bandidos não contentes de chacinarem pessoas pobres, tripudiam também das
autoridades matando prefeitos, promotores, vereadores. Dá a impressão de que
quem não participa do grande esquema de corrupção que envolve a administração
pública tem que ser eliminado.
Não
temos a mínima segurança, e quem mais sofre são os pobres. Sem dinheiro para
levantar muros, guaritas de segurança, instalar cercas elétricas e câmeras de
circuito interno para proteger o pouco de têm, são eles o alvo mais freqüente do
banditismo.
Estou cheio de assistir a passeatas
contra a violência. Essas passeatas terão que ser dirigidas, não contra a
violência, mas sim contra os bandidos. Chega de blá-blá-blá. Estamos numa
guerra.
Em vez de desarmar as pessoas,
deveríamos armá-las. Hoje quem tem uma arma em casa para se defender é um
proscrito cidadão à margem da lei. Enquanto isso os bandidos exibem seu arsenal
de armas muito mais sofisticado que o da própria polícia. Até logotipos de
organizações criminosas são instalados nos morros acintosamente, iluminados a
gás néon. Onde chegamos?
Já
que as instituições criadas para fazer a segurança da população, prender,
julgar e punir, estão desmoralizadas e falidas, façamos justiça com nossas
próprias mãos. A Polícia Federal está com
boa parte das viaturas paradas por falta de combustível, ao contrário do helicóptero
que resgatou um bandido de dentro do pátio de uma penitenciária de segurança
máxima sem ser importunado. Vamos esperar por quem?
É necessário que nos organizemos
da mesma forma ou melhor que os criminosos. Ou será que eles são mais
competentes que nós? “Olho por olho, dente por dente.” Da forma como as coisas
estão indo, as ruas serão ocupadas pelos bandidos, e os cidadãos de bem, livres
e de bons costumes terão que ficar aquartelados em suas casas. Para defendê-la,
de acordo com a lei, terão que usar porretes, tacapes e bodoques contra os
potentes AR15 dos bandidos. Chega de ver nossos filhos serem fuzilados
barbaramente, nossas filhas e esposas serem estupradas e os idosos indefesos,
assaltados.
Essa
mídia que aí está, a tal formadora de opinião, deu muito mais ênfase à morte do
bandido Fernando Dutra Pinto (eu até sei o nome dele todo) do que à de uma
senhora empresária (cujo nome não sei) cruelmente assassinada em frente à sua
residência
Esse
governo bêbado que aí está, inebriado pelo vírus de uma vaidade deletéria, que
não sabe tomar conta nem dos estoques estratégicos de água para gerar energia
elétrica, poderá oferecer um mínimo de segurança à população? Acho que não,
embora nosso representante máximo, com seu séquito perdulário do dinheiro
público, em viagem à França, servia de galhofa perante aquele parlamento com um
despropositado “Vive
É
uma falácia demagógica proibir venda de armas. Só servirá para fomentar um
mercado negro de produtos importados e promover o desemprego dos nossos
operários. Se estão preocupados com as mortes produzidas por armas de fogo,
como então não se preocupam com a manutenção das estradas de rodagem que se
encontram em estado caótico, colocando-nos como campeões mundiais de mortes em
acidentes de trânsito? Por outro lado, alguns órgãos se ufanam de raros índices
positivos do progresso do nosso país. “Somos a oitava economia do mundo.”
Ótimo! “Maior exportador de soja do mundo” – para engordar porcos no exterior,
mas nunca vi um grão de soja na mesa de um trabalhador. “O índice de
mortalidade infantil diminuiu drasticamente”. Ótimo! Mas que futuro esperam
essas crianças que sobreviveram? Isso não é sadismo? Será que não seria melhor
que elas tivessem seus sofrimentos abreviados, morrendo prematuramente, já que
a incidência de óbitos ocorre na camada mais miserável da sociedade? Futuro?
Não existe. Se não tiverem a sorte de se transformar em um ídolo do futebol,
certamente engrossarão a imensa massa de excluídos que nosso país abriga.
Li na revista Tudo que Eu Quero,
edição nº. 47, de 21/12/01, um artigo que, pelo seu conteúdo, transcrevo uma
parte:
Os contrastes que levam ao crime
As estatísticas são geralmente
frias e difíceis de entender para a maioria de nós, que vivemos uma vida
privilegiada nos países desenvolvidos. Considere, por exemplo, o fato de que
356 indivíduos mais ricos do mundo hoje desfrutam de uma riqueza coletiva
superior ao rendimento anual de 40% da humanidade. Enquanto nós falamos
entusiasticamente de globalização, comércio eletrônico e revolução das
telecomunicações, 60% das pessoas do mundo não fizeram nem uma única ligação telefônica
em suas vidas e um terço não tem sequer eletricidade. Nesta era de mais e mais
relacionamentos econômicos globais, cerca de 1 bilhão de pessoas continuam
desempregadas ou subempregadas, 850 milhões estão subnutridas e outras centenas
de milhões não dispõem de água potável ou de combustível suficiente para
aquecer suas casas no inverno. Metade da população mundial está excluída da
economia formal e é forçada a trabalhar na economia informal de trocas e
subsistência. Outros acabam caindo no mercado negro ou no crime organizado.
Como se não bastasse, há também a
cruel agressão da globalização à diversidade e à identidade cultural. Segmentos
inteiros da humanidade se ressentem ao ver a história peculiar e os valores de
seu povo serem atropelados pelas empresas multinacionais. Eles sofrem os
efeitos da perda de coerência e significado de um mundo cada vez mais dominado
pela produção cultural, pelas marcas, pelos logotipos e pelo estilo de vida
dessas corporações. Temem, com razão, a imposição desse estilo de vida e de um
tipo de homogeneização global do pensamento e das atividades. E têm medo de
que, nesse novo mundo, a sua própria essência esteja sendo irrecuperavelmente
perdida em nome do comércio e do lucro corporativo.
Jeremy Rifkin
presidente da Fundação de Tendências
Econômicas, de Washington, EUA, e autor do livro A Era do Acesso (Makron
Books).
P.S.:
CREPÚSCULO
Nasci
Assim foi,
Deslumbrado
Tornei-me
Nossas raízes é
Numa
A
felicidade foi-se esvaindo, como a areia de uma ampulheta que marca a marcha
inexorável do tempo, até que um dia, ao chegar em casa, recebi a notícia de que
meu pai me chamava para se despedir, pois estava morrendo.
Não titubeei. Temendo o
Sentou-se e disse:
—
Que bom, meu filho, que você veio!
Pediu
que lhe tirassem a barba, que lhe dessem um banho e lhe vestissem um pijama
limpo.
Deitou-se e se despediu:
—
Adeus, Pedro!
Virou-se
de
Estava
Caráter
Preferiu
a
Estava
Minhas
Fiquei
Hoje,
aquela felicidade do convívio familiar foi substituída
Minha
As
INDEPENDENCE
DAY
12
de setembro de 2001. O dia que eu não gostaria de ter vivenciado. A ficção do
cinema tornou-se realidade para a nação americana, vítima do mais brutal e
hediondo ataque de algum famigerado grupo terrorista. Não teria significado
algum se aquelas duas torres imensas, desafio da engenharia moderna e cartão
postal de Nova York, tivessem simplesmente desabado. Seria apenas uma perda
material e certamente logo estariam de pé tal o poder econômico daquela nação.
Mas não. O que pranteamos, eu e o mundo civilizado, são as vidas ceifadas e a
forma cruel com que foram executadas. Dentro dos aviões que se chocaram contra
as torres, pessoas indefesas ligaram pelos seus aparelhos de telefonia celular,
despedindo-se de suas famílias. Que desespero!
Hoje
é o dia seguinte. Não sabemos ainda quantos morreram. O que me deixa perplexo é
que esses fanáticos suicidas cometem essas atrocidades todas em nome de Deus,
Alá ou outro nome deus qualquer. Será que o deus desses bastardos é o mesmo das
pessoas que vejo contritas, fazendo suas orações nas igrejas, acompanhando os
ofícios da Semana Santa, comungando durante a missa? Não, não creio. Acho que
os super-heróis da ficção americana não estavam de plantão ontem. O gigante
americano foi atingido no seu âmago. Não sei quais serão os desdobramentos.
A
De
nada adiantou a fábula de dólares gasta com projetos antimísseis para proteção
do solo americano. Foram feridos com suas próprias armas. Cadê o inexpugnável
sistema de segurança? Os americanos foram feridos na sua arrogância e
prepotência, talvez tenham sido vítimas da violência que eles mesmos propagam
pelo mundo afora. A lição de Pearl Harbor e do Vietnã de nada valeu.
Disse
o embaixador Afonso Arinos: “Você cutuca o diabo, um dia, ele aparece”.
Nossas
crianças são expostas diariamente a todo tipo de violência nos programas de
televisão, quer seja em desenhos animados ou vídeo games oriundos daquela
plagas.
Resta
aos americanos reconstruir o que foi destruído e repensar a maneira de olhar o
restante do mundo. A lucidez no lugar da arrogância e a humildade em lugar da
prepotência. Que dirijam seu olhar de piedade para as crianças que morrem de
fome na África, no Brasil e no resto do mundo.
Basta de
globalização. Todos trabalhando para enriquecer um só? Basta dessa sangria
agiota e infanticida do Fundo Monetário Internacional (FMI). Os portugueses, na
época do império, levavam nosso ouro em galeões, arriscando-se através dos
mares e oceanos. Hoje, o FMI, sem disparar um tiro sequer, leva só com os juros
da dívida, nossas riquezas, o sangue, o suor e a dignidade da nossa gente,
através de simples transferências bancárias sem risco nenhum de naufrágio.
Divergências
à parte, manifesto aqui meu profundo pesar e minha indignação pelo ocorrido com
o povo americano. Que descansem
DESILUSÃO
Há
cerca de três anos, venho acompanhando a recuperação da frágil vegetação da
encosta da Serra de São José de Tiradentes, pois nesse período não houve fogo
que a destruísse. À distância, é possível se ver algumas árvores timidamente
maiores, dando sinais claros de que ali, futuramente, voltará a vicejar uma
mata peculiar à serra, trazendo consigo todo tipo de vida e biodiversidade,
principalmente em se tratando de Área de Proteção Ambiental (APA).
Gostaria
de
O
clima estava terrivelmente seco e a umidade do ar, baixíssima. (Prefiro
acreditar em autocombustão.) Um caco de vidro deixado próximo à vegetação,
refletindo e ampliando os raios solares, pode dar início a um foco de incêndio.
Não creio que alguém, um ser humano, muito embora o mundo esteja pontilhado de
bestas humanas, pudesse ter iniciado aquele crime ambiental. Quero ressaltar o
esforço debalde da Brigada de Bombeiros Voluntários de Tiradentes, do Corpo de
Bombeiros de São João del-Rei, das pessoas comuns e amigas da natureza que, em
vão, tentaram debelar as chamas.
Desta
vez minha querida serra não deu sorte. Ardeu em chamas durante dois dias e duas
noites até que chegou a chuva. Os ventos poderiam ter dado uma mão empurrando a
frente fria com mais velocidade. Mas, quem somos nós para palpitar sobre a
velocidade de chegada da chuva? Minha preocupação é exclusivamente com a
natureza que aprendi a respeitar, pois sou um amazônico, e não quero entrar no
mérito de quem é a responsabilidade pela guarda daquele patrimônio. Parece-me
que projetos como a Trilha dos Inconfidentes e a Estrada Real, que pretendem
auferir lucros com o ecoturismo, preservar e desenvolver a região, correm o risco
de se inviabilizarem. Os responsáveis terão, primeiramente, que investir em
segurança preventiva no alto da serra e não deixar que esposa
de turista seja violentada na presença do marido (isso aconteceu?), que as pessoas sejam assaltadas por bandidos
drogados que ali fazem ponto e que ninguém mais ateie fogo na floresta,
deixando de recolher o próprio lixo.
“Quem não pode com o pote, não pega na
rodilha”. Está se tornando moda nestes tempos, a criação de muitos Conselhos,
reuniões, debates, palavrórios e prolixidade, quando, na verdade, se precisa de
uma atuação mais firme e efetiva para enfrentar os problemas. Deixemos as
escrivaninhas e as salas de reuniões, arregacemos as mangas e partamos para a
produção. Às vezes, com soluções criativas, resolva-se o problema de forma
racional, em vez de ficar choramingando falta de verbas.
Minha
serra, da tua atual paisagem desolada e calcinada, brevemente, restará somente a
má lembrança. Tenho certeza que voltarás com toda tua exuberância e um dia
terás dos homens o respeito que mereces.
P.S.: Contaram na mesa da Cantina:
—
Dois bons amigos nossos, um deles indo pela primeira vez ao Rio de Janeiro,
dirigindo-se ao outro, já mais escolado, durante um banho de mar em Copacabana,
disse:
—
Você falou que vai pegar um “jacaré”? (linguagem que o praiano usa para dizer
que vai descer de peito numa onda).
—
Vê se pega dois pequenos para eu levar em uma caixinha para São João del-Rei.
DESPERDÍCIO
(PAI, FAVOR CONFERIR COM O ORIGINAL.
ACHO QUE MUDEI MUITO, NÃO SEI SE ALTEREI O SENTIDO)
Reiteradas
vezes tenho manifestado minha alegria de ter conquistado o privilégio de morar em
casa própria na Estrada Velha das Águas Santas. Quando aqui me instalei, era um
lugar bucólico e romântico. Daquela paisagem constava uma estrada de terra que
infernizava a vida dos moradores – na seca, com a poeira, e no verão, com um
lamaçal infernal – porém tudo natural.
O tempo passou e aqui também
chegou o “progresso”. Sem meio-fio, sem água e sem esgoto, a Prefeitura
resolveu solucionar o problema, asfaltando a rua que vai desde o Alto das Águas
Santas até as proximidades da Escola do Bradesco. Meteu asfalto em tudo,
afirmando que o novo pavimento teria a durabilidade de, pelo menos, 15 anos. Só
se for para efeito de pagamento à empreiteira, porque o que se vê, após quatro
anos de inaugurada – quem quiser pode medir a altura do asfalto e conferir com
a fatura – é uma tintura negra misturada com brita, deixando a rua em estado de
calamidade pública.
Quando
inaugurada de pouco – nova eleição, outra demagogia – surgiu a notícia de que a
Copasa iria assumir o abastecimento de água na região, o que pareceu ser a
solução para o antigo problema de falta d’água nas Águas Santas. Para isso, o
asfalto teve que ser rasgado para a colocação dos tubos adutores
A história do desperdício, da
incoerência, da incompetência, imprevidência ou sei-lá-o-quê que testemunho
desde que me mudei, no entanto, não termina aí. Sem qualquer estratégia ou
logística, assentaram uma barreira policial na rodovia BR 283, que vem de Belo Horizonte,
em frente à Cia. Industrial Fluminense. O problema é que alguns metros antes da
presença ostensiva da polícia, está o trevo que dá acesso à Estrada Velha das
Águas.
O posto policial, portanto, serve
apenas para fiscalizar e incomodar os donos de veículos que não temem a
fiscalização, ou seja, que estão dentro da lei, perdendo seu efeito repressivo
aos marginais e contraventores que passam incólumes sem serem molestados pela estrada
velha, aquela com o asfalto rasgado. Se no local da barreira fosse montado um
pedágio, o faturamento não daria nem para o café. Enquanto isso, na estrada
velha, o esparso fluxo de pacatos moradores deu lugar a um tráfego marginal
preferencial para infratores.
Por ali passa de tudo, até
carretas com excesso de peso. Todo e qualquer motorista que esteja sujeito a
alguma infração ou precise driblar a fiscalização desvia pela estrada velha,
sobrecarregando o tráfego e acabando de vez com o asfalto de “15 anos” de expectativa
de vida útil que em certos locais só deixou vestígios. Nos finais de semanas,
motoristas alcoolizados e imprudentes fazem dali um verdadeiro autódromo. Os
pedestres, que deveriam ter a preferência, por falta de calçada e meio-fio, são
obrigados a se jogarem para o meio do mato, sujeitos ao perigo e ao incômodo de
cobras e lagartos. Antes que algo de mais grave aconteça, as autoridades devem
olhar por aquele pedaço da cidade, onde vivem eleitores e contribuintes.
P.S.:
DIVAGAÇÕES
Meu
De
Ao
—
Aquiesci
Não se
Finalmente,
Agora
a
Obrigado
à
P.S: E os
DOMINGO
As
Que
Na
As
manhãs dos domingos são-joanenses, já foram mais alegres quando nós promovíamos
bingos nos campos de futebol. Era uma festa para a comunidade carente de
eventos. Sorteávamos, muitas vezes, cinco carros zero quilômetro. Tudo dentro
da maior lisura amparados pela lei. Não sei porque ou com que interesse o chefe
da Fazenda Estadual não simpatizava com aquele tipo de evento e dificultava o
que podia. Talvez porque fosse promovido pelo Pedrão & Cia. Se fosse do
Silvio Santos ou a Azulzinha, que não tem nada a ver com a nossa comunidade, só
vem aqui para levar nosso pouco dinheiro para fora, provocando uma verdadeira
sangria em nossa frágil economia, aí sim, está liberado. Nossos eventos
representavam empregos para nossa cidade, geravam ICMS nas compras dos carros e,
finalmente, faziam muitas pessoas felizes. Até que veio uma ordem do Eduardo
Azeredo, então governador, suspendendo os bingos, se antecipando à uma Lei
Federal. Governo “austero” aquele!
Talvez porque estivéssemos
fazendo uma pequena concorrência com o cassino oficial do governo, cheio de
Loterias, Pimbas e outras roubalheiras mais ou por não termos contribuído para
sua caixinha de campanha. Manda quem pode, obedece quem tem juízo!
Hoje
é um domingo cinzento. Dia propício para o mocotó. Deixem-me apressar, senão
perco o meu e o bate-papo. Aí, domingo à tarde também é domingo em qualquer
lugar do mundo. Muito chato!
P.S.: Dizem que nosso país não é sério. Disso
já sabemos, mas vindo da Itália, berço da civilização e precisamente da Ferrari,
a atitude contra nosso Rubinho, no GP da Áustria, é, no mínimo, uma
cafajestada. Indignado, revidarei: não mais comprarei uma Ferrari, só vou de
fusca.
EDUARDINHO
Dias
atrás, quando voltei de Camargos, fiquei sabendo do falecimento do meu amigo
Eduardo Lopes, tratado por todos, carinhosamente, por Eduardinho. Sua morte não
me surpreendeu já que seu estado de saúde vinha se agravando. Um macho da
qualidade dele não foi feito para se decompor numa cama. Após enfrentar, na
selva e nas aventuras de que participou, tantos perigos e adversidades, não
seria justo permanecer prostrado num leito de hospital. Aquela situação sem
dúvida o incomodava. Porém, a notícia abateu-me profundamente.
Dizia
meu amigo Dinho das Rosas:
—
Quando nós fazemos falta lá em cima, o Senhor nos chama.
Talvez
tenha acontecido isso mesmo. O paraíso estava monótono e o Oswaldo Magaldi,
sentindo falta do velho companheiro de caçadas e churrascadas, convocou-o.
Quando
faleceu seu pai, Eduardinho chamou para si a responsabilidade de acabar de
criar os irmãos menores. Assim sendo, só foi constituir sua própria família
mais tarde, quando se formou professora sua última irmã.
Dotado
de grandes virtudes, Eduardinho possuía a maior delas: sabia ser amigo dos
amigos. Sempre solidário, alegre e contador de causos. No ambiente em que
chegava, formava roda. Tive o privilégio de
desfrutar da sua amizade e, algumas vezes, acampamos lá pelas bandas do Mato
Grosso e do Araguaia. Apreciava o seu jeitão.
É
sabido que todos os caçadores e pescadores têm pressa de chegar ao lugar de
destino. Com Eduardinho era diferente. Parávamos em algum posto de gasolina e
ele sumia. Os companheiros aflitos, com pressa de seguir viagem, iam a procura
dele. Não foram raras as vezes que o encontramos tomando uma pinga, comendo um
tira-gosto e curtindo um bom papo com aquele que tivesse tempo disponível,
fosse ele da elite ou pé de chinelos. Tratava todos com alegria e sem distinção
de categoria social.
Não
sei por que a vida nos reserva essa punição, esse tributo tão estressante de
ver nossos amigos e pessoas queridas nos deixarem. Quando embrionários, se nos
dessem a chance de responder se gostaríamos de nascer, talvez a resposta fosse
não. Lembro-me da infância feliz que tive, junto aos meus pais, avós, tios,
primos e irmãos. Hoje, com raras exceções, restam apenas pó e saudades. Aqueles
já são saudades velhas, o meu amigo Eduardo é uma saudade nova. Não sentirei
mais o aroma do seu cachimbo, que o tornou um tipo inesquecível. Poucos dias
antes de morrer encontrou-me e disse de chofre:
—
Na política não temos inimigos, mas adversários. Talvez tenha lembrado do seu companheiro de amenidades Dr.
Tancredo.
Descansa
em paz, amigo, você merece.
O
Há
anos, quando ainda não existia TV por assinatura, atendendo a um apelo de
marketing, fui um dos primeiros
Não
conheço ninguém que ligue um aparelho de televisão para ouvir música - uma
coisa de gosto muito pessoal, que obedece a um ritual de escolha próprio,
muitas vezes não disponível naquela programação.
Sentindo-me
lesado, procurei meu direito. Fui ao Procon, onde me deram ganho de causa, mas
justificaram sua incapacidade de prosseguir com a demanda, visto que a empresa
era de São Paulo, fora de nossa jurisdição. Recorri ao Juizado Especial de São
João del-Rei e, nesse ínterim, veiculou-se num desses jornais de televisão, a
notícia que uma empresa prestadora de serviços, nos moldes da Globosat, lá nos
Estados Unidos, talvez até a matriz da nossa, foi condenada a indenizar uma
família de negros americanos com a bagatela de quatrocentos mil dólares,
somente porque o equipamento daqueles consumidores tornara-se obsoleto. Meu
sentimento de vitória na ação aumentou. Como é comum copiar o que nosso patrão
do Hemisfério Norte dita, por que então não copiar o que é benéfico para o
consumidor tupiniquim? Na última audiência da minha ação, aqui no fórum, o juiz
responsável manifestou-se, inverteu o ônus da prova, penalizou a Globosat e
ainda acrescentou: “Se eu der minha sentença, agora, em cinco minutos, o Brasil
inteiro saberá”, insinuando que decidiria a meu favor. Saí da audiência
aliviado. Finalmente se faria justiça. Não queria nada além do que aquilo que
gastei. Ledo engano. Trocaram o juiz e eu, um reles consumidor brasileiro, fui
condenado.
Manda
quem pode, obedece quem tem juízo.
Até
quando, Catilina? Obrigado, ilustres julgadores.
P.S.:
21 DE ABRIL DE 2000: BRASIL
500
Comemorar o quê? O extermínio dos primeiros brasileiros, habitantes
desta “Terra de Vera Cruz”, como a chamaram os invasores? Que eram mais de três
milhões de indivíduos e hoje são apenas 300 mil? (E ainda dizem que nossa
colonização foi pacífica.) As carnificinas das guerras encarniçadas como a da
Cabanagem, liderada por Avelino, cognominado Angelim — uma referência à
inflexibilidade de seu caráter, comparável à rigidez daquela madeira amazônica
—, que representou a resistência dos caboclos brasileiros à invasão lusitana? O
saque de nosso ouro, remetido à coroa portuguesa depois de arrancado de nossas
minas com o suor e a chibata no lombo dos índios e negros feitos escravos?
O
enforcamento de Tiradentes, com requintes de crueldade, na Praça da Lampadosa?
Aproveitaram do seu sangue e lavraram uma certidão de que a sentença do
enforcamento havia sido cumprida. Metidos em salmoura, seus restos mortais
voltaram a Minas Gerais. A cabeça foi exposta
Os
400 anos de escravidão impostos aos negros, arrancados de sua terra natal além-mar,
submetendo-os a humilhações e maus tratos, como o vexame do tronco, onde eram
açoitados a mando de seus senhores até à morte? Que comemoração macabra! Os que
trucidaram e dizimaram vidas humanas são exaltados e reverenciados como heróis
descobridores?
O
que comemoramos? A entrega de nossas riquezas minerais, como a da Serra do
Navio, no Amapá? A sangria produzida na maior reserva mineral do mundo, na Serra
de Carajás, onde até uma ferrovia e um porto
foram construídos em tempo recorde para escoar o minério extraído antes que algum
brasileiro pudesse se dar conta?
O
assassinato de milhares de jovens, a maioria universitários que seriam o futuro
da nação e representavam “perigo” para a “revolução moralizadora” de 31 de
março?
A
geração de 13 milhões de desempregados, 30 milhões de analfabetos, 44 milhões
de miseráveis e 22 milhões de pobres?
As
chacinas produzidas contra cidadãos indefesos, desempregados e sem terra?
O
roubo na Previdência Social? Aliás, esse um dos maiores fundos do mundo em
arrecadação, pois passou 30 anos recolhendo uma parcela significativa do
salário de cada trabalhador brasileiro sem pagar uma única aposentadoria, a não
ser as por acidente? Descaradamente, dizem que está falida. De quem é a culpa? O
dinheiro foi descontado religiosamente de nossos salários, mas colocados à
mercê da gastança perdulária do governo.
Devemos
comemorar a “venda” da Cia. Vale do Rio Doce e de suas jazidas, empresa pública
classificada entre as melhores e mais eficientes do mundo, cedida pela bagatela
de três bilhões de dólares? Ou talvez devêssemos festejar o repasse de um
bilhão e meio de dólares, metade do que foi faturado com a venda da companhia, aos
banqueiros internacionais donos dos bancos Marka e Fonte Sindan, sob o pretexto
de que esses bancos desconhecidos ameaçavam o sistema financeiro brasileiro?
O
salto da nossa dívida, que saiu de 70 bilhões para 500 bilhões, provocando um
pagamento de juros da ordem de 300 milhões de reais por dia, também pode render
alguma alegria hoje?
Preferiria
o Brasil colônia. A sangria era menor, pois levavam somente o ouro. Hoje levam
o ouro, a dignidade, o sangue e o suor desse povo humilhado e ultrajado.
O
FHC com F de “Fantoche” está lá. Todo empertigado, travestido de estadista,
satisfeito de ter pago o preço que pagou para deixar seu nome na história do
Brasil como o presidente dos 500 anos.
Não.
Para muitos brasileiros, certamente para a maioria, ele passará como o mais vil
e covarde deles. Um genocida maquiavélico que não deu ouvidos ao clamor de
tanta gente que morreu de fome por falta de trabalho, mas deu fábricas de
automóveis de presente para as multinacionais produzirem meia dúzia de empregos
de baixa qualificação, enquanto os cargos mais elevados são ocupados por
estrangeiros.
Comemorar
três milhões de reais por uma caravela que não funcionou? Ela está na medida
certa para uma viagem do presidente e sua equipe econômica. É onde deveriam
ficar, onde o mar é mais profundo e inóspito, num mausoléu submerso, onde
construíram sua própria incompetência.
Fora
FHC! Este país não é teu.
CARTA AO
Meu
filho,
Ao
sentir aproximar-se o final da minha jornada, gostaria de deixar consignadas
algumas considerações úteis na tua caminhada que se inicia. Peço-te perdão pela
ousadia de te colocar no mundo sem ouvir tua opinião. Assumo metade da culpa.
Pela
tua herança genética, certamente lidarás com muitos defeitos e algumas virtudes
de teu pai. O dia em que nasceste foi de grande alegria e profunda reflexão.
Ser teu pai com a idade já avançada seria irresponsabilidade ou desafio?
Talvez, um certo egoísmo. Usufruir do teu sorriso inocente, do teu terno
abraço, da tua pequenez angelical. Vieste preencher minha vida.
Gostaria
de te falar sobre muitas coisas que nossa diferença de idade não permite. Um
momento só e uma folha de papel não basta. Gostaria de caminhar a teu lado, às
vezes contigo no colo, sangrar com prazer, pisando nos espinhos que por ventura
a vida te reserve. Faze da vida uma trajetória de sorrisos. Deixa que as
pessoas te procurem pela tua alegria e não te evitem pelas tuas tristezas. Nunca
sejas subserviente. Caminha de cabeça
Se
a indagares se valeu a pena, certamente ela não hesitará em te abraçar e, sem
palavras, sentirá as lágrimas dela umedecerem teu ombro.
Se
puderes ter dinheiro, será bom, porém, se faltar, não te maldigas; ele é o
grande culpado das mazelas do mundo. Nas mãos de pessoas fracas, a riqueza
acaba por eliminar o que o ser humano tem de mais admirável: a dignidade.
Respeita
os idosos. Quando por eles passares, reverencia-os. Ali vão anos de experiência
vencidos pelo tempo, e quando fores senil, lembrarás do que hoje te falo.
Somente aí, nessa época, entenderás.
Te
amo.
FRANCAMENTE
Sopravam
ares benfazejos de austeridade e ética sobre o Congresso Nacional,
especialmente nas duas últimas gestões de sua presidência, exercidas por Aécio
Neves e, posteriormente, por João Paulo Cunha(?). Tinha-se a sensação de que
finalmente o Brasil caminhava para se alinhar entre as nações mais sérias do
planeta. A imagem desgastada do Congresso começava a se recuperar e,
conseqüentemente, a dos políticos que ali atuam. Por um momento, chegamos a
acreditar que aqueles deputados sem projeção política alguma, que usam seus
mandatos apenas para satisfazer interesses pessoais, estavam ficando para trás.
Mas na hora da votação, como a da eleição do presidente da casa, vimos que esse
chamado “baixo clero” ainda é uma fatia expressiva dos nossos “representantes”
e o presidente eleito, Severino Cavalcanti, o líder desses bonifrates.
Não
foi difícil se eleger. Enquanto aqueles de retórica brilhante, com os holofotes
sobre si, preocupados com a mídia, se digladiavam lá por cima, sorrateiramente,
pelos subterrâneos do Congresso Nacional, Severino corrompia seus pares com a
promessa vil de aumento de honorários. Na primeira entrevista após a vitória,
com a imagem de “coronel de engenho”, vociferou que daria aumento aos deputados
e aqueles que não concordassem, abdicassem, através de documento próprio. Em
seguida, com o objetivo claro de bajulação, declarou-se favorável à prorrogação
do mandato do presidente Lula. Que vergonha!
Resta-me
o consolo de que aquela velha política de São Francisco, de que “é dando que se
recebe”, praticada corriqueiramente no Congresso, está acabando, pois, caso
contrário, o partido dono da chave do cofre nunca perderia eleição.
O FÜHRER
O
“Anjo da Morte”, que dizimou na Alemanha, de maneira cruel, milhões de judeus
no passado, volta agora travestido de presidente dos Estados Unidos, na figura
arrogante de George W. Bush, e no lugar de judeus, desta vez, o alvo são os
muçulmanos.
Interessante:
em 1918, o Führer fora internado em um hospital, vítima de um gás tóxico
disparado pelos aliados, dos quais faziam parte os Estados Unidos. Esse mesmo
país que hoje condena tal tipo de armamento e usa-o como desculpa para cometer
assassinato em massa contra populações civis indefesas, como as do Vietnã, do
Afeganistão e do Iraque, embora nunca tenha conseguido seus objetivos.
Os
EUA alegam que o Iraque possui armas químicas de destruição em massa, porém,
até ontem, não apontou essas armas. Se forem gases letais, quais são eles? De
que tipo? Qual o nome do gás? Pura desculpa esfarrapada.
Apesar
de todo o equipamento bélico - oito porta-aviões, 80 aviões de caça com ogivas
nucleares, 280 mil homens, mais tanques, aviões espiões de última geração e
outras parafernálias -, quase sempre os americanos não conseguem seus
objetivos.
Contra
o Japão, a meu ver, os vencedores foram os nipônicos que, num ataque
estrategicamente perfeito a um alvo militar, destruíram a frota americana
baseada no Pacífico,
Se
não tivessem a bomba atômica e fossem obrigados à uma guerra convencional,
talvez o desfecho fosse outro.
No
Vietnã, foram derrotados e humilhados. Usaram
No
Afeganistão, nada. O tal de Bin Laden continua dando entrevistas, tripudiando
sobre a parafernália bélica americana, que, inclusive, fabricou uma bomba
especial, de não sei quantas toneladas, para matá-lo dentro das cavernas.
Os
Segundo
um porta-voz da rede Al Qaeda, existem instaladas dentro das sete principais
cidades americanas, sete bombas atômicas que poderão ser disparadas a qualquer
momento. Verdade ou mentira? Ninguém sabe. E se os muçulmanos estiverem
esperando o primeiro tiro? Aí terão uma justificativa: “Apenas revidamos”.
Certamente a opinião do mundo ficará dividida e o sentimento anti-americano se
ampliará. Poderão dominar o mundo pela força, mas, pela simpatia, está difícil.
P.S.: O
HONDURAS
3x0
Na
Copa América de
Já
me acostumei a ver nossa Seleção de futebol ser derrotada. Fato raro
antigamente. Não me abato mais e já consigo assistir às derrotas até o final.
Na
João
Nossos
técnicos saíram daqui e foram para nações praticamente virgens em futebol e
ensinaram-lhes aquele futebol arte. Hoje quem pratica nosso futebol de outrora
são os africanos que já classificaram cinco equipes para a Copa do Mundo de
2002, enquanto nós, professores, estamos capengando na beira da eliminação.
Ficaremos de fora, pela primeira vez, de uma Copa do Mundo?
Fico
espantado ao ouvir o ufanismo de alguns comentaristas, quase a unanimidade:
“Temos a melhor técnica”, “a equipe adversária não tem tradição futebolística”,
“o placar será 4x0”. Isso dito pelos mais modestos. Inventaram que o Alex é
craque. Para mim é o maior “chupa-sangue” dos companheiros. Em outras épocas
nem banco pegaria.
E
tem mais: escalar Walmar, Rockenbach, Guilherme? Só se for para subir o preço
do passe deles no mercado internacional e, na hora da venda, o treinador ou o
Ricardo Teixeira receberem suas comissões.
É
demais. Para quem viu Dino Sani, Gerson, Riva, Pelé, Garrincha, Zico e toda a Seleção
do Telê Santana, dá sono e calo na vista assistir a esses “cabeças de bagres”,
dando trombada no meio do campo, carrinhos escandalosos. Não dá!
Colocaram
um cabeceador dentro da área, mas os alas, laterais e outros bichos não
acertaram um cruzamento sequer para que ele pudesse ser testado. Incrível. Acho
que teremos que naturalizar o Petkovitch ou nos
veremos na repescagem contra o que sobrou da Concacaf.
Não
se assustem. Vão virar a mesa. Copa do Mundo sem o Brasil não faz sentido. O
Havelange ensinou o “jeitinho” brasileiro ao seu sucessor na Fifa. Sem o
Brasil, o número de telespectadores no mundo cairá drasticamente. Como nas
antigas arenas romanas, todos querem ver o leão derrotado. Só que neste caso, o
leão, atualmente, é apenas um gato.
P.S.:
IMPRENSA
Os
mais remotos vestígios de imprensa de que se tem notícia são os amuletos que a imperatriz
Shotoku, do Japão, mandou confeccionar antes do ano 770 de nossa era, dos quais
ainda restam alguns exemplares pelos museus da Europa. Em 1900, numa caverna em
Tunhuang, na China, foi encontrada outra relíquia desta natureza, conhecida
pelo nome de “sutra do diamante”. É o mais antigo livro datado que existe (16-V-868) (sugiro: 16 de maio de 868, é isso mesmo?).
A arte de imprimir
utilizando blocos entalhados é a forma clássica da imprensa chinesa. Entre 971
e 983, foi impresso o Tripitaka, a Bíblia budista, cuja consecução exigiu o
entalhe de nada menos do que 130 mil blocos de madeira.
A
imprensa foi introduzida no Brasil com a corte de D. João VI. O material
gráfico, que pertencia à Secretaria dos Estrangeiros e da Guerra, foi colocado
no porão do navio Medusa pelo conde da Barca, e, posteriormente, instalado em
sua casa. Depois de um ato real, a casa passou a funcionar como Imprensa Régia
e de lá saiu, a 10 de setembro de 1808, o primeiro jornal editado no Brasil, a Gazeta
do Rio de Janeiro, dirigida por frei Tibúrcio José da Rocha. Depois de passar
por várias direções e denominações, sempre porém com caráter oficial, tornou-se
em 1º de janeiro de 1892, o Diário Oficial, que se conhece até hoje.
INDIFERENÇA
Uma
noite dessas, quando entrava na Rádio, às 21h30, fui abordado por um menino,
que devia ter entre dez e doze anos. Com
vários argumentos - não me cabe julgar se falsos ou verdadeiros – pediu-me um
“trocadinho”. A primeira reação – resultado desses anos todos de Brasil patrão,
de “minha empregada”, “meu empregado” em vez de minha auxiliar e meu auxiliar,
palavras menos ásperas e menos discriminatórias - foi de desconforto e
indiferença.
Felizmente, sou uma pessoa que
respeita a cidadania e tenho ouvidos e educação para os meus irmãos menos
favorecidos pela sorte. Caí em mim e dei atenção àquele pequeno ser
desprotegido, talvez pelo pai, pela mãe e pelo Estado, com certeza. Meu dever
não é julgá-lo nem expulsá-lo, mas sim ouvi-lo e acudi-lo. Não quero saber se
mente, do que duvido. Ninguém queira saber o que é pedir, principalmente quando
se pede o que comer. Na minha retina veio a figura do meu filho, na mesma faixa
etária, no lugar daquela criança. Ele que vive brigando para não comer.
Naqueles olhos a súplica cruel de um ser humano aos pés de outro ser humano.
Agindo como um robô, dei-lhe uma ou duas moedas, ao que me agradeceu e saiu sem
perceber que deixara para trás uma verdadeira estátua.
As infalíveis perguntas voltam a
massacrar meu coração. Por que 500 anos de colonização de um país tão rico e
belo produziram 50 milhões de miseráveis? 500 anos não são 500 dias! Um país
que tem mais de 500 deputados federais e mais de 80 senadores com honorários
altíssimos. Para que? Não querem saber se em algum lugar do Brasil existe
alguém morrendo à míngua, de desnutrição e indiferença, quando também estão
entre suas missões, proteger e amparar os descalços e descamisados.
Vai menino! Talvez, um dia, tu serás
presidente da República!
P.S.: Fugindo dos alimentos industrializados,
sobrecarregados de agrotóxicos, a população, que não é idiota, foi se refugiar
nos “produtos da roça”. Pois bem, de uma hora para outra, o mercado se viu infestado
de “ovo caipira” com embalagem, rótulo e filme de PVC, porém, quase não se
distingue a clara da gema de tão pálida que é. Já tem até multinacional
brasileira do ramo de alimentos vendendo “frango caipira”. Parece-me que não podem ser contestados,
afinal de contas, nunca vi uma granja em centro de cidade, por tanto elas estão
todas na roça. Agora, que a diferença é brutal entre o – digamos assim –
legítimo caipira e o caipira de gravata, isto é verdade. O legítimo caipira dá
banho!
LI
Li na rede internacional o seguinte: o assassino do índio pataxó agora
é funcionário federal e ganha 6,6 mil reais por mês. A informação foi publicada
pelo Correio Brasiliense, em 22/12/2002. Sob a manchete “Nomeado com louvor”, a
reportagem contava que Bruno, o rapaz que matou o índio Galdino queimado, foi
libertado, “passou” no concurso público e agora ganha esse salário.
A matéria dava outros detalhes. Contava que Bruno, filho do presidente
do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, fez concurso público para o cargo
de segurança (12 vagas disponíveis; salário de 1,3 mil reais; nível exigido 2º
grau) e ficou em 65º lugar. Depois do resultado, o número de vagas aumentou
para 70. Após 12 dias no cargo, ele foi promovido a dentista do TJDF para
ganhar 6,6 mil. O presidente do Tribunal, o pai, juiz (?!) Edmundo Minervino,
ainda teve a cara-de-pau de afirmar na entrevista: “Não houve ato ilegal
nenhum”.
Depois dessa vergonha toda, nós,
cidadãos brasileiros, perguntamos: se Bruno é tão bom assim, por que não fez
concurso para o cargo de dentista? Por que aumentar o número de vagas
exatamente para 70? Como estão se sentindo as outras pessoas que foram mais bem
colocadas que Bruno no concurso? O que se pode esperar de um país que tem na
sua justiça um juiz federal com esse comportamento? Que julgamento foi esse,
que pena foi essa que o assassino cruel de uma pessoa já cumpriu, já foi solto
e até teve tempo de fazer concurso? Assassinos podem fazer concurso público?
Incrível,
abominável e revoltante.
A
União é o maior, melhor e mais benevolente patrão. Vá um de nós, míseros
mortais, cometer um delito dessa monta e ver o que acontece. No mínimo
apodreceríamos num cárcere até o final de nossos dias.
Infelizmente,
nosso país ainda é o país da “carteirada”. Recentemente, um outro juiz, desses
que julgam nossos atos e deslizes perante a lei, assassinou a sangue frio um
pai de família dentro de um supermercado no Recife. A cena foi toda filmada
pelo circuito interno de televisão. O canalha executou sumariamente um chefe de
família no cumprimento do dever. O desespero do filho da vítima, um menino de
oito anos, foi de cortar o coração. Para esses casos deveria haver um rito
sumário e pena máxima.
Nosso
país é tão interessante que os “insignes” legisladores (aqueles que receberam
aumento de 25% de verba de gabinete, dado pelo gnomo Severino Cavalcanti na
barganha para sua eleição) criam leis que beneficiam delinqüentes, como é o
caso daqueles que têm curso superior e direito a cela separada. Por quê dar
regalia a bandido? Não somos iguais perante a lei?
Enquanto
esses exemplos de impunidade continuarem a prosperar em nossa sociedade nunca
seremos nada.
Levaram
a capital do Brasil para Brasília para que esse bando de ratos pudesse se
lambuzar com o dinheiro público, arrancado, muitas vezes, de uma legião de
trabalhadores que recebem o miserável salário mínimo.
Cuidado!
Tudo tem limite. Brasília hoje está ficando sitiada pelas cidades satélites.
Quem sabe, em breve, teremos uma versão moderna da Queda da Bastilha?
P.S.: Cadê os relógios digitais das
nossas praças?
Vamos mudar o nome da Avenida 31 de Março
para Avenida dos Imigrantes?
FINAL DE SEMANA EM MACAÉ
Depois
das festas comemorativas dos 70 anos do primo Lysis, inconformados com o fim daqueles
momentos de intensa alegria, combinamos a ida até a casa do primo José Geraldo,
em Macaé, cidadela dos Barrosos, naquelas plagas.
Muitas
dificuldades eu teria que superar, tais como locomoção e distância. Não tendo
carro, apelei para minha filha Lia, visto que ela também contém em seu código
genético, alguns cromossomos de seus antepassados Barroso.
Desde
minha separação, nunca mais havia convivido com minha filha por tantas horas.
Criei a expectativa dentro de mim e fiquei na dúvida de qual seria a sua
reação. Foi maravilhosa. Combinamos tudo e na sexta-feira comprei uma passagem para
Belo Horizonte, onde nos encontraríamos. Peguei o ônibus, às 16h, perto de casa
para não ter que ir à Estação Rodoviária.
Quando
o coletivo parou, já veio lotado. Mas eu tinha a passagem na mão e com meus
joelhos em frangalhos, atacados por uma velha artrose que os vem corroendo
desde a juventude, aceitei constrangido que a moça se levantasse para ceder-me
o meu lugar. (Em outras épocas isto seria um acinte.)
A
passageira da poltrona em frente à minha, mais próxima à janela, entabulou uma
conversa com sua amiga que estava na mesma fileira, mas na janela oposta, do
outro lado do corredor. As duas pessoas que serviam de anteparo para aquele diálogo
tão animado reclinaram as poltronas para facilitar o “olho no olho” das duas e
não levar algum perdigoto fortuito em suas ventas.
—
O tio Nerso morreu!
—
Ele tava doente?
—
Não. É que dentro da cabeça da gente tem uma cuinha com um líquido e quando
aquilo entorna dá o tar do derrame.
—
Ah, é? Interessante. Ele tava muito véi?
—
Não, sô, rapava os 80.
Aquilo
foi me deixando aflito. Só uma pessoa estava desconfortável: eu. Então, quem
estava fora de lugar era eu, com meus resquícios de burguês individualista e
egoísta. Se quisesse fazer uma boa
viagem teria que mudar o pensamento. Assim o fiz e passei a admirar aquela
gente modesta com sua maneira simples de viver e conviver com o próximo.
A
situação em que me encontro, morando retirado da cidade, dentro de um espaço de
cinco mil metros quadrados, tornou-me uma pessoa isolada, circunspecta e
reflexiva. Isto é bom para a alma, mas não é bom para a vida prática, pois ao
nos isolarmos, tornamo-nos pessoas desatualizadas e inseguras.
Imaginei
A
tristeza passou longe dali. Aliás, os Barroso têm a característica de não se
lastimarem, pelo contrário, fazem da adversidade motivo para galhofa. Todos já
com suas mazelas pelo avançado da idade, vivendo sem se lamentar, dão boas e
sonoras gargalhadas.
À
noite, fomos
Dali,
fomos arrematar uns chopes no “Marisco”. Sim, porque segundo minha simpática e
querida comadre Cenira, “festa sem chope não é festa”.
Na
comemoração dos 60 anos do Lysis, após tomarmos quase a Escócia toda de whisky,
quando saímos, ela disse:
—
Compadre, festa sem chope não é festa.
Sentamo-nos em uma pizzaria, na
praça da Paz, e nos entupimos de chope. Conclusão: fiquei tão tonto, que
durante a madrugada, cismei que o gaveteiro do impecável guarda-roupa do hotel
Marina, na esquina de Bartolomeu Mitre com Delfim Moreira, no Leblon, o metro
quadrado mais caro do Brasil, era mictório e ali mesmo me aliviei. Que
vergonha! Levantei aflito. Com todas as toalhas do apartamento, enxuguei o que
pude. Com a mala em punho, alegando uma emergência, fechei a conta e bati em
retirada acompanhado de um medo enorme de perceberem aquele acidental
despropósito. Coisas da minha comadre.
No
Marisco
Na
manhã seguinte, juntaram-se a nós meu amigo Carlos Alberto e Ana Lúcia, sua
esposa. Nova emoção. Invadimos a acolhedora casa da Amélia e Alfredo, casal
singular. Simpatia e carinho. Emocionante.
Eu
e Lia já havíamos desalojado seus “pequerruchos”, Tales e Túlio, “meu irmão”,
ao dormirmos em suas camas, e agora, às
dez horas da manhã, nos apossamos da sua cozinha e de seu whisky. Tomei uma
talagada para dar trote ao coração descompassado, no que fui acompanhado pelo
Lysis e Carlos. Em poucos minutos de batalha, o Royal Red Lable havia sucumbido, expondo seu fundo seco.
Segundo o Geo:
—
Só tem “rebocador”! – alusão ao preparo físico da encanecida “rapaziada”.
Daí em diante, o que se viu foi a
repetição do dia anterior: comer, beber e gargalhar. Após horas de trabalho em
volta da mesa, Ana Lúcia, preocupada com o Carlos, alertou-o que teriam que ir
embora. Naquelas alturas, a qualquer distância do bafômetro, ele já estaria
Carlos,
o recalcitrante insistia em ir embora, tonto. Já o conhecia. É o amigo mais
antigo que tenho. Amélia, que pensa em tudo, tratou de colocar sua camioneta
atrás do jipe dele e fechar a garagem.
—
Vou embora.
—
Pois vá. Você está com a chave do carro?
—
Estou.
—
Pois estou com as chaves da garagem, retruquei.
Assunto
encerrado. Barrosão com seu jeito, após algumas considerações maçônicas,
colocou o rapaz em decúbito dorsal na sua confortável cama. Todos exaustos.
Dia seguinte, “dia de branco”.
Levantamos cedo e já encontrei Amélia e Alfredo, prontos para a luta,
despachando o Tales para escola.
Para
toda chegada há sempre uma partida. Macaé me perdoe, voltarei para admirá-la.
Desta vez, os olhos do meu coração estavam voltados exclusivamente para meus
amigos e familiares.
Amamos todos vocês: José Geraldo, Socorro, Amélia, Alfredo e filhos;
Geo, esposa e filhos; Lysis e Cenira; Roberto e Lisia; Carlos Alberto e Ana
Lúcia.
Tenho
Desculpem
o transtorno.
Até
breve.
Aceitem nosso
carinho e admiração,
Pedro e Lia.
MAMÃE
A
A
sábia natureza não discriminou, e estabeleceu: todo ser humano, para existir,
terá que ter mãe. Negros, brancos, amarelos, pobres, ricos e miseráveis têm
direito à mãe, um tesouro natural e uma generosa oferenda da natureza.
Também
tive a minha. Hoje são somente lembranças que guardo na minha memória já
enfumaçada daquela que me embalou e no seu regaço me protegeu do frio.
Ensinou-me os primeiros passos. Preocupou-se em demasia com alguma febre
corriqueira, perdeu noites de sono ao me esperar voltar da boemia altas horas
da noite a fim de me defender com sua benção e eu, abençoado, dormir
Lembro-me
de um dia infeliz em que a fiz chorar por uma discussão banal de adolescente.
Imediatamente lhe pedi perdão, porém me ufano das infinitas vezes em que lhe
provoquei aquele sorriso terno que só as mães possuem.
Não
a tenho mais. Entre as perdas, feridas e cicatrizes que arrasto pela vida, ela
é, sem dúvida, a mais sentida. Ainda a tenho na minha retina, às vezes no
fogão, outras no ferro de engomar ou à frente de seu cavalete de pintura na
sala do casarão em que morávamos, na tradicional cadeira de balanço, traçando
em sua tela o que somente sua ótica de artista percebia e, aos poucos, com as
suas pinceladas, ia dando vida e movimento, aos detalhes do velho cais do
Ver-o-Peso, em Belém do Pará.
De
herança, guardo com todo carinho, emoldurada na minha sala de jantar, uma
dessas telas. Uma pequena lembrança material que vi sendo produzida. Ainda ouço
sua ordem:
—
Filho, compre uma bisnaga de tinta verde da marca Le Franc.
A
imagem esmaecida de minha mãe me acompanha, numa visão de um anjo entre nuvens.
Infelizmente, não a tenho mais. A última imagem que guardo é da figura serena
de seu rosto, rodeado de flores e seu corpo inerte dentro de uma urna funerária
com destino à sua última morada. Para toda chegada haverá sempre uma partida.
Esse desenlace ocorreu numa certa Quinta-Feira Santa! Que ironia! Se eu
soubesse que ao morrer voltaria à sua companhia, certamente anteciparia minha
morte.
MÃE
Já não te tenho mais.
Órfão, sinto-me desprotegido.
Diferente do tempo em que existias.
Eu nada temia.
Não havia perigo nem adversidade que eu não
enfrentasse,
às vezes de forma inconseqüente.
No meu mundo só vida. Morte era coisa dos
outros.
Sabia que ao voltar
para casa, tinha a me esperar a benção e a doçura do meu anjo maternal que
apagava todas as imagens ruins, dos fracassos, das desordens e das orgias
trazidas da rua.
Lembro-me bem do
dia em que deixei minha casa rumo ao Rio de Janeiro, onde disputaria um
campeonato brasileiro de remo.
Minha
demora seria efêmera. Apenas 15 dias.
O coração materno
não se engana. Da forma que me abraçou, comovida entre sentidas lágrimas e
abafados soluços, instintivamente sentia que aquilo era um adeus.
E eu, ainda
inocente, não me dei conta daquele momento.
Era
realmente uma despedida.
Movido pelo ímpeto
da juventude não percebi que deixava para trás, definitivamente, minha querida
mãe.
Até hoje seus
soluços ecoam dentro da minha alma vazia do seu carinho.
Várias
vezes voltei para visitá-la, e ela dizia:
– Voltou a
alegria da minha casa!
Ingênuo,
também não percebia o bem que lhe fazia.
Se tivesse
uma chance hoje, mudaria de atitude.
Deixaria que suas
mãos me afagassem e dormiria junto com ela o sono eterno.
MÃE INÊS
Esse
era o nome da velha mucama que ajudara a criar minha mãe e seus irmãos e também
ajudou a criar a minha geração: eu e mais quatro irmãos. Todos homens.
Mãe
Inês, essa angelical criatura, faz parte das doces lembranças da minha distante
infância, lá pelas bandas de Belém do Pará.
Sua
imagem permanece indelével na minha retina. Negra centenária, pernas arqueadas,
baixinha, com a carapinha esbranquiçada, voz mansa e pausada, recebia de todos
nós de casa, o respeito e o carinho dedicados às pessoas mais caras. Todos lhe
tomavam benção, inclusive minha mãe. Um costume respeitoso que hoje está em desuso.
Oriunda
de escravos — foi escrava de meu avô — quanto sofrimento deveria carregar
naquele generoso coração. Seus ancestrais? Quem seriam? Qual deles teria
resistido ao banzo e gerado aquela criatura maravilhosa.
Morava
conosco. Tinha seu aposento privado dentro do sobrado. Casarão antigo no Largo
da Sé de propriedade da família Barroso, à qual pertencemos.
Quando
me cansava das traquinices de criança, buscava o quartinho da “Mãe Inês”, nunca
sem antes pedir licença. Sentado no chão, ouvia suas histórias, enquanto ela
pitava seu cachimbo. Absorto, envolto nas fantasias produzidas pelos contos
daquela figura ímpar, a vida passava serena e eu não percebia que aquele era o
meu paraíso.
Ninguém
preparava aquelas comidas da culinária paraense com o paladar que tinham as da “Mãe
Inês”.
Nas
grandes festas no sobrado, ela era a mais solicitada. Com todo respeito, um a
um, tiravam-na para dançar. Com sua cabecinha encostada em meu peito, ali
naquele instante, hoje percebo que naquela hora, era ela quem sonhava. Quanto
carinho e quanta saudade da minha querida “Mãe Preta”.
Hoje
estou lembrando dela com mais intensidade devido ao Natal. Família grande,
cozinha imensa. “Mãe Inês”, com sua filha de ajudante, dava conta do recado.
Burlando a austeridade da mamãe, que não deixava nenhum de nós entrar na
cozinha, ela sempre conseguia nos adiantar um pedacinho de seus quitutes.
Vim
Numa
noite de Natal recebi a notícia de que ela havia descansado e suas últimas
palavras: “Adeus, menino Pedro”.
MAMÃE
Mais um ano sem ti.
No dia em que vim ao mundo, na minha
imaginação, transporto-me para aquele momento e vejo minha mãe querida.
Não era bela nem feia, nem rica nem pobre,
era apenas a minha mãe. A mais bela a mais rica e a mais santa. A melhor.
A nossa será sempre a melhor,
inigualável.
Posso ver sua serenidade e seu sorriso de
anjo, sentir sua emoção de ter um filho.
Um filho saudável. Apenas, um filho.
O que eu terei representado para ela naquele
momento? Sinto-me orgulhoso.
Qual dos dois era o mais feliz?
Por seu intermédio vi a luz pela
primeira vez.
Que emoção terei sentido?
Após o parto, me terão colocado deitado junto
ao seu coração para que me desse conta do compasso da vida? Certamente naquele
momento seu coração pulsava forte de emoção por ter seu rebento, ali, em
silêncio, num diálogo que somente os anjos escutaram.
Me vejo, mais tarde, com cabelos loiros
cacheados, os braços roliços estendidos em sua direção a lhe pedir colo, sugar
de seus seios o suco da vida para, em seguida, com a cabeça apoiada em se ombro,
dormir o sono dos inocentes.
Alguns poucos anos a frente, com medo do
escuro da noite, aproximava-me dela, que cochilava. Pedia-lhe que me deixasse
dormir agarrado à suas costas.
Muitas vezes me negava, obedecendo à
determinação de psicólogos, pedagogos e outros mais, que não conhecem nada de
coração de criança. Ou não tiveram mãe ou se esqueceram rapidamente,
concordando com seus compêndios.
Mas, mãe é sempre conivente com os filhos.
Havia noite que ela, obedecendo seu instinto, aquiescia e deixava que eu
desfrutasse daquele doce regalo. Agarrado a ela dormia ao som das trombetas dos
querubins e serafins. Aí eu achava até que existia Papai do Céu.
Nesse clima de paixão recíproca, fomos
vivendo a vida. Não percebia que envelhecíamos.
Um dia levaram-na de mim.
Por quê? Se eu a amava tanto! Não me
consultaram e nem a ela, muito menos. Só porque eu queria dormir agarrado a
ela? Só porque ela me amava? Eu não tinha fortuna, mas aquele era o meu
tesouro.
Por quê? Quantas perguntas sem
resposta.
Não é justo!
Não entendo porque temos que pagar um preço
tão alto por ter vindo ao mundo, se o que temos de mais precioso nos levam.
Mamãe, nunca te esqueci.
Nem que eu viva mil anos tua imagem jamais me
sairá da retina. Fui feliz e me sinto muito mais
feliz por ter te feito feliz.
Não desisti. Ainda te encontrarei.
P.S.: Faleceu Dª Ione, moradora do Bonfim,
mãe de meus amigos Gil, Marcinho e Valdir Gomes e esposa do Seu Jair, a quem devo
inúmeros favores na construção de minha casa. É com profundo pesar que
apresento meus sentimentos à família.
TIA MARIA LUIZA
Envelhecemos
e, desta forma, nossas perdas se tornam mais próximas e mais freqüentes. Não
foi diferente com Tia Maria Luiza que somou mais um pedaço dilacerado em minha
alma.
Não fui surpreendido. As notícias
que recebia eram as de que vinha definhando, lentamente. Nós, sobreviventes,
ficamos com o consolo de quem passou pela vida e cumpriu suas tarefas com
dedicação. Em vida, abraçou uma
das profissões mais nobres, sem dúvida, que é a de ensinar as primeiras letras
e os primeiros passos às crianças e que, certamente, lhes servirão de alicerces
preciosos na jornada de suas vidas.
A
mim, pessoalmente, Tia Maria Luiza me relembra momentos felizes que
permanecerão indeléveis em minha memória, quando sua família ainda não tinha
sido atingida por nenhuma perda precoce, como a do Robson, Paulo Maurício e
Rominho, e a alegria ainda era plena.
Lembro-me
Resta-nos
o consolo de que, sem dúvida, hoje estará entre os bem-aventurados do reino de
Deus. A nós, míseros mortais, resta-nos a terrível sensação do nunca mais.
Muitas vezes temos um pequeno tesouro guardado, uma jóia ou um relicário, que
não usamos diariamente, mas sabemos que ele está ali guardado nos esperando.
Com a morte de um ser querido, a sensação de não o ter nem o ver nunca mais,
entristece-nos profundamente.
O
tempo, reparador de todas as mazelas do mundo, há de dar o consolo àqueles que
hoje choram sua falta.
Meu
abraço afetuoso pela irreparável perda. Sinto-me privilegiado de, em algum
tempo de minha vida, ter pertencido indiretamente, a uma família de pessoas tão
discretas e honradas — o que é uma raridade. Criadas com dificuldades, não se
corromperam com o fausto nem com o consumismo exagerado do mundo moderno.
Quero
deixar aqui meu abraço especial à Tia Beatriz que entre outras coisas boas,
serviu de inspiração para o nome de minha primeira neta. A vida que se renova!
MEMÓRIA
Memória
é essa nossa companheira inseparável, que nos segue ao longo da nossa
trajetória de vida. Às vezes amena, às vezes, severa, porém sempre melancólica e triste. À medida que o tempo passa, nosso arquivo aumenta.
Pensava
Marcel Proust:
—
O mundo é a idéia que cada qual tem dele, e, assim, a vida tem que ser vivida
através da memória, pois só no passado é que se encontra a essência da
personalidade. A memória funde a experiência do passado, que não está morto,
mas apenas em estado latente, e precisa ser reacordado, unindo-se ao presente.
Concordo
plenamente com Proust, e assim é que sempre estou fazendo incursões pelo
labirinto da minha memória em busca de respostas no passado para problemas do
presente. É intuitivo sempre buscarmos lembranças alegres, deixando as mais
tristes em um arquivo separado num cantinho do inconsciente. Todos têm uma
concepção do fato de envelhecer. Eu, particularmente, não tenho dúvida de que o
maior tesouro que levamos no decorrer dos anos é a nossa própria memória, que
alguns preferem chamar de experiência. Por esses meandros, voltei a 1959.
Dia de regata
na baía de Guajará, em Belém do Pará. Festa. A baía enfeitada de pequenas
embarcações engalanadas, decoradas com bandeiras multicores. Nas grandes
barcaças, vindas do Mississipi, propriedade da Port of Pará, impulsionadas por aquelas imensas rodas traseiras,
muito conhecidas nos filmes de New Orleans, se realizavam grandes bailes
durante a realização da regata. Cada clube alugava a sua. Tudo com muito
glamour, com direito ao suave balanço da maré e à brisa vinda do leste. Não
imaginava o que me esperava, naquela manhã festiva.
Minha guarnição de remo, composta
de quatro remadores e um timoneiro, correria dois páreos, sendo que num deles o
troféu vinha sendo disputado havia 19 anos. A posse definitiva só aconteceria
no caso de três vitórias consecutivas, que poderia acontecer naquela manhã. Eu
estreava na posição de voga, aquele que sob a orientação do timoneiro comanda o
ritmo das remadas. Nossa guarnição estava muito bem preparada. Nosso forte era
a remada picada, rápida. Alinhamos. A baía estava revolta. Foi dada a partida e
eu caí num ritmo lento de remada para reservar as forças para o final. Nosso
timoneiro não me orientou corretamente, porém quando percebi que não havia mais
ninguém atrás de nós, alterei o ritmo. Já era tarde. Perdemos o páreo. Foi a
maior decepção da minha vida no esporte. No páreo seguinte, com os mesmos
concorrentes, ganhamos com sobra. De um páreo para o outro já estava mais
maduro. Havia aprendido a lição que minha memória me ensinou.
O
esporte é, sem dúvida, um grande conselheiro. Com ele aprendemos a conviver
pacificamente com sucesso e derrota. Uma parte da minha personalidade e do meu
caráter foi fundida com a prática do esporte, que exigindo muito do físico não
abre espaço para outros caminhos que degeneram a juventude.
MINHA
Hoje
cedo, como é de rotina, abri
Era uma
Nicola
Maria
Aquela
Olhos
Despertar
O
MISERÁVEL
Há
aproximadamente 40 anos, nasceu numa pequena cidade mais um brasileiro, oriundo
de família operária de fábrica de tecidos, batizado com o nome de João Diogo.
Como a maioria de seus conterrâneos, cursou o grupo escolar e parou. Ingressou
na fábrica, casou-se e teve um casal de filhos.
Para
alguns, constituir família é ser feliz e, no caso do João, foi exatamente o
contrário. Com pouco dinheiro, a mulher sempre exigindo além de sua capacidade,
as desavenças começaram. Certo dia foi ameaçado de traição pela própria mulher.
Achando que ela havia chegado ao máximo na sua humilhação, juntou alguns trapos
e saiu de casa. Aí começou sua desdita. Todos os dias ela ia até a porta da
fábrica esperar ele sair e ali, na frente de todos seus colegas, lhe dirigia os
piores impropérios e as piores ofensas.
João
deu
Nada
Ludibriado
—
Não foi isso que assinei.
—
O acordo que o senhor assinou é esse. Vou dar-lhe três dias de prazo, disse-lhe
o oficial de Justiça.
Sem
ter a quem recorrer, sentindo que o único tesouro que tinha, sua própria
liberdade, estava ameaçado, tomou sua decisão. Com as mãos calejadas de
trabalhos árduos pela lida diária, com o dinheiro da passagem para São Paulo no
bolso, com o coração cheio de revolta, foi-se embora, misturar-se aos
descalços, desesperançados, descamisados, delinqüentes ou quem sabe bandidos
daquela metrópole.
Escapou
da
Parece
que desta feita a justiça não foi justa. Jogou um trabalhador miserável para a
marginalidade e para o crime, fruto da sentença de um leguleio.
Enquanto
isso, lá naquela cidade que o João escolheu para tentar a vida, bem pertinho
dele, se discute, se um poderoso magistrado, que roubou cento e tantos milhões
de reais de dinheiro público, é culpado ou inocente; se poderá ser julgado em
liberdade; e outros “ses” mais a seu favor.
Obs.: Os fatos aqui relatados e o personagem
são ficção do autor e caso se encaixem na vida íntima ou pública de qualquer
pessoa é mera coincidência.
MISÉRIA
Ouve-se muito falar em “perversa
concentração de renda”. De fato, em 504 anos de descobrimento (?) do Brasil, a
sociedade dominante conseguiu produzir mais de 55 milhões de brasileiros
miseráveis. Pessoas que, segundo a FAO, a Organização das Nações Unidas para a
Agricultura e Alimentação, sobrevivem com uma renda diária de dois reais.
As conseqüências são desastrosas: aumento
desmesurado da violência, pessoas disputando alimentos com ratos nos lixões,
prostituição infantil e as crianças, cada vez mais, sendo vítimas de
traficantes que as usam como “mulas”, graças à sua imputabilidade penal pela
menoridade.
Há de se refletir. Um pai de
família, após dias, buscando trabalho para ganhar algum dinheiro, chega em casa
exausto, encontra os filhos famintos, clamando por comida. Esse pai miserável,
que não teve oportunidade de se educar e nem certamente seus filhos, não terá
equilíbrio mental para suportar aquela cena. Nessas horas, me parece que o
instinto animal latente no ser humano se sobrepõe a
qualquer resquício de racionalidade e ele passa a lutar com todas as forças e
com todos os meios pela sobrevivência de seus filhotes. É uma lei da natureza.
Desesperado, sairá de casa e voltará à rua em busca de alimento. Aí os meios
justificarão o fim. Seja qual for o preço.
Por que essa barbárie com nossos
irmãos brasileiros? Devido à elevada carga tributária, o governo finge que
arrecada e o empresariado finge que paga. Aí se criou a cultura da sonegação –
até um senador da República, de terno branco, meia branca e alpercata, se não
me falha a memória, Ney Maranhão, afirmou outro dia diante das câmeras de
televisão, em alto e bom som: “Todo brasileiro sonega”.
Ora, aonde vai o dinheiro da
sonegação? Enriquecer (concentrar renda) as famílias dos empresários via caixa
dois. O dinheiro sonegado não pode aparecer. Então compra-se um carrinho aqui,
no nome de um filho; um sitiozinho ali, em nome da mulher; outro no nome da
amante, com direito a uma caminhonete importada; um jatinho; um iate; um
apartamento em Miami; uma conta CC5 (em que não há necessidade de se identificar o correntista?)
etc.
Dinheiro que, se arrecadado, deveria
ser revertido em benefício da população com serviços sociais, saúde,
transporte, educação, saneamento básico e segurança.
Por outro lado, a maioria das
pessoas não gosta de pagar impostos porque não recebe de volta do governo serviços
essenciais satisfatórios e também porque não há controle sobre aquilo que
arrecada, permitindo que se proliferem Nicolaus, Silverinhas etc.
Com uma carga tributária justa e
maior rigor na aplicação do dinheiro público, parece-me que o problema da má
distribuição de renda no Brasil estaria quase que totalmente resolvido. É o que
penso.
PEDRO SALOMÉ
Dentre
os
Está
se tornando
Bom
Naquela
Numa
daquelas noites, encontrei-me
—
Eu adorava
Quando
A
Seu
Adeus, amigo,
PESCARIA
Há
muitos anos, lá pelos idos de 1974, reuni meus amigos que formavam uma turma
grande e nos preparamos para passar um final de semana em um rancho, nas
margens da represa de Camargos.
Perdoando
a já fraca memória, alguns nomes ainda permanecem intactos na minha lembrança:
Salvador (Dodô), Arthur (Leréia), Robenson (Asa Quebrada), Marco Antônio
(Judas), Maurílio (Bolão), Márcio (Parruda), Juarez (Juju), Waldemar (Valente),
Benedito (Bené) e Dunga.
Nos
preparativos, o exagero de sempre. Excesso de tudo, principalmente, cerveja e
pinga.
A
turma era eclética nos hábitos, na instrução e na cultura e, aproveitando a
ocasião, há sempre alguém querendo se sobressair como mais esperto ou o mais
inteligente. Daquela feita não foi diferente. Surgiu logo um “exímio”
cozinheiro que se prontificou a preparar a comida para o resto da turma. O
rapaz era boêmio inveterado e surpreendeu-me a disposição, pois não sabia dos
seus dotes culinários. Conhecia sim sua admiração pelos cariocas com quem
aprendera a tocar cuíca, usar camisa listrada e sapato branco. Um grande amigo
que eu muito admirava. Lá pela décima dose de pinga, disparava a falar “uai”,
“uai”, “uai”... e a passar a mão na nuca arrumando os cabelos e, assim, um
ombro ficava mais alto que o outro, motivo pelo qual foi apelidado de “Asa
Quebrada” ou simplesmente “Asa”. Aquele era o sinal de que já estava no ponto
de bala. Já durante a vigem, por sugestão do próprio Asa, teríamos um frango
com ora-pro-nóbis e, como se sabe, o ora-pro-nóbis é um mato comum em Minas e
dá pendurado em cercas ou barrancos. Argumentei que não tínhamos a tal da erva.
—
Que é isso? Só se eu não fosse mineiro para conhecer ora-pro-nóbis! Deixa
comigo.
Chegamos
ao rancho e imediatamente o Asa foi procurar o ora-pro-nóbis nas cercanias.
Como
todo rancho, era uma casa modesta, de alvenaria, com uma pequena cozinha, sala,
banheiro e um amplo quarto para acomodar muita gente. Descarregamos as coisas e
cada um se ocupou de algum afazer. Uns foram pescar, outros foram beber, outros
conversar em volta da mesa, num animado jogo de truco e eis que chega nosso cozinheiro
parecendo um bicho folharal, tal a quantidade de ora-pro-nóbis que trazia.
Alguém duvidou do mato e tomou uma bronca do Asa.:
—
Que é isso cara? Então eu não conheço ora-pro-nóbis?
Todos
distraídos e o nosso cozinheiro na lida, já mandando seu show de “uais” em
todas as entonações e modulações. Temperou três frangos caipiras que compramos
no Mercado Municipal e começou a fazer o almoço. Numa panela de pedra grande,
derramou azeite extravirgem até cobrir o fundo. Juntou dois dentes de alho
amassados e uma cebola de cabeça picada, um pouco de tempero caseiro e
adicionou aos poucos os pedaços do frango. Pingando água, foi dourando a carne
em fogo alto. Quando os frangos estavam dourados, adicionou algumas batatas
descascadas e mais um pouco de água. No momento em que as batatas estavam
cozidas, com a panela destampada e o molho reduzido, nosso mestre cuca ia
deitar as folhas já lavadas do tal ora-pro-nóbis, quando o Dodô interrompeu,
ajeitando com o dedo indicador os grossos óculos de grau.
—
Peraí! Eu não sou coelho pra comer mato. O meu frango é sem esse tal de
não-sei-o-quê pronobilis!
Mais alguns foram na dele e
comeram só o frango com batatas e arroz branco.
De
fato estava muito gostoso e nosso cozinheiro recebeu os aplausos da galera que
optou pelo frango com batatas.
Em
seguida, o Asa adicionou as folhas do ora-pro-nóbis e pingou algumas gotas de
limão a fim de evitar a baba.
A
turma do baralho, que estava faminta, caiu matando no frango do Asa. Ato
contínuo, só se viu a rapaziada encostando os pratos — aqueles menos íntimos —
e outros cuspindo fora devido ao paladar amargoso produzido pela tal erva, que
de ora-pro-nóbis não tinha nada.
Nosso
Asa, coitado, de cozinha até que entendia, mas de botânica mineira, estava
completamente por fora. Quem se deu bem foi o cachorro do caseiro.
PORQUE
Está
arraigada
—
Isso
é uma
Aí, desembarca aquela
Recebi
uma
“Podemos
1.
O
2.
O
3.
Onde estão as mais modernas fábricas de
4.
O único país do mundo a deter, via Petrobras, a tecnologia
5.
Onde as empresas produtoras de
6.
Exportador de aviões (Embraer) para os
7.
Exemplo mundial no combate à Aids e outras doenças
8.
É o
9.
Solidário, pois numa
10.
Exemplo de eficiência de sistema eleitoral, com votação informatizada em todas
as cidades e apuração total em tempo recorde. Um sistema que impressionou até
os Estados Unidos,
11.
Um
12.
Sede de 14
13.
Um país em que 97,3% das
14.
O segundo maior mercado de
15.
O quinto maior país do mundo em número de linhas de telefone fixo instaladas;
16.
Entre os países em desenvolvimento, o que tem o maior número de empresas
nacionais com certificado de qualidade ISO 9000 (6.890). No México, são apenas
300
17.
É o
Por que
1.
O
2.
O Brasil tem o
3.
As
4.
O Brasil é o
5.
O Brasil é
6.
Apesar de todas as
7.
O
8.
Seu
É, o Brasil é
Bendita seja
Divulgue esta
P.S.: 1. E os
2. Os moradores da
O PRESERVACIONISTA
No
dia cinco de junho, comemorando o Dia do Meio-Ambiente, FHC, entre sorrisos e
sem nenhuma preocupação, pois a CPI da corrupção já fora sepultada e o país
encontra-se às “mil maravilhas”, discursou para uma platéia de governadores e
políticos, que ali estavam com o objetivo de serem beneficiados com uma parcela
de novo financiamento do BID para despoluição de rios e proteção do
meio-ambiente. A fim de disfarçar um pouco a calamidade da falta de energia
elétrica pela qual ele, irresponsavelmente, é o culpado, dirigiu sua
preocupação para a falta de água doce que se abaterá sobre o mundo.
Os
mais otimistas dizem que o estoque de água doce do planeta, terminará dentro de
40 anos. Pois bem, para não dizer que tenho má vontade para com o governo, vou
fazer uma sugestão.
Nosso
conceito de higiene tem que ser revisto. Vamos considerar um exemplo hipotético
a título de ilustração. Sabe-se que cada descarga em um vaso sanitário consome,
em média,
Mas,
se cada pessoa usasse o seu velho e esquecido penico e pela manhã todas elas despejassem
o líquido no vaso e dessem uma só descarga, cada casa economizaria, somente
durante essa noite,
Consideramos
aqui, apenas a parte noturna de pessoas normais, sem contar os grandes
consumidores de chope e cerveja.
O
Brasil está com uma população próxima de 172 milhões de habitantes. O mundo tem
seis bilhões de habitantes. É bem verdade que muitos não têm casa, muito menos
vaso sanitário. Mas poder-se-á fazer uma projeção proporcional. Vou deixar por
conta dos calculistas, pois matemática não é minha praia. Desta forma, tenho
certeza, que estarei contribuindo com FHC e com o futuro da humanidade, resgatando
a utilidade do velho penico com sua vocação preservacionista, já aqui apelidado
de o “Salvador da Pátria”.
Que
esta sugestão não sirva para que empresários inescrupulosos corram atrás do
Sebrae a fim de levantarem empréstimos com a finalidade de montar fábrica de
penicos com dinheiro público, pois penico é coisa rudimentar feita de barro. Na
falta, uma garrafa de plástico descartável faz a vez.
P.S.: 1. Meu amigo Cláudio Salomé, fique
de olho na sugestão, pois o problema está afeto à sua Secretaria de
Meio-Ambiente e na sua fazenda tem barro de boa qualidade, à vontade.
3. Esclareço que não sou eu que estou promovendo esse tal “Apagão”. O cara
lá da corte de Brasília, tem o mesmo nome meu, porém a diferença é brutal em
quilos e
EU TIRARIA – já contou boa parte
dessa história no capítulo DESPERDÍCIO
QUEBRA-MOLAS
Foram
instalados,
A
maneira pela qual os quebra-molas são construídos está totalmente fora das
normas da lei, que determina três metros de largura e na parte mais alta
Se
o quebra-molas é educativo e preserva a vida dos transeuntes, não discuto,
porém, às vezes é inócuo, só atuando nos motoristas prudentes. Os
irresponsáveis e imprudentes não são detidos por nada.
Hoje
existem barreiras inteligentes, como os redutores eletrônicos de velocidade que
não causam nenhum tipo de dano aos veículos. É claro que é mais barato deitar
esses postes no meio da via pública, pois não há dinheiro nem para restabelecer
o funcionamento dos relógios digitais que indicavam também a temperatura e que
hoje representam verdadeiros monumentos ao desleixo na nossa cidade.
Colocar
quebra-molas numa rua esburacada é no mínimo um deboche. Não sei de quem foi a
brilhante idéia de instalar um posto da Polícia Rodoviária em frente ao
aeroporto depois de um trevo. E ainda ridicularizam nossos irmãos lusitanos.
Ali só trafegam veículos regulares, o tráfego proscrito foi jogado para a Rua
Luiz Giarola, via trevo das Águas Santas, e desta forma, até carretas passaram
a transitar por ali com cargas duvidosas. Claro que os infratores da lei, optam
por transitar por ali, visto que não estão sujeitos a nenhum tipo de
fiscalização.
Conclusão:
o asfalto do Nivaldo que era para durar 15 anos, segundo ele, virou uma cratera
só. Não há automóvel que resista a esse tipo de situação. A solução é usar o
transporte coletivo e ficar à mercê de seus horários.
A
pista até o aeroporto está sendo duplicada. Vai ficar muito bonita. Mas, qual
será o objetivo? Fluir o tráfego com maior vazão? Seria uma incoerência
enchê-lo de quebra-molas.
Deixem
as mangueiras onde estão. Servirão como redutoras de velocidade, pois debaixo
delas tem um quebra-molas e ainda enfeitarão a entrada de nossa cidade para
quem vem das bandas de Belo Horizonte.
O
“Brasileiro profissão esperança” está encerrando seu ciclo. Nunca vi tanta
gente andando de cabeça baixa, falando sozinho e reclamando da vida. Sinal dos
tempos.
P.S.: Continuo lulista.
REFLEXÕES
Cheguei
ao
As
Para
Parece
Os
Pelo
Quando
atingimos essa
Raros
Alguns
Tornei-me
Não
cheguei
Hoje
tenho
Olhando
as
ANTIGAMENTE
Era
1967 quando aqui chegamos, eu, Raul e Giovani.
Os dois me convenceram a deixar o
meu querido Leblon, no Rio de Janeiro, onde morava, a duas quadras da praia.
Relutei muito em perder meu fim de semana, fazendo uma viagem a Minas Gerais,
precisamente a São João del-Rei.
Viajamos
à noite, após o encerramento do expediente de nossas repartições. Numa velha
Rural Willys, vinham conosco o nosso inesquecível Arthur Leréia, que voltava
definitivamente do Rio, e o Márcio Cueca.
A
comissão de recepção formada pelos boêmios mais insones, na esquina do Kibon,
não era das mais recomendáveis, pois entre outros existia um trio tétrico, de
arrepiar: Judas, Demônio e João Diabo. De atemorizar o mais destemido dos
valentes.
Um
seminarista que viajava de carona conosco, na hora de ser apresentado ao
Demônio, com ar de terror na face, pálido como uma cera, colocou os dedos
indicadores das mãos em cruz na direção do apresentado e, com passos para trás,
gritou desesperado:
—
Vade retro, Satanás! — e desapareceu em desabalada carreira pelo Beco do Agá.
Pedro
Salomé, Etel, Mafra e
Dali
No
areal, onde funcionaria nossa indústria de extração de quartizita, tinha um
pátio cimentado, onde passamos a produzir um racha da melhor qualidade, apesar
dos conhaques e cervejas ingeridos. Servia como desintoxicante.
No
final, um banho nas águas geladas daquela generosa cachoeira. Pronto. Estavam
repostas nossas energias, e se alguém estivesse embriagado, sarava na hora. Um
bom sono à tarde e à noite, bailes, serestas e bares. Que maravilha era a vida!
Tínhamos a nosso favor a juventude. Éramos superiores às intempéries.
Comercialmente,
no entanto, éramos um fiasco. Nossa indústria sucumbiu diante do nosso
empirismo e da nossa inexperiência.
Nas duas
Na
verdade, naquele período todo, somente duas novas fontes relevantes de empregos
apareceram aqui: a Bozel e a Funrei, mas isto é um outro capítulo.
Quero
dizer, continuando minha
história, que sou são-joanense por opção. Não se
escolhe lugar para nascer, mas para viver e morrer, sim. O título de cidadão
honorário, que muito me honra, me foi entregue em cerimônia na Prefeitura,
pelas mãos do nosso saudoso “Cumpadre Vieira” que, na época, ocupava uma
cadeira na Câmara da nossa cidade. Belenense de nascimento, são-joanense por opção.
No
Clever’s Bar, do José Carlos, eu olhava com admiração e respeito uma rodinha
que todas as manhãs se formava em volta de uma das mesas do bar, para tomar
cafezinho, naquele mesmo horário. Vinagre, Chiquito, Dr. Antônio Reis, Major
Alvim e outros. Na hora do acerto da conta, cada um tirava suas moedinhas do
bolso, na exata. Se algum dos participantes tentasse levar vantagem, havia um
pequeno mal-estar, tudo, porém, dentro da maior educação.
O
tempo passou. Hoje, de certa forma, o lugar deles está sendo ocupado pela minha
turma que envelheceu. Parabéns ao amigo Altamiro Braga e dr. Walter Baccarini
que permanecem fiéis nas suas cadeiras cativas da, hoje, Confeitaria da Vovó.
Sempre que posso sento-me com eles para dois dedinhos de boa prosa.
A
Cantina Calabresa vivia seus dias de glória. Seu Ítalo no balcão, dona Lina
comandando a cozinha, onde produzia jóias da culinária italiana, a ponto do
vice-cônsul da Itália, sr. Umberto Bucci me dizer que na própria Itália não se
comia um caneloni igual ao de dona Lina.
Aos
domingos, tradicional mocotó. Os homens esticavam o aperitivo, esperando pelo
resto da família, para que juntos, no almoço, saboreassem as delícias da
Cantina.
Era
comum, após a missa, ainda de calça curta, Rogério Medeiros Garcia de Lima,
hoje ilustre magistrado, primeiro lugar no concurso para juiz de direito,
atleticano saudável, neto do dr. Garcia, orgulho de nossa cidade, pelas mãos de
dona Laís, ir ao encontro do Tidinho, seu pai, que, com o bom humor que lhe é
próprio, divertia os comensais nas matutinas reuniões dominicais da Cantina.
Domingo na Cantina era uma verdadeira confraternização da sociedade
são-joanense. Todos se conheciam. Os ocupantes de todas as mesas conversavam
entre si como se formassem uma só família. Muito bom!
Obrigado
São João del-Rei, por me haver acolhido. Tudo de proveitoso que produzi na
vida, como meus filhos, meus amigos que amo e meu pequeno patrimônio, foram com
tua aquiescência generosa.
Breve,
mais uma dádiva para mim. Minha primeira neta vem aí. E dá-lhe Nara!
P.S.: Alguém pode me explicar por
que o ICMS sobre as contas de energia elétrica,
TRISTESSE
Estudo
nº 3, op. 10
F. Chopin
Numa
certa tarde plúmbea de São João del-Rei, há muitos anos, quando desci do
apartamento onde morava, em cima do Restaurante Benegas, ali nas proximidades
do antigo Banco de Crédito Real, fui presenteado com a delicadeza de acordes
primorosos de um piano bem tocado, reproduzido por um aparelho de som de
primeira qualidade. Fiquei extasiado. E como não podia ser diferente, movido
pela curiosidade, como se levitasse, cheguei até a loja “O Palácio da Música”.
Não
resisti, entrei e me deparei com uma loja muito bem equipada de aparelhos de
som da mais alta qualidade. Segundo meu amigo Camilo, um sonho de consumo para
nós míseros mortais que circulamos pelo universo dos assalariados.
Fui
recebido pelas simpáticas e eficientes recepcionistas da loja que imediatamente
me apresentaram o proprietário, hoje meu dileto amigo Sílvio Assis, uma pessoa
que conhecia profundamente o produto com o qual trabalhava além de possuir a
sensibilidade de descobrir de que o cliente gosta. Tornei-me seu amigo e
freqüentador assíduo daquele lugar. Qualquer
cidade se envaideceria de possuir uma loja daquele gabarito – e eu estava vindo
do Rio de Janeiro, a Meca da música, com centenas de lojas tradicionais, tais
como a Guitarra de Prata, na Rua da Carioca.
Sua
discoteca era uma das mais famosas de Minas e talvez do Brasil. Lá dávamo-nos
ao luxo de conversar com o célebre maestro Waldir Silva, na época vendedor de
discos da gravadora Odeon, se não me falha a memória. Era difícil a vez que ali
entrava e saía apenas com um LP. Sílvio, como profundo conhecedor, sempre tinha
a melhor oferta para cada gosto e lá comprei uma jóia musical do Pixinguinha,
que meu amigo Cezar (era
mesmo com z?) Faria, pai do Paulinho da Viola, autografou. Guardo o
disco como um tesouro.
Assim
foi que construí minha pequena discoteca. O melhor disco que tenho, foi
sugestão do Sílvio. Conhecedor do meu gosto por árias clássicas, apresentou-me
Óperas do maestro Waldo de los Rios, considerado maldito pelos eruditos por
acrescentar instrumentos musicais à sua orquestra que não constam das
orquestras tradicionais e por modificar o andamento da música clássica para música.
Assim é que até hoje quando quero
chorar de emoção – sim porque chora-se pelos mais diversos motivos, tristeza,
desilusão, raiva, e, no meu caso, por pura emoção – coloco meu velho vinil na “vitrola”
e ouço a execução da ária da ópera Nabucco: Va.
pensiero, de Verdi (conferir grafia, minúsculas e maiúsculas).
Porém,
na vida, nada é definitivo, e o progresso, avassalador, nos transforma em
pessoas saudosistas e melancólicas. Não existe mais o Palácio da Música. Em seu
lugar uma loja reluzente de telefonia celular, que na minha época, soava como
ficção científica.
Ai
de nós se não fosse dona Mazinha, da Cia. Telefônica Sanjoanense, que com
carinho e dedicação, na sua mesa telefônica, colocava as pessoas em contato,
umas com as outras e São João del-Rei com o mundo.
Recentemente,
passando pelo Quatro Cantos, novamente, de longe, ouvi um som semelhante àquele
que ouvira anos atrás na avenida. Não podia ser diferente. Vinha da Casa Assis,
do nosso inestimável Jofre, falecido recentemente e que era irmão do Silvio.
Não resisti, entrei, fui recebido por uma de suas tradicionais atendentes que
me indicou o Sílvio. Ali sentado ao balcão com seu jeitinho peculiar,
selecionando as músicas para o deleite dos transeuntes. Perguntei-lhe pela
majestosa discoteca do Palácio da Música. Apresentou-me o pouco que restava,
apenas uns cinco mil discos, sendo vendidos a preço de feira. Disse-me:
—
Aproveita que semana que vem vou fechar.
Saí
às pressas para não deixar transparecer minha desilusão.
Em casa, envolto nas minhas
recordações, coloquei na minha “vitrola”, numa execução sublime de Pedrinho Mattar,
a valsa Tristesse, de F. Chopin, belo
fundo musical para um epílogo melancólico de uma fase esplendorosa da minha
vida e da minha cidade querida.
P.S.: Nosso irreverente Du Ferreira nos
pregou uma peça.
Isso não se faz, ô Du! Que
sacanagem! Nos privar da tua alegria? Nunca mais vou andar num Mercedes Benz!
Descansa
UFANISMO
“Ó meu Brasil, tão grande e amado/É
meu país idolatrado.”
Naqueles saudosos tempos, quando se
nutria um grande sentimento de amor ao nosso país, o poeta, através dessa
estrofe do samba exaltação — gravado, se não me falha a memória, pelo grande
Francisco Alves, o Rei da Voz, exprimia todo sentimento do nosso povo.
Era o meu “Brasil Brasileiro”,
segundo Ary Barroso na Aquarela do Brasil.
Gente altiva, alegre e laboriosa. O
sentimento de pátria era muito mais aguçado. Incentivado nas escolas, nas
competições esportivas e nos desfiles do dia 7 de Setembro. Os símbolos
pátrios, respeitados e muitas das vezes, idolatrados. Que o digam nossos
gloriosos pracinhas do 11 RI Tiradentes ( sugiro: 11º.
- não é cardinal? - Regimento de Infantaria Tirandentes).
Nosso hino, quando antecedia
competições desportivas no Maracanã, era saudado com todo respeito pelos
torecedores, contritos, de pé e em silêncio (não
cantavam? Se não cantavam, acho que vale repetir: “...em silêncio, ninguém
cantava, por considerar desrespeitoso.” Era isso?). Coisa bonita!
Nosso país merecia respeito. O que
fizeram contigo Brasil?
Era comum,
ao lado de uma mansão de milionário, um casebre de gente pobre. Conviviam em
harmonia, ricos e pobres. Era também comum, o pobre ao lado prestar serviços ao
vizinho milionário e os filhos dos ricos jogavam peladas com os filhos dos
pobres. Nessa convivência, ou intercâmbio cultural, os pobres aprendiam as
manhas dos ricos e vice-versa.
Parece-me que foi um erro confinar a
pobreza em guetos como as favelas e inúmeras Cidades de Deus sem as mínimas
condições sanitárias e urbanas.
Hoje, um
terço da população de nosso país vive abaixo da linha de pobreza
estipulada pela FAO, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e
Agricultura, isto é, pessoas que recebem menos de dois reais por dia. Verdadeiros
miseráveis. Nessa miséria, os cidadãos disputam com ratos, restos de comida nos
lixões.
Brasil,
Apesar da idade, ainda tenho
esperança.
Tu
Ainda
UM SONHO
Despertei.
Dia lindo, prenúncio de outono, manhãs claras. O contorno da serra de São José
de Tiradentes contra o fundo azul de céu límpido é uma paisagem deslumbrante.
Ano passado ela não foi incendiada e, desta forma, agradece com um vergel ameno
e romântico, dando-nos a sensação de que realmente os homens que a depredam,
desta vez, se sensibilizaram. Debalde esse cenário maravilhoso, acordei triste,
reflexo de um sonho que acabara de ter.
Muito além das lembranças, o
sonho é, de fato, o que
Em
certo momento, encontrava-me de mãos dadas com uma moça sem rosto. Luzes de
todos os matizes. A música dolente acrescentava um clima romântico e lascivo.
Nos outros rostos via claramente o excesso de batons e maquilagem naquelas
mulheres que rodopiavam com seus pares ao som de um tango de Gardel. Fumaça de
Naquele
Avante! Devo agradecer aquele
momento de sonho onde minha performance foi marcante com minha parceira sem
rosto. Do irreal para o real, agradecer à mãe natureza por ter me dado o
privilégio de ver, enxergar e poder admirar o lindo dia de hoje, presente,
agora, lógico e real.
P.S.: 1. E os relógios digitais das nossas
praças? Quem os levou? Será que vai ficar por isso mesmo? Que pena!
2. Vamos trocar o nome da Avenida 31 de
Março? Avenida dos Imigrantes, Avenida dos Italianos ou Avenida dos Imigrantes
Italianos? Sugiram.
VERGONHA
Foi
necessário o assassinato de uma cidadã norte-americana para que o governo
brasileiro tomasse alguma providência e atentasse para a questão fundiária no
Estado do Pará. Ali vale tudo.
Em
30 anos, na pesquisa mais recente, já foram assassinados mais de 700 líderes
camponeses, lavradores, mulheres e crianças naquela área. Colonos expulsos de
suas terras por grileiros, verdadeiros chacais inescrupulosos que se alimentam
da carniça miserável dos menos aquinhoados pela sorte.
É
revoltante. Não se imagina o que passa o ser humano naquelas bandas. Meninas
impúberes são arrancadas de suas famílias, negociadas e iniciadas no comércio
prostituído de escravas brancas; homens com as mãos calejadas e faces
embrutecidas pelas intempéries são leiloados como escravos entre
latifundiários, grileiros e donos de paus-de-arara; donas de casa, mães de
famílias são verdadeiras escravas negociadas entre aqueles bandidos para cuidar
dos serviços domésticos. Desta forma, as famílias são destruídas, criando-se
assim a cultura do medo e da revolta.
Até
quando, Catilina? Parece que minha gente está fadada à exploração e ao sofrimento
desde a colonização. Haja vista que no local onde hoje é a cidade de Santarém,
habitava a nação dos Tapajós. Uma civilização que possuía mais de 200 mil vidas
e que, entretanto, foi aniquilada pelos tais colonizadores. E os selvagens eram
os donos da terra!
Das
Está
comprovado: a Amazônia tem um ecossistema frágil. Somente o homem daquela área
sabe como lidar com a grande floresta. A fronteira da floresta está cada vez
mais longe. Lembro-me de que, em 1967, fiz uma viagem em um fusca do Rio de
Janeiro a Belém. De Ceres (onde é isso? Interior fluminense?) a Belém, uma
distância próxima de dois mil quilômetros, a estrada era toda de terra, cortada
no meio daquela imensa floresta. A estrada, muito larga, é uma reta só. Chega a
ser monótona. Pois bem, naquela época, às 17 horas, o leito da estrada já era
uma penumbra, projetada pela sombra das enormes árvores que margeavam a
estrada. Voltei anos depois, lá por 1980, também de automóvel. Que tristeza!
A
floresta desaparecera ao alcance da vista. Em certas áreas, imensos areais
desérticos. Comboios imensos de carretas transportando toras de madeira de
árvores seculares, 24 horas por dia. Dá vontade de chorar. A cobiça de
madeireiros inescrupulosos vai acabar com a floresta. Espero que não morra mais
ninguém, vítima desses famigerados grileiros, e que o governo consiga colocar
esses bandidos na cadeia, que é o seu devido lugar.
VIDA (INACABADO)
No
dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, encontra-se o verbete abaixo:
“Vida
[Do lat. vita] S.f. 1. Conjunto de propriedades e qualidades graças às quais
animais e plantas, ao contrário dos organismos mortos ou da matéria bruta, se
mantêm em contínua atividade, manifestada em funções orgânicas tais como o
metabolismo (2), o crescimento (1) a reação a estímulos, a adaptação ao meio, a
reprodução (1), e outras; existência.”
Há
alguns dias, me pilhei, pensando na carnificina diária que existe no mundo,
exterminando, simplesmente, seres vivos, com objetivo específico de atender ao
apetite voraz do também animal carnívoro chamado homem. São
Fui
me aprofundando naquele melancólico pensamento, tentando entender o ser humano.
Não será isso que incentiva a banalização da vida? O maior tesouro que a
natureza nos dá está definitivamente desprestigiado. Mata-se um semelhante por
motivos irrelevantes.
Na
OUTROS
RUMO À BAHIA
Rey
(
Deliberou
comprar uma Kombi, lotá-la de livros científicos de Direito, muito procurados à
época: Processo Civil, de Carvalho
dos Santos; Direito Penal, de Aníbal
Bruno; Direito Internacional Privado,
de Haroldo Valadão e Direito Romano,
de João Carlos Moreira Alves. Sabia
Levaram
também, uma coleção infantil sobre a história do descobrimento do Brasil. Só
Rey
desempregou o Carlos, tirando-o de
Aliás, o
Desse
tipo que quando sai do quartel nunca mais deixa de cortar o cabelo no estilo
dos militares para deixar transparecer que ainda é um sargentão e impor mais
respeito no trem da Central. Em casa, botava os filhos em forma e lhes dava
ordem unida. Aliás, quando o Hila se apresentava para trabalhar, logo de manhã,
naquela pinta toda, os colegas da agência saudavam-no jocosamente, chamando-o
de Geraldinho, uma alusão ao filho do dono do Banco.
Hila
se deliciava com a gozação dos colegas e retribuía, acenando com o jornal que
sempre trazia dobrado debaixo do braço.
– Bancários, estão satisfeitos ou
têm alguma reivindicação a fazer? Pois façam. Meus funcionários devem trabalhar
contentes.
O
– Salve, bancário antigo! – esse
“
No
dia do pagamento, faziam a alegria das moças dos cabarés da Rua Alice. Em
Era
um salão grande, alcatifado de cortinas de veludo surrado e com vários sofás
distribuídos de forma estratégica para que os fregueses pudessem apreciar todas
as moças ali sentadas confortável e recatadamente. Uma atmosfera muito solene
em se tratando de um prostíbulo.
Hila,
muito tímido nessas ocasiões, quando se deparou com aquela cena, quis recuar.
Normando, o mais antigo, o empurrou para o meio do salão. Tentou dissimular sua
timidez, mas seu rosto o condenou pelo rubor. O restante da turma caiu na pele
dele, enquanto a cafetina apresentava as moças, dissertando sobre suas
aptidões.
Desciam
a
A
A
No
—
Que queres, bancário?
—
Como está a disponibilidade da Mônica, filha menor de Normando? – era uma conta
corrente que ele mantinha como reserva para o futuro de sua filha.
Seguia-se um coro de risadas,
pois a turma já sabia e ficava de olho, só esperando a pergunta do Hila.
—
Bem, chefe, é que depois do ocorrido ontem, me exacerbei, de forma que hoje
estou desprevenido. Será que o amigo não me adiantaria vintão até o final do
mês?
Eram
tempos muito felizes.
Na
Formou-se
Rey havia perdido as esperanças
de
O
primeiro impasse surgiu na hora da compra da Kombi. Rey, sabiamente, foi
Combinaram a
Carlos na
Tudo
bem! A viagem seria cansativa e de fato foi.
O
Numa pequena cidade à margem da
rodovia, fizeram a primeira parada para tomar café. O
Foi uma
Num
Carlos
comentou:
— Hila, essa pinga deve ser
horrível!
—
Após
umas duas horas de viagem:
—Pára!
Pára! Rápido!
Carlos,
assustado, parou de repente, do jeito que deu, pois acostamento? nem sonhar. Rey,
O rasgo
—
Assim não viaja comigo! Tem que trocar de roupa, sapatos e de preferência tomar
um bom banho!
O
homem não era chegado a um chuveiro e foi salvo pelo local. Água ali, naquele
instante, só nas gravuras das coleções infantis que levavam e que mostravam as
caravelas de Colombo descobrindo a América do Norte e não Cabral descobrindo o
Brasil. Eta coleçãozinha
O
Hila assistia àquilo tudo impassível e quando os ânimos se exacerbavam, agia
como mediador, apaziguando as discussões e aturando as idiossincrasias de
ambos. Dois temperamentos fortes e intempestivos. Animava,
— Vamos
De
De
repente, chuva! Carlos acionou o limpador de pára-brisas e seu desempenho foi
sofrível. Quando parou a chuva, Carlos, com muito cuidado, deu uma pressão na
haste do limpador para que a borracha passasse sobre o vidro com mais pressão. O
Hila,
—
Vou fazer um cotovelo no meu.
Chão
e mais chão!
—
Olha um coelho! – disse o Hila.
—
—
Olha, um gavião! – disse o Hila.
—
—
Olha, um jegue! – exclamou o Hila.
– Não é
(Não consegui
uniformizar o tamanho dos travessões)
Decepcionado
com a falta de sorte, pois não reconheceu nenhum dos animais, o Hila silenciou
em seu canto, meio amuado.
Silêncio
De
quando em vez, alguém na beira da estrada pedindo carona. Para
—
Ô Hila, estás
Com
um misto de deboche e raiva, Hila respondeu:
—
É que acabou a fauna do estado da Bahia, só restaram os urubus.
—
Não são urubus, são abutres.
Aí
o assunto encerrou-se definitivamente. Quase que o Hila perdeu a fleuma e
desceu do carro em movimento.
Noite
chegando, hora de parar, tomar um banho, jantar e dormir. Eis que surge um
dormitório à beira da estrada. Pelo adiantado da hora, a prudência recomendava
não arriscar. Era bom ficar por ali mesmo.
Uma
placa anunciava: Temos banho quente.
— Graças a Deus! - murmurou o Carlos.
Após
conversar com a recepcionista, que era também a proprietária, ficaram
entusiasmados com a pousada. As perguntas todas respondidas com entusiásticos
“sim”. Banheiro com água quente? Sanitários limpos? Camas decentes? Boa comida?
Escova
de dente e sabonete na mão, toalha no pescoço, entraram os três no banheiro de
barrado vermelho e cimento liso no piso. A
—
Ô Carlos, desde que tenha água com abundância, não tem problema!
E
o Hila, com todo cuidado, resguardou-se, temendo levar o primeiro jato de água
fria, saiu da reta do cano e aos poucos foi abrindo o registro. A última volta
da rosca do registro totalmente aberto deu passagem a um miserável filete de
água que iniciou com três gotas enferrujadas. O primeiro que falasse alguma
coisa, o Carlos engoliria vivo. Hila, com sua paciência e experiência dos que vêm
do Norte, contemporizou:
—
Carlinhos, com boa vontade dá para tomar banho. Vou te mostrar.
Colocou
o dedo médio da mão direita, na boca do cano, deixando a água escorrer pelo seu
dorso, até sair do outro lado, no dedo médio da mão esquerda.
—
Estás vendo, Carlinhos, dá
Descontrolado,
—
Quero só ver o jantar! – Resmungou entre dentes.
Rey
chegou, sentou-se à
—
Quem foi mesmo esse tal de Epicuro?
Era
o que o homem queria. Sabia tudo de cor como todo mentecapto. Inflamado, se
ajeitou, levantou-se e mandou a verborréia para aquela platéia de descalços:
—
Epicuro foi um filósofo grego do período helenístico-romano. Em
Quase
foi aplaudido, mas como ninguém conhecia aquele candidato, a platéia permaneceu
desconfiadamente
—
Hila, faz favor, chama o raio dessa garçonete!
—
Perfeitamente. Moça faça o favor de vir até aqui!
—
O que temos para o jantar?
—
Temos sarapatel, bucho e pode sair um bife de carne de porco com arroz e
feijão. Antecipou-se o Rey:
—
Não tem salada?
—
Só se for de jiló com cebola e pimentão.
O
ambiente foi ficando tenso. Carlos olhou de soslaio para Hila que lhe respondeu
com um sorriso amarelo. Em seguida, levantou-se, comprou um pacote de bolachas
água e sal e, sem qualquer despedida, retirou-se para o quarto. Rey
contentou-se
—
Moça, traga uma pinga, uma cerveja e um sarapatel!
Os
—
A
—
Nesta pocilga eu não durmo!
Hila,
como sempre muito solícito, interrompeu seu jantar e indagou:
—
O que foi que houve, Carlinhos?
—
Vem cá!
Pegou
o Hila pelo braço e saiu da sala pisando duro. A platéia entreolhou-se sem
entender absolutamente nada. Adentraram o quarto e lá estavam, além de várias
baratas, duas tradicionais camas patentes de solteiro, uma separada da outra, a
uma distância de um palmo, tal a exigüidade do cubículo. Porém o que deixara o
Carlos possesso era a marca do corpo de uma pessoa no colchão e o travesseiro
afundado, denunciando que daquelas camas alguém havia se levantado recentemente.
Não trocaram nem os lençóis e nem as fronhas. Hila não perdeu a oportunidade:
—
Que é isso, Carlos, tu não conheces? Essas são as famosas camas-quentes da Rio-Bahia,
quando um levanta, outro deita. A água do chuveiro não estava quente, porém das
camas não podemos reclamar. Tu interromperes meu jantar só por causa disto?
Faça-me o favor!
Hila voltou para o seu jantar.
Quando entrou no salão deparou a turma com olhar inquisitivo. Entre um sorriso
sem graça, justificou:
—
Não foi nada, não foi nada, pequenos contratempos!
Sentou-se
à mesa e arrematou o resto da comida já fria que mostrava o excesso de azeite
de dendê, deixando as bordas do prato esmaltado tingidas de vermelho.
O
—
E aí, Carlinhos? Tudo bem? A comida estava jóia, tu perdeste.
—
Faço idéia, eu quero é ir embora desta merda! Aqui eu não durmo!
—
Não leva a mal Carlos, estou exausto, disse Hila. Enrolou-se em sua capa de nylon, deitou-se, virou de lado e
roncou. A indignação de Carlos aumentou ainda mais e conjeturou?
—
O Rey está
—
Acorda, acorda! Vamos comigo ao sanitário!
Ainda
meio que dormindo, Hila falou:
—
É uma boa, o sarapatel já está fazendo efeito.
O
sanitário era do lado de fora, no quintal, numa casinha de madeira. Já
conheciam o rumo, pois ao chegar, ainda claro, a dona lhes mostrou de longe.
Era noite, um verdadeiro breu. Via-se naquela direção o bruxulear da luz de uma
lamparina que iluminava a casinha. Naquela escuridão, Carlos pisa no rabo de um
vira-lata que dormia no caminho. O bicho deu um ganido tão alto que deve ter
acordado todos que dormiam. Quase dispensaram o uso da casinha. Por pouco a
encomenda não ficou ali mesmo. Tateando com mais cuidado conseguiram chegar até
lá. Hila empurrou a porta, a cena era cópia fiel do Mundo Cão. Baratas em todos
os cantos, um quadrado de madeira com um buraco no meio, elevava-se do chão a
uns
—
Não dá! Aqui não vai dar!
Hila
desabotoando a
—
Então sai da frente.
Em
seguida ouviu-se um ruído como se fossem duas mãos em forma de conchas, batendo
palmas. Era o sarapatel atingindo o fundo da cloaca.
Finalmente
amanheceu. A noite para o Carlos havia sido um suplício e além de tudo chovera
torrencialmente. Rey insistia
—
Quer saber de uma coisa? Pois bem, toma a chave do carro e faz o que você
quiser!
Sentou-se
no
—
Não vai passar a terceira marcha desta merda?
—
Ih! Tem que passar? Não estamos muito devagar?
—
Claro! A segunda marcha só vai até aí, 40 por hora – falou Carlos.
—
Não pisa no freio desta merda!
O
—
Tira essa imundice de cima de mim! – gritou Carlos impaciente.
Hila
não se conteve e riu baixinho.
—
O
homem ainda pálido não sabia se atendia à ordem do Carlos ou de sua cólica.
Naquele
trecho, estavam levantando o leito da estrada com piçarra, para preparar o
macadame e, com as chuvas da véspera, o trecho parecia uma cobertura de
chocolate. Rey, muito magrinho, arregaçou as
—
Ainda não foi?
O
que se viu a seguir dava para rir e chorar. O gauchão, ferido nos seus brios,
saiu pisando duro sem cerimônia, naquele imenso lodaçal. Não foi muito longe
porque levou o primeiro tombo.
Hila
e Carlos, dentro do carro, sequinhos, com os pés limpinhos, já com a adrenalina
no seu devido lugar, assistiam à cena de camarote. Notava-se no semblante do Carlos
um misto de ira e de glória, como se conjeturasse:
—
Tá vendo, seu idiota! Carro não é para qualquer um e é um risco nas mãos de imperitos
e imprudentes.
Na
verdade, torna-se uma verdadeira máquina de matar. Não fossem os livros estarem
muito bem acondicionados em caixas prensadas a servir de lastro para a Kombi,
certamente esta história não estaria sendo contada, muito menos com essa pitada
de humor.
Na
cabeça do Hila, o conciliador, do tipo que não liga para nada, penalizado,
vendo o Rey naquela situação, arriscou:
—
Carlos, vou ajudar o velho!
—
Não faça isso, deixa ele se virar. Ele não é piloto? Então que se dane!
Hila,
na
—
Ufa! Não foi fácil!
—
Agora, vê se coloca no lugar! Falou o Carlos com toda autoridade.
Nessas
alturas, Hila, que já estava com os pés na lama, fez uma média com o Rey,
ajudando-o a colocar as calotas em seus respectivos lugares.
Na
vida nada é definitivo.
Eis
—
Os moço tão percisano di ajuda?
O
—
Estamos sim moço, faça alguma coisa por nós, que Deus há de lhe ajudar! – Aí o
grande materialista esqueceu-se do seu Epicuro.
—
Moço, eu agradeço a ajuda de Deus, eu tenho três junta de boi, que tira
vosmices dessa enrascada, mas o preço é tanto.
Era
uma quantia soberba. O homem, que era usurário, quase caiu de vez na lama.
—
Dou a metade.
—
Eu completo o resto! – gritou o perdulário Hila.
Chovia.
Rey e Hila aproveitaram para tirar o excesso da lama que se impregnara em seus
corpos.
Decorrida
—
Vai dirigir?
—
Não, não, chega!
Hila
suspirou aliviado. Carlos assumiu o comando e partiram tranqüilos, porém
exaustos. O susto e a tensão deixaram os três extenuados.
O
—
Se fosse o carro que eu escolhi, não estaríamos aqui parados!
—
Provavelmente estaríamos parados ainda, no Rio de Janeiro — respondeu Carlos
furioso.
Aquela
situação o deixava impaciente. Todos envoltos em seus pensamentos, naquela
situação desconfortável, espremidos entre livros num carro enguiçado num lugar
perigoso. Ouviram ao longe um tropel de
—
Precisam de ajuda?
—
Sim, estamos enguiçados.
Manobrou
e parou na traseira da Kombi, de maneira que seu farol iluminava o motor e os
três passageiros.
Desceu
de um fusca, um cidadão atarracado, de bigode vasto e revólver em punho.
—
Estão indo para onde?
—
Itabuna.
—
Vocês mexem com quê?
—
Livros científicos.
—
O que houve com o carro?
—
A polia do dínamo degolou.
O
homem levantou a tampa do motor e, com a luz que vinha do farol de seu carro,
verificou que realmente os três falavam a verdade. Então, o homem
despreveniu-se. Guardou o revólver no coldre e falou:
—
Hoje é o dia de sorte de vocês. Desculpem-me ter descido armado. Esta região é
muito perigosa. Sou viajante de peças e por acaso tenho a peça que necessitam.
A
—
Dá a partida. Acelera.
Beleza,
a lâmpada do painel apagou. Na hora de pagar a conta, o homem não quis receber.
—
Não, de maneira nenhuma, estou direto na estrada e acho que esse é dever de
cada um. Uns ajudando os outros. Assim a vida será mais amena. Só peço que rezem
por mim para que no dia em que eu precisar não me falte ajuda.
Os
Devido ao adiantado da
Aí
caíram na
—
E nós, Carlos? – Sussurrou o Hila.
—
Vai ser difícil. Com esta quantidade de livros!
—
Peraí que dou um jeito.
Metendo
a mão no bolso, Hila dirigiu-se à birosca do posto de gasolina. Um candeeiro
aceso e dois dorminhocos, o frentista, no balcão, e um gato malhado de cinza,
numa caixa de óleo vazia. Entre as teias de aranhas, garrafas com os rótulos
corroídos, Hila distinguiu um de conhaque Dreher. Passou a mão na garrafa,
limpou as teias, pediu uma lata de sardinha, um pouco de farinha e dois copos
emprestados. Carlos e sua
—
Que é que é isso meu amigo? Tá doido?
—
É o jeito, Carlinhos, de mais a mais, êta madrugada fria!
—
É – concordou – já estamos fritos, então vamos nessa.
Com
a sutileza de um mestre de cerimônias, Hila serviu-o. Com a tradicional
chavinha, abriu a lata de sardinha. Com o papel de açougue da farinha fez um
prato, derrubou um punhado de farinha, entornou a sardinha em cima com todo
aquele óleo frio que vem embalando as pobrezinhas e com a mão amassou até dar
consistência de massa. Limpou a mão na flanela do carro e ofereceu ao Carlos:
—
—
Carlos
torceu o nariz, mas estava sem opção. Que fazer? Tomar conhaque puro de barriga
vazia não dá.
—
Ô Hila,
—
—
Carlos, se eu me der bem lá, monto uma editora!
—
Eh, rapaz, nós vamos ficar ricos!
As
horas foram passando, o assunto acabando e os olhos fechando.
—
Amigo a hora é essa. Já vimos o fundo do litro, não tem mais nada – Hila entrou
por cima dos livros ficando quase com o nariz esbarrando no teto. Carlos fez
uma arrumação nas caixas e dormiu meio sentado, meio deitado. Após um litro de
conhaque pareciam num hotel de luxo.
Acordaram,
moídos,
—
Vamos moçada! Tá na hora!
Carlos
e Hila quiseram morrer. Não fazia muito tempo que pegaram no sono. Se alguém
falasse em sardinha, levaria um tiro. No banheiro do posto, lavaram a cara
escovaram os dentes em profundo silêncio. Hila olhou no pedaço de espelho à sua
frente. Entranhados em seu bigode, alguns grãos de farinha fizeram-no lembrar a
noite anterior. Quase volta tudo.
—
Me dá um refrigerante!
—
Dois!
Beberam,
pagaram e saíram.
Embarcaram, o Rey no
—
O que vocês arrumaram?
—
Coincidência, uma pequena indisposição. Deve ter sido o refrigerante lá do
posto.
Daquele
dia em diante, os dois sentem-se mareados até quando vêem anúncio de sardinhas.
Finalmente
chegaram a Itabuna, cidade
Recepcionados
Acomodaram-se
—
Duas
—
Isso é que é comida! Até que enfim acertamos!
Naquela
refeição, já se fez sentir a presença do azeite de dendê, muito saboroso, mas
também perigoso para quem não tem intimidade com ele.
Após
o
Hila
e Carlos eram
No
—
Ih! O azeite de dendê está começando a fazer efeito!
Humor
nunca foi o forte do Carlos, nessa situação, então, nem é bom pensar. Hila
pisava em ovos para não provocar o companheiro. Numa das idas à pia para
urinar, tomou um esporro:
—
Não estás vendo que isso aí é para lavar o rosto e não para urinar? Onde está
tua higiene?
—
Calma, Carlos, os engenheiros projetaram esta pia, já pensando em quebrar o
galho dos viajantes. Podes ver que a altura está fora das normas da ABNT, ela
está um pouco mais baixa, exatamente para não sacrificar e nem discriminar os
baixinhos. Tem muita gente boa que usa esse recurso como, por exemplo, o Stanislaw
Ponte Preta, o homem das “certinhas”. E ele não é pé-duro, é gente fina da
alta. Mas não seja por isso, a próxima mijada vai ser pela janela.
Virou-se para o lado e dormiu.
Aí, começou o cano da dita pia a gargarejar. Nunca se viu isso. Parecia
propaganda do Anapion. Não parava um minuto. Hila pensou:
—
Era uma
Carlos
levantou-se transtornado, passou a
Carlos,
—
O Carlos precisa de você lá em cima.
Foi
até a Estação Rodoviária pegou um coletivo para São Jorge dos Ilhéus e foi
visitar uns parentes, deixando o problema para trás. Quando o Rey entrou no
quarto e viu aquela bagunça, entrou
—
O que aconteceu por aqui?
Quase
que levou uma dentada do Carlos, que por fim respondeu entre dentes:
—
Um acidente. Tropecei na cama e quebrei a pia. Pode deixar que eu pago esta
merda.
Rey
podia
Hila
voltou à
—
Vou chegar àquela cidade e os assassinos pensarão que vim para vingar a morte
de meu primo, devo me resguardar e precaver-me. Vou comprar um revólver!
Carlos,
cético, ponderou:
—
Que é isso rapaz? Comprar revólver? Tu não és nenhum pistoleiro. Vais ficar
andando armado com a gente? Isso é crime. Não faz isso.
—
Não, Carlinhos, tenho
—
Então faz o que tu quiseres. Não enche o saco. Esse troço vai ser uma dor de
cabeça a mais, ouve o que estou te dizendo.
—
Deixa comigo.
Hila
sabia
—
Agora tô berrado, qualquer coisa, meto fogo!
Carlos
meneava a cabeça negativamente.
—
Tu és doido.
Rey
Na
Rey pediu ao Hila
—
Não, não foi nada – e às pressas saiu de cena.
O
Hila,
—
Desculpe, desculpe, a
Rey
bufava.
Carlos
e Hila eram conjurados, coniventes, amadrinhados e debochados. Eram jovens e queriam
viver. Viver intensamente a suas maneiras. Entreolharam-se:
—
Ao Vesúvio!
Aliás,
quando ainda no Rio de Janeiro traçaram o roteiro da viagem, estabelecendo uma
estada
Com a
—
Por favor, as senhoritas moram aqui?
—
Sim, moramos!
—
Não gostariam de nos fazer companhia? Somos viajantes não conhecemos nada por
aqui. Gostaríamos que nos mostrassem a cidade. Não querem se sentar conosco?
Com
toda a simpatia as moças aquiesceram ao convite.
—
Como se chamam?
—
Rosa e Camélia.
—
Não poderia ser diferente, duas lindas flores de tão suave perfume, chegaram
para enfeitar nossos jardins — romanceou o Hila.
Os
Displicentemente
as duas tiraram os
Beijos,
Os
Exaustas,
jogaram-se
—
Essa mulhé que tá contigo é minha – falou um dos mulatos apontando para o Hila.
Hila
era um diplomata, mas em situações iguais àquelas se transtornava e virava o
demônio.
—
Tua uma merda! Ela pode ser tua outra hora. Agora ela está comigo, é minha e
ninguém põe a mão.
O
cara deu um passo para trás e sacou de debaixo da camisa o que eles chamam de
peixeira, disciplina ou lambedeira, de aproximadamente um palmo de lâmina.
Hila, acostumado
—
Joga a merda dessa faca no chão e ponham as mãos na cabeça! Carlinhos, revista
esses filhos da puta.
Carlos
pegou a
—
Agora é pra correr. Sumam daqui, sem olhar para trás.
Manda
quem pode, obedece quem tem juízo. Os dois bateram em retirada.
Depois
daquele exaustivo exercício sexual, a adrenalina do susto serviu para repor as
energias. Pegaram a Kombi
—
Se pegarmos uma gonorréia, corro o risco de levar doença venérea para minha
casa! – meditava o Carlos.
Hila,
com o mesmo receio, lembrou-se do Benzetacil de 1.200
mil unidades. Ainda um pouco ofegante, ruminava o ódio daqueles dois
temerários que tentaram interromper seu idílio. Com a autoridade de um xerife,
entrou na conversa das duas:
—
Os caras são cafetões de vocês? Recomendem para que respeitem homem, senão a
qualquer hora, vão amanhecer com a boca cheia de formigas.
—
Nada! Cafetão porra nenhuma. Me comeu uma vez, agora acha que é meu dono.
Vira
à direita, dobra à esquerda e naquele portão verde, único acesso a uma modesta
moradia de quatro cômodos, sem reboco, dependurada numa pirambeira:
—
É aqui que moramos!
Deixaram
as moças, deram-lhes uns trocados e beijinhos de despedidas. Uma
—
Vocês não tem juízo nem responsabilidade!
—
Temos sim. Não deixamos as mulheres na rua. Deixamos as duas em suas casas.
Fomos até muito cavalheiros — disse o Carlos.
—
Além do mais, salvamos duas inocentes senhoritas de serem estupradas por dois
marginais — emendou o Hila.
—
É
—
A
vida não é só farra e prazeres. Tem que se ganhar o pão. Dia de branco, foram os três cumprir seu ofício.
Somente Carlos se saía bem. Entrou no grupo escolar. Pediu licença, parou a
aula e caprichou na apresentação daquela coleção infantil. A única coisa que
ela possuía de interessante e que chamava a atenção, eram as ilustrações feitas
com esmero, num colorido vivo, em papel de primeira qualidade e encadernação
perfeita, resultando numa bela obra. Formato 60x40 cm, de capa dura, uma
beleza, com o “detalhe” da péssima História dos Descobrimentos.
A
À
—
Vamos exercitar nossa pontaria?
—
Olha, isso é perigoso, se algum policial nos pega vai dar um bode danado!
—
Que nada, aqui não tem ninguém.
—
Então vamos — concordou o Carlos, para não ser desmancha prazeres.
Pegaram
—
Demos sorte, Carlinhos! – murmurou o Hila — Pelo serviço prestado, valeu o
preço pago. Vamos embora.
Dentro
do carro, Carlos, volta e meia, quando se lembrava da performance do revólver,
disparava uma sonora gargalhada. Pararam
—
Carlos, vamos lá? Pode ser que renda alguma coisa.
Carlos
não enjeitava uma parada. Lá foram os
O
Tateando,
sentaram-se a uma
—
Os cavalheiros vão tomar o quê?
—
Uma cerveja. E dois copos.
—
Temos também umas meninas! Se quiserem...
—
Manda duas, não somos homens de beber sozinhos.
Chegaram
e sentaram-se à mesa, duas silhuetas de mulher.
—
Mais dois copos.
Em
poucos minutos estavam os quatro dançando, rosto colado e fervendo de tesão.
Sentaram-se, poucas palavras e muitas ações. Por sob a mesa o pau comeu.
Braguilha desabotoada, penis erectus,
o sexo oral se fez presente. De repente, Hila perguntou:
—
Onde é o banheiro?
—
Ali, próximo à entrada – respondeu uma das fêmeas.
Hila
cutucou o Carlos
—
Carlos, essas porras
—
Não brinca! Já estava desconfiado! – disse - Pois fui enfiar o dedo na xuranha
da nêga e encontrei uma tremenda mandioca. Vamos nos mandar.
Na
—
Inocentemente o
Os
veados, interessados
—
Pega os playboys, eles estão fugindo sem pagar!
Os
—
Um monstro de um cachorro nos botou para correr. A propósito, assim que o dia
clarear, nos acorde e feche a conta que vamos partir.
—
Carlos é contigo! – disse o Hila.
—
Tudo tem que ser eu?
—
É lógico, tu já és genro e eu não sou nada. De mais a mais tu és bom de
argumento.
—
Rey
—
O que houve?
—
Temos que ir embora agora.
—
Mas, por quê?
—
Estivemos conversando com uma professora e ela falou que os pais vão devolver
aquelas coleções que nós vendemos.
O homem que não gostava que
mexessem no seu bolso, de um pulo só já estava pronto para viajar.
—
É besta! Depois de tanto sacrifício? Vamos embora agora!
Sem
perguntar pelo café da manhã, colocou seu repositório dentro do carro, pagou a
conta do hotel e adeus São Jorge dos Ilhéus. Rey nunca soube o verdadeiro
motivo daquela acelerada retirada.
De
—
Vou pegar um cinema.
Dirigiu-se
à Baixa do Sapateiro e, sem saber de nada, comprou o ingresso para assistir O
Retrato de Dorian Gray. O
O
Hila
—
Ai, ai, larga meu pau!
Acenderam
a
—
O que está acontecendo aqui?
Hila
franzindo o sobrolho,
—
Não se pode assistir ao filme sossegado que este tipo asqueroso vem importunar
a gente! Vou chamar a polícia!
—
Não doutor, não se avexe! Vamos resolver na paz!
O
lanterninha pegou o cara pelo cangote e, debaixo de uma tremenda vaia e
gargalhadas de ironia, sentou-lhe um ponta-pé na bunda e atirou-o no meio da
rua JJ Seabra. Apagadas as luzes, Hila saiu sorrateiramente. Mesmo assim foi
seguido até o hotel por uma outra gazela, que foi até bater na porta do quarto.
Hila, com receio de ser algum amigo do cara do cinema que viesse tirar
satisfação, não teve dúvida. Pegou o revólver entupido, abriu a porta de
repente, enfiou o cano no peito do cara, arrancando até pedaço de pele, e
perguntou:
—
Que é que foi? Se manda se não quiser levar um tiro na bunda.
A
Bateram
à porta do apartamento do Hila.
—
Pois não?
—
O que houve?
—
De que estão falando?
—
Deste cidadão caído aqui no chão?
—
Onde? Ah! Não sei. Deve ter se sentido mal.
E
a bicha voltando a si:
—
Credo! Malvado!
Escafedeu-se
deixando o pessoal do hotel sem saber o que aconteceu.
Chegam
Carlos e Rey.
—
Que tal, boas notícias da família?
—
—
Deixa vir – exclamou o Carlos – eles não vão nos proibir de vender nossos
livros, vão?
—
Se os livros tivessem capas verdes, correríamos o risco de ficar sem eles,
poderiam pensar que se tratasse de alfafa — ironizou o Hila.
—
Vou dormir – disse o Rey.
—
Boa noite – responderam os dois em uníssono.
Carlos
—
Meu Deus! Uma nova edição de Marta Rocha. Muita areia para o meu caminhão —
pensou Hila.
Carícias,
De
volta ao convívio com os demais colegas, com o olhar no chão, os dois,
desconfiados com as faces ligeiramente ruborizadas, retomaram o rumo da
conversa até que os batimentos cardíacos voltassem ao normal. Romeu, um
simpático bacharel baiano, ainda deu uma gozada no Hila, que, sem graça,
retribuiu com um sorriso de soslaio.
Rey
—
Ô sogro, como estão as vendas? – inquiriu Hila num tom de velado deboche.
Arrumando
a garganta, testa franzida, óculos de grau torto nas ventas, semblante sisudo,
com os dedos polegares apoiados no suspensório preso ao cós da calça, numa
atitude acintosa, respondeu:
—
Eu e Carlos estamos vendendo muito bem! – deixando nas entrelinhas o Hila de
fora.
—
Imaginei.
O
Nessas
ocasiões, a
Hora
do almoço. Hila e Carlos recolheram os livros depositados em um estande montado
caprichosamente pelo Carlos. Arrumaram direitinho dentro da Kombi e convidaram
Deusa para fazer companhia e ciceroneá-los no almoço.
—
Tenho que avisar mamãe! Vou telefonar! – palavras de Deusa.
—
Traga uma amiga para fazer companhia ao Carlos! – disse Hila.
E
assim foram os quatro, incluindo Laura, a amiga que Deusa trouxera para fazer
companhia ao Carlos. Nas apresentações, Hila ficou estático diante daquela
deslumbrante beleza. Foi preciso que Deusa o cutucasse para que voltasse à
realidade.
Carlos
nadou de
Cúmplices
dessa
Por
As
No
Apesar
da
Os
Por
Os
Aí
resolveram
Após
o
Como
E
Passaram-se
—
Não fico aqui mais nem um dia. Acabei de telefonar para casa, não consegui e as
notícias do rádio são as piores possíveis. Dizem que transformaram o Rio numa
praça de guerra. Vou embora.
De
—
Você está escondendo o quê? Está com medo de quê? Porque esse amarelão?
Revistem o carro! – ordenou.
—
Nada não, senhor, estou pálido assim porque sofro do fígado. Comi um acarajé
que não me fez bem — respondeu Hila ao oficial, que não lhe tirava os olhos.
Enquanto
os soldados rasgavam as caixas de livros para procurar algum exemplar marxista,
embora a maioria não soubesse ler, Carlos de forma ladina tentava amenizar a
tensão:
—
Houve alguma coisa? Porque o bloqueio da estrada?
—
É que nos estamos em plena revolução e aí mais à frente vai um comboio de
prisioneiros. Retornem e aguardem a estrada ser liberada! — disse o oficial.
Tratava-se
de presos “perigosíssimos”. Membros da Aliança Camponesa dos Miseráveis, sem
terra, sem teto, sem comida e sem nada. Foram dominados sem resistência, pois
os poucos que se mantinham de pé foram derrubados por uma repentina lufada de
vento que passou por aqueles confins. Manifestaram-se contrários aos princípios
revolucionários de combate à corrupção e à pouca-vergonha dos políticos no
Brasil. Deu no
Dali
a duas
O
Seguiram
Direto à
Carlos
voltou
Hila,
Deprimido,
desempregado e devendo,
O
Via Western telegrafou
—
Da outra vez, se houver, e espero que não haja, antes de macular a honra
alheia, aja com mais retidão. Está aqui o dinheiro do adiantamento da viagem,
faça bom uso. Agora quero minha comissão!
O
usurário pulou no pacote de dinheiro e saiu da cozinha onde se encontravam e
não deu resposta ao anseio do Hila, que fez bonito para a namorada, assistente
muda daquela cena insólita. Era um momento difícil, mas Hila era um destemido.
Não ligava para nada, não tinha medo de nada e já estava contaminado pela magia
do Rio de Janeiro.
Morava
Nas
Hila
tirava aquilo de letra. Morava no Leblon a duas quadras da praia. Privilégio de
poucos. Certo dia, quando já estava empregado como bancário, sua tia lhe disse:
—
Hila, terás que arranjar outro lugar para morar, porque o teu primo está vindo
com a mulher da base de Natal, passar as férias comigo. Tu sabes como é. Eles
são recém-casados, ela muito bonita e tu solteiro...
Hila
entendeu tudo que ela quisera dizer nas entrelinhas.
—
Não tem problema, tenho onde ficar!
Quando
chegou a família, o Hila foi defenestrado de seus aposentos. Não falou
Certa
noite, em vez de
—
Esse aí não. Esse é dos nossos!
Hila
—
Vamos para casa!
Hila
não esboçou nenhuma reação contrária, porém queria morrer ali, naquele
instante. O que ele mais detestava estava acontecendo naquele momento,
importunar as pessoas. Tirar dr. Miguel de sua casa àquela hora da noite. Isso
era demais.
—
Um dos meus filhos também está fora de casa. Não gostaria de saber que está
dormindo em banco de jardim – completou dr. Miguel.
Paulo
era realmente um companheiro inseparável do Hila. Trabalhavam juntos no mesmo
Banco e, à tarde, na hora de sair, Paulo ia levar sua namorada a Cascadura e
Hila o esperava no botequim de um simpático casal de portugueses, na rua Dias
Ferreira. Enquanto Paulo não chegasse, Hila não entrava em casa para dormir.
Era o primeiro a levantar-se, arrumava a cama e, enquanto os outros dormiam,
timidamente se retirava para não ser uma carga a mais no café da manhã de dr.
Miguel.
Certa
noite, Paulo atrasou-se. Chegou às duas horas da madrugada, encharcado.
Problemas com o trem. Teve que descer no meio da linha, pular o muro para
conseguir uma lotação que o levasse até a Central do Brasil e dali um outro
para levá-lo até o Leblon. O gentil casal de lusitanos só fechou o bar após a
chegada do Paulo, com pesar de deixar o Hila na chuva do lado de fora. General
Artigas com Dias Ferreira era o endereço daquele singelo botequim. Quando
chegavam juntos ao bar, aquela simpática senhora anunciava:
—
Chegaram os dois amigos!
Naquela
época havia mais respeito e mais carinho com o ser humano. As pessoas se
reverenciavam mais, se abraçavam mais, sorriam mais. A vida era mais simples,
mais amena e os muros mais baixos. Drogado era aquele que fumava maconha, hoje
humilhada em relação às outras drogas pesadas como cocaína, heroína, crack e
artanhas. (também não
encontrei essa palavra, será que se escreve assim mesmo?)
Os
Os
Os
bondes voltavam do Bar Vinte no final de Ipanema. Ali os trilhos faziam um
círculo e eles podiam retornar. Na pausa de fim de linha, o motorneiro e o
trocador iam até o bar tomar uma média com pão e manteiga e deixavam a lança
ativa, isto é, encostada nos cabos de transmissão de força, deste modo, o bonde
continuava pronto para ser operado.
A
Quando
o bonde chegava ao Edifício dos Jornalistas, a turma parava o bonde e corria
para trás dos prédios, onde se localizava a birosca do “Haroldo Treme-Treme”.
Era uma alegria para rapaziada ver a cara de desespero dos dois trabalhadores
da Light. No dia seguinte, a manchete dos jornais: “Bonde roubado no Jardim de
Alá”.
O
Morador
do
Os
lambretistas apavorados metiam o
Determinada
Foram
Naquela
Aí começou uma
—
Porra, tu enches o saco! Queres meter, não é? Então deita aí – disse Pedro,
apontando para a areia.
Com
a prática que Deus lhe deu, em segundos lá estava ela de pernas arreganhadas,
pronta para o coito, pois a calcinha não fazia parte da sua indumentária. Pedro
desceu suas calças e a cueca duma vez e montou naquela figura que parecia mais
um gafanhoto gigante e queixudo.
—
Mas que merdaaaa! Tu és uma merdaaa! Falava em voz alta o Pedro para que toda a
turma que rodeava o casal, fazendo parede, às gargalhadas, aplaudisse aquela
cena bizarra.
—
Não ri! Concentra na trepada! Suplicava a sedutora na ânsia do orgasmo.
O
—
Tu és uma merrrrrrrrdaaa!
Que
deselegância!
Era
Todas
as
—
Vamos
Um
berro só e a rapaziada se retirava, atendendo ao pedido do querido Vasco. Em
noites normais, chegava e participava do assunto com a moçada. Boa cabeça e boa
alma.
A
Um
Naquela
O
Os
A
Masque se adaptara
Regressou
às 16
O
—
Chi..., se
Dali
foi progredindo, passou a
Quando
a
De
Os
O
Garden, a
O
Os
Na
Dela
participava
Numa
daquelas
—
Deusa (
Numa
sexta-feira chuvosa, como de costume, Masque tomava seu conhaque sossegado com
sua turma na mesa do botequim de seu Antonio, quando pela primeira vez
encontrou Nerthan, irmão de Thompson, apreciador de conhaque com mel e também
um bom acompanhador com violão.
Tinha
—
Deixo aqui meu violão para marcar minha presença e é aquilo a que mais amo
depois de você!
Masque
não gostou daquela decisão.
—
Poxa, logo o violão?
Arranjaram
Cantaram,
tocaram e beberam
A
vida alegre passava embalada pela banda de Ray
Conif. Não era somente farra e boemia, existia também o espaço para a prática
do esporte. Na
Ela
tinha uma peculiaridade: as
Esse
procedimento do Flávio
Porte
privilegiado, boa
Percebendo
a boa
Assim
foi
—
Dr. Evaristo, desculpe o sacrilégio! — colocando, em seguida, o copo de bebida
junto às imagens, executou tranqüilo seu instrumento.
O
riso foi geral.
A
rede de vôlei, nos finais de semana, era o ponto de encontro dessa turma tão
heterogênea. Havia todo tipo de profissão, desde advogados até clientes
meliantes. Flávio dizia que se algum psiquiatra quisesse defender uma tese
sobre o comportamento dos freqüentadores daquela rede, certamente rasgaria seu
diploma.
O
Quando
a
Maneco
também provocava. Paraense de
Estrada,
de
Dória, Pinga, Maurício, Aleixo,
Fofô, Reubem, Carlinhos, Marino, Pedro Padre, Cumpadre, Sargento, Gaúcho, Duah,
Mazô, Mamado e muitos outros completavam a turma.
Numa
dessas
—
Me dá uma média com pão e manteiga.
Alguém
perguntou espantado:
—
Que é isso, Rud, café com pão e manteiga?
—
É lógico. Para começar o dia que está amanhecendo não tem coisa melhor.
Foi
motivo de boas gargalhadas. Rud achou que já tinha dormido uma noite inteira e
o dia estava amanhecendo.
Aquela
Numa dessas
A
vida passou, Masque envelheceu. Uma tarde caiu em si, e quando conversava na
esquina, percebeu que a platéia era de meninos de menos de 17 anos. Estava na
hora de mudar de vida, constituir família. E assim o fez, mudando-se
definitivamente para Minas.
Pai, não se se vc quer mudar ou se prefere deixar assim, mas
a história Rumo à Bahia começa com Hila e termina com Masque.
CASA
VELHA
Há
um ano, voltei a te ver. Tomei coragem, com os passos titubeantes, trêmulos de
emoção, passei pela pequena ponte de madeira, alcancei a cerca de acapu e
velhos frechais de maçaranduba, que ainda teimam em te proteger. O velho
coqueiro, à direita do portão de entrada, continua como uma sentinela
altaneira, mantendo a guarda e saudando com suas palmas aqueles que adentram
pelo Sítio Pindorama.
Derramei
o olhar naquele bucólico bosque e no meio dele lá estavas tu, com toda
singeleza à espera de teus hóspedes que enchiam outrora teu interior e hoje já
são tão raros.
Senti
teu afetuoso abraço quando galguei a pequena escada de madeira que dá acesso à
grande varanda lateral, adornada de bougainvíllea de várias tonalidades.
Um
turbilhão de lembranças tomou conta de mim. A presença de todos que faziam
nossa felicidade e já partiram se fez sentir.
Nesse
instante, desabou a costumeira chuva tropical da tarde. Por entre a fresta de
alguma telha rachada, senti tuas lágrimas gotejarem no chão de madeira, como se
fossem tributos à minha presença de filho, retornando após tantos anos de
ausência.
O
quintal de chão batido cuidado com esmero pelo papai, abrigava um variado pomar
das frutas nativas do Pará: sapotizeiros, ingazeiros, jatobás, abieiros,
mangueiras, goiabeiras, açaizeiros, jaqueiras, cupuaçus, uxis, piquizeiros,
bacurizeiros, cajueiros, seringueira, pupunheira, abricoteiros, cutitiribás,
sorveiras e até um velho pé de pajurá faziam a alegria dos adultos e
especialmente da criançada.
Lembrei-me
do dia de Natal, quando eu e meu irmão ganhamos do Papai Noel dois carrinhos de
mão feitos de madeira. Ficamos exultantes com os presentes e, sob as ordens da
mamãe, catamos folhas secas e gravetos para fazermos nossas fogueirinhas. Hoje
percebo que participamos, com entusiasmo e alegria, sem perceber, da manutenção
impecável do terreiro.
Ah,
Casa Velha, aproveito do teu regaço, o único que me resta, para chorar minhas
mágoas. Corri mundo. Fui vencedor e perdedor. Usei o mundo, fui pródigo na
gastança da vida, chorei escondido, sorri abertamente para que todos
desfrutassem da minha alegria e não me evitassem pelas minhas tristezas.
Sentado
na varanda, no teu interior, na
O
vento geral, vindo do rumo da Ilha de Marajó, entremeado de salpicos de chuva,
nos refresca. Querida Casa Velha! A centenária e frondosa mangueira à tua
frente, que me viu crescer, continua a te proteger do sol e da chuva. Agora o
vento aumentou e a baía está revolta. Aqueles que saíram de manhã para buscar o
peixe terão que ter cautela. Talvez tenham que baixar a vela e esperar o geral
amainar. Se Deus quiser, todos voltarão. Não
repetirão, entre outros, Adamor, Crisóstomo e Chico, membros da mesma
tripulação, que deixaram mulheres e filhos órfãos, chorando na beira da praia,
na tarde em que sua canoa não mais aportou à praia. A embarcação soçobrou e os
Minha
amiga, nossa conversa é longa.
Foram 19
Chegava
a
No
—
Não deixe, papai, ele é tão bonito!
—
Calma, filho, coisa bonita também morre!
E
—
Não chora, vai ver que ele não morreu!
Repentinamente,
entrava em cena com todo espalhafato: Pai Francisco e Mãe Catirina. Então
começava a
Nessa
noite, na minha rede armada ao lado da mamãe, o olhar da estampa de Santa
Terezinha, pendurada na parede de madeira, parecia me acompanhar em meus suaves
balanços; adormeci sorrindo. Ainda senti o afago da mão da mamãe acariciando
minha cabeça:
—
Dorme em paz, meu filho!
Recomendações,
conselhos e advertências, esse é ofício de toda mãe tentando proteger seu
filho. A minha não era diferente.
Tu
te lembras, Casa Velha?
—
Não vão lá naquele lugar. Aquilo é obra do Satanás – dizia ela, referindo-se a
um terreiro de candomblé próximo de ti.
Não
resisti à
Para
Obedeci
Foi-me oferecida,
As caboclas velhas de
Uma
O
—
Ninguém encosta a mão nele! Deixa ele!
O
Quanta
emoção, Casa Velha!
Ali
imóvel, olhar distante, talvez além do horizonte, apoiando o queixo no seu
cajado e, com a ponta enterrada na areia, seu inseparável terçado Collins 28. Mãos calejadas, face embrutecida
pela agressão das intempéries, sol, chuva e vento. Sentei-me, com todo o
respeito, à sua ilharga com o intuito de aprender uma nova lição de vida.
Apesar de
Ao
—
Por que choras meu bom homem? – perguntei-lhe intrigado.
—
Não te incomodes, é que sofro de vida — respondeu-me.
—
Ora, mestre Pedro, vida é esperança, é alegria.
—
Engano, meu jovem. Na minha fase é desengano e tristeza, pois quem vive, um
dia, certamente morrerá.
Nas
Ah, minha Casa Velha, quanta mágoa...
Preferiria
Lembras-te?
Havia na Bucólica —
Minha
mãe que conhecia de sobra os dois filhos mais velhos de uma prole de cinco,
chamou-os e severamente admoestou-os:
—
Não levem esses rapazes para o Cassino!
Os
peraltas entenderam a ordem exatamente no sentido inverso.
—
Vamos levar esses dois lá, para ver se são de alguma coisa! – disse o Cláudio,
dirigindo-se ao Carlos.
Já
ia a madrugada cedendo lugar aos primeiros alvores do amanhecer, quando
despertei com o insistente chamado da mamãe pelo papai.
—
Vai ver o que esses rapazes estão aprontando, há mais de uma hora que escuto o
murmurinho de suas vozes na esquina, próximo ao portão.
Resmungando,
papai levantou-se e foi se encontrar com a turma. E nada de voltar. Mamãe
chamou o Guilherme e em seguida o Fernando, que também foram e não voltaram, o
que aumentou ainda mais o bulício. Nessas alturas já haviam se levantado todas
as tias e mamãe, todas pressentindo algo tenebroso. É quando papai surge no
portão da cerca com seu tipo inesquecível, esguio, de andar elegante com uma
varinha de galho seco na mão direita, parecendo um maestro a reger aquela
súcia. Lúcio, um dos primos, xodó das senhoras, era o único que sangrava na
cabeça. Quando as tias perceberam que ele estava ferido, por pouco não ocorreu
uma tragédia. Quase que elas caíram no chão. Água com açúcar para uma, chá de
caamembeca para outra e leque para mais uma, até se refazerem do susto,
colocando os batimentos cardíacos em ordem e baixando a adrenalina.
Ato contínuo foi a bronca generalizada.
Carlos e Cláudio já estavam curtidos das broncas da mamãe, tal era a quantidade
de confusões em que se metiam. Todo final de semana teria que ter uma bronca,
porém José Geraldo, primo que morava com a Dindinha, era um cidadão de boa paz.
Detestava confusão. Nesse dia o infeliz era o que apresentava sua roupa de linho
branco, seu traje inseparável, totalmente rasgado. Da blusa de mangas
compridas, só restavam as mangas e uma parte das costas. O coitado, de bons
sentimentos, foi o mais execrado e xingado pela Dindinha.
Enquanto
isso, as outras tias e mamãe faziam curativo no pequeno corte na cabeça do
Lúcio, que muito sem graça com tanta atenção, repetia:
—
Chega, já estou pronto para outra!
Toda
desordem começava sempre pelo Cláudio e desta feita não foi diferente.
Era
começo de noite, quando meus irmãos e primos se sentaram em uma das
—
Junta tu – falou.
O
Aí
o
—
Eu te processo! Eu te processo!
Cláudio
veio lá de dentro e acabou com a festa do guarda, colocando-o fora de combate.
Alguém falou que o delegado, já presente naquela altura da confusão, havia
baleado o Carlos. Revoltado, Cláudio foi procurar o delegado, encontrando-o
logo em seguida.
—
Onde está meu irmão? – perguntou.
O
delegado ao ver que se tratava do Cláudio, vulgo Jacaré, tremeu nas bases.
—
Foi embora, atirei só para assustar.
—
Pois bem, se tu tiveres ao menos arranhado meu irmão, te prepara que vou
invadir aquela delegacia de merda. Reza.
Felizmente
nada havia acontecido com o Carlos, que já voltava para a briga, munido de dois
facões de mato Collins 28. Dissuadido pela turma que já vinha contando
cada um sua bravata, entrou na conversa e esqueceu-se de mais uma pugna. Após a
seção de todo tipo de ralhação, incentivados pelo papai, a conversa descambou
para a galhofa. Menos dona Léo, muito sisuda e severa, que continuava a
repreender seus filhos pela desobediência de sua recomendação.
Lúcio
e Lysis, para descontrair o ambiente, lembrando-se da efeméride, entoaram um
“Parabéns para você”, referindo-se ao aniversário da tia Glória. Todos
acompanharam e não sei, até hoje, de onde surgiu um bolo com tantas velas, que
após acesas, parecia mais um incêndio. Aí virou festa. Abraços, beijos, alegria
e sorrisos dissiparam aquele ambiente desagradável que pairava naquele momento.
Maré
cheia, sob o protesto da dona Léo que teimava em querer reter a turma dentro de
casa, porfiando carreira, saíram todos em disparada só parando dentro d’água.
Até o Zeca que, sorumbático, continuava amuado pelas broncas da Dindinha,
entrou na brincadeira. Como se para aliviar a tensão, saíram todos nadando até
muito longe da praia. Mais tarde os pescadores amigos do papai, alertaram-no
para não deixar os meninos irem tão longe, pois os cações estavam comendo os
peixes fisgados no espinhel. Foi um dia inesquecível.
Ah!
Casa Velha quantas recordações!
Uma
tarde, após terminar a pelada na praia do Areão, Fernando e eu viemos correndo
da vila até a casa debaixo de um forte pé d’água. Lá chegando, fomos direto
para o poço que abastecia a casa de água potável. Era um poço profundo que
papai mandara fazer, com bordas de alvenaria. Por um método rudimentar,
tirava-se água através de uma corda com um balde amarrado na ponta que era
içado no braço com auxílio de uma carretilha.
Não
sei por que, naquela área, era freqüente a queda de raios. Todos os
bacurizeiros, que são árvores enormes e se destacam das outras, foram atingidos
brutalmente por faíscas elétricas vindas da atmosfera. Sem darmos conta do
risco a que estávamos expostos, continuávamos nosso inocente banho,
desobedecendo aos apelos da mamãe que nos chamava para dentro alertando-nos do
perigo. Finalmente, já com um pouco de frio, entramos. A chuva e o mau tempo
não davam trégua. Mamãe com seu terço, rezava contrita pedindo a Santa Clara
que abrandasse o temporal e, por precaução, havia desligado a luz. Subimos a
escadinha de madeira, atravessamos a varanda e entramos no primeiro quarto. Acendi
a luz. Mamãe protestou lá do segundo quarto.
—
Desliguem isso meninos, não vêem que está relampejando?
—
Que nada mãe, acenda a luz aí — falei, pois o interruptor era no quarto dela.
—
Não, não vou acender! Vocês estão ficando loucos?
—
Acende aí, Fernando!
Nós
dois inteiramente molhados e nus.
Fernando
pôs-se na ponta dos pés e, por sobre uma meia porta divisória, tentou alcançar
o interruptor. Foi um estampido só. Parecia que tinham dado um tiro de canhão
dentro do quarto. Fernando enrijecido com os braços abertos e na ponta dos pés,
permanecia estático. Num movimento automático corri para abraçá-lo tentando
ampará-lo. Fui jogado a distância. Sem saber o que havia acontecido, mamãe e as
tias correram para nos acudir. O constrangimento foi maior por estarmos pelados
na frente daquelas respeitáveis senhoras. Foi um horror. Gritos, prantos
desesperados e angústias. Tudo em fração de segundos. Um raio caíra próximo à
linha num abacateiro da casa de Seu Pedro, pescador, distante da nossa mais de
uma quadra. Por esse motivo havíamos sobrevivido. Um medo tétrico se apossou de
mim. Pedi para fechar as janelas de nosso quarto. Fui dormir na rede junto com
mamãe e desfrutar do calor de suas costas largas como se fossem as asas do anjo
de guarda.
—
Viu o que acontece com quem desobedece aos conselhos da mãe? – alertou-nos com
um indisfarçável ar de sabedoria professoral.
Foi um grande susto.
Ah!
Casa Velha, presenciaste tudo isso com teu silêncio impassível.
—
Iniciava eu minhas incursões pela noite com a curiosidade própria do
adolescente, quando uma noite resolvi, sozinho, ir até o forró do Duca
Buretamba. Sob o luar da lua cheia, que clareava a rua sem asfalto e sem iluminação
elétrica, eu seguia temeroso. Com os olhos arregalados, coração palpitante,
respiração ofegante e dentes cerrados, seguia à risca o conselho de meu saudoso
pai:
—
Quando estiver com medo não olhe para trás.
Verdade.
Se olhar para trás, na terceira vez, com certeza, a pessoa acaba correndo,
cheio de pavor. A estrada, em vez de diminuir, à medida que eu caminhava,
parecia exatamente o contrário, a sensação era a de que aquele som do forró
estava cada vez mais distante. Noite de luar é uma coisa linda, poética e
romântica, mas no momento certo. Na minha situação, era um verdadeiro tormento
de momentos intermináveis. Quando a brisa soprava nas folhas das bananeiras, o
clarão da lua projetava uma sombra se movendo à minha frente ou ao lado. O
susto era imenso. O coração só faltava sair pela boca. Até que finalmente virei
a esquina e deparei-me com um pequeno barraco de madeira, suspenso do chão,
apoiado por esteios de madeira a uma altura aproximada de um metro, no melhor
estilo local de palafitas. Entusiasmei-me todo, estufei o peito, orgulhoso de
ter vencido galhardamente o trajeto até ali, subi a pequena escada, também de
madeira, e fui recebido pelo simpático festeiro Seu Duca Buretamba. Sujeito
simpático, hospitaleiro, amável, sorriso fácil, um mestiço trigueiro, chapéu de
palha sobre a cabeça, cobrava o ingresso dos cavalheiros que entrassem no salão
de baile. Preparei meu um cruzeiro para pagar o ingresso, mas não foi
necessário, Seu Duca me deu um largo abraço e disse:
—
Filho do Seu Timótheo aqui não paga!
Tímido,
encabulado, sem saber o que fazer, agradeci e deparei-me com o salão cheio.
Como de praxe, outrora, mulheres sentadas nos bancos corridos que circundavam o
salão e cavalheiros de pé. Antes de ir até a dama e tirá-la para dançar, trocavam-se
olhares para não correr o risco de levar um não. Situação constrangedora que
fazia qualquer descarado corar. Entre o telhado e o assoalho, havia um tapume
de madeira, que corresponde hoje ao sofisticado mezanino, uma pequena escada de
madeira para acesso do discotecário. Ali ficavam instalados os picapes ou a
aparelhagem de som, que poderia muito bem ser chamada de parafernália do som. Era
movida por um gerador de energia instalado do lado de fora do barracão, que produzia
um barulho ensurdecedor a ponto de, em certos momentos, superar as cornetas da
aparelhagem de som. Tinha dois toca-discos, para não haver interrupção nas
músicas, dando tempo ao discotecário de procurar o próximo 78 rpm a ser rodado
e um microfone cromado de mesa onde o locutor caprichava nos recados:
—
Aru! Aru! Zurmira ouve esta gravação que Parmira te oferece: o bulero
Imaringau, rautificando, Conserto de Vausuras – se referindo à canção Maringá e
ao Conserto de Varsóvia.
—
Ao membro da família Jacaré que acaba de chegar, nosso cordiar sardável.
—Aru!
Aru! Cavalheiro da camisa listrada, queira dançar direito, pois o recinto é
artamente familiau.
O
rapaz dançava apenas no estilo puladinho, mas pelo visto não era do
conhecimento do speaker ou DJ que talvez só conhecesse o monótono dois pra lá
dois pra cá. Timidamente, tirei uma caboclinha para dançar. Vestidinho rodado
de chita e aquele agradável perfume tradicional de patchouli com priprioca, a
donzela logo colou o rosto com o meu, num sinal positivo de que eu estava
agradando. Minha cabeça de adolescente, enternecida, divagava suavemente em
suas fantasias lascivas e eróticas. Certo momento, um pescador que parecia mais
um guarda-roupa, foi fazer uma firula no passo da dança, tentando variar o
trivial dois pra lá dois pra cá, deu uma rodada de bailarino. Abriu-se uma
clareira no salão. Vários pares foram atingidos inclusive eu, que, com uma
porrada do cotovelo do homem na minha nuca, caí por terra sobre a infeliz
moçoila. Um valente que fora atingido pelo bailarino e, do mesmo tamanho dele,
não conversou. Deu-lhe com os pés no peito, mais parecendo um golpe de aríete
medieval. O efeito foi de dominó e para piorar a situação aquele bolo de gente
foi parar exatamente no esteio que dava sustentação ao mezanino, fazendo descer
nosso alegre animador juntamente com toda sua parafernália musical.
Gritos
de histeria das mulheres, já trepadas nos bancos corridos, torcendo pelos seus
machos, pois naquela altura a pancadaria generalizou-se.
Seu
Duca, o festeiro, já de uma certa idade, tirava o chapéu da cabeça e pedia
ajuda aos santos:
—
Valei-me Nossa Senhora de Nazaré!
Não
sei se era o lugar próprio para uma santa tão milagrosa e tão recatada tirar
plantão, mas nada como a turma do deixa disso. Ânimos serenados, após uma hora
de arruaça, todos cooperaram para colocar o poleiro no devido lugar, dando
condições para que o baile prosseguisse. Nosso heróico locutor trocou as
agulhas dos toca-discos e felizmente a aparelhagem não havia sido danificada,
pois descera de maneira suave repousando sobre os dançarinos estatelados no
chão. Alguns sopros no microfone e fez-se ouvir a voz do animado e destemido
speaker.
—
Aru! Aru! 1,2,3. Aru! Aru!
1,2,3...
De
repente, adentra o salão Dona Justa. Todo o destacamento da
Gritou
o sargento para o nosso simpático locutor:
—
Ô! Aru Aru, desce daí. Tu tá em cana!
Tremendo
como se atingido por uma febre terçã, pálido como uma cera, o baixinho desceu,
deixando para trás uma catinga insuportável, o pobre coitado havia se borrado
todo diante da voz de prisão.
—
Baile encerrado! — sentenciou o sargento.
Nessas
alturas manda quem pode, obedece quem tem juízo. Todos se retiraram. Ainda me lembro das feições do Seu Duca, chapéu de
palha na mão, coçando a cabeça, com cara de choro, começava a contabilizar os
prejuízos sob protesto de alguns mais exaltados que queriam o dinheiro do
ingresso de volta. Após tantas emoções em uma única noite, em minutos eu estava
na minha casa. Tirei uma reta na tal rua que levava ao barracão do Seu Duca,
sem olhar para trás, parti em desabalada carreira. Devo ter batido todos os
recordes olímpicos.
Ah!
Casa Velha, sempre contei com tua conivência.
Numa
tórrida noite de janeiro, a chuva torrencial, que é constante no inverno
equatorial, havia dado uma trégua e a lua cheia clareava a baía de Guajará
transformando aquele espelho d’água numa imensa bandeja de prata, fazendo
contraste, ao fundo, com a alta e verdejante floresta da Ilha das Onças. Um
lindo espetáculo da natureza que é pródiga naquelas plagas. Na sede náutica do
Clube do Remo, nos preparávamos para dormir, com muito pesar de fechar os olhos
para aquela paisagem tão deslumbrante. Dormíamos cedo. Todos jovens. Armávamos
nossas redes e a brisa que soprava de Nordeste servia como afago e acalanto
para nossos sonhos e fantasias de rapazes. Às cinco horas da manhã todos de pé.
Barcos na água, iniciávamos nossos treinamentos. Nossa
Estávamos
—
Deve ser alguma vagabunda procurando homem!
Ali
era o lugar certo. Um bando de sonhadores irresponsáveis. Moça de boa fama para
lá não ligava. O turco se transformou. Com os olhos brilhando de alegria,
transmitiu-nos a notícia de que havia um avião da FAB na Base Aérea de
Val-de-Cães, com autorização da CBD para levar cinco atletas a fim de disputar
o Campeonato Brasileiro de Remo, na Lagoa Rodrigo de Freitas. Deveriam estar
pontualmente às cinco horas da manhã do dia seguinte na Base Aérea.
Com
o coração exultante de alegria, corri para minha casa a fim de dar a notícia e
pedir permissão aos meus pais. Fui recebido com a compreensão de meu pai e a
angústia de minha mãe. Mãe, uma história à parte na vida de cada um. Seu
coração a prevenira. Antes da minha partida ainda guardo na retina sua última
imagem, balançando-se em sua inseparável rede, olhos marejados, terço às mãos,
implorando ao meu pai:
—
Timótheo, não deixa esse menino viajar!
Papai,
um homem que dedicara grande parte da sua juventude ao desporto, compreendendo
o sacrifício do atleta amador e o amor pela disputa que empurra os atletas a
superar seus recordes, disse:
—
Não, ele venceu a eliminatória, ele vai. Filho, vai com Deus! Representa bem
nosso Estado e volta rápido.
Passei
a
O
aparelho tinha pouca autonomia de vôo. Não podia ver um campo de futebol que
pousava. Pousamos em Carolina do Norte, onde a comissão de recepção era
composta somente de índios que vinham em busca de algum trocado ou praticar
escambo, oferecendo arcos, flecha e galinhas a troco de algum utensílio que
lhes interessasse. Não foram felizes, nada apuraram. Aquilo era fato rotineiro
para os comandantes.
Nós,
todos pobres, com exceção do Rachid — não conheço turco pobre — carregávamos só
o necessário para fazer face a algum gasto extra que surgisse, pois a
hospedagem e a bóia estavam garantidas pela CBD.
De
volta ao aparelho, após várias outras escalas, conseguimos, finalmente,
aterrissar ao anoitecer na Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro, na parte
reservada aos militares. Ao lado da pista, muito capim, dava um ar de desleixo.
Pensei com meus botões, cheio de desdém:
—
Isso que é o tal do Rio de Janeiro?
Pegamos
—
O que foi que dissestes?
No
meu devaneio, pensei em voz alta:
—
Daqui não volto mais!
Sem
saber, estava decretando meu destino.
Chegamos
ao hotel, todos inexperientes e com hábitos diferentes, pouco traquejo social.
Meu companheiro de quarto não conhecia o bidê das instalações sanitárias.
Curioso, mexeu nas torneirinhas e levou um esguicho de água no rosto. O outro,
guardou a geléia de passar no pão, para depois do jantar, imaginando tratar-se
de sobremesa. Assim fomos cometendo nossas gafes.
No
dia seguinte pegamos o bonde 11, circular, e fomos dar um passeio. Na altura do
Parque Lage, no Jardim Botânico, dei sinal e descemos.
—
Aqui está próximo do hotel – disse eu do alto do meu total desconhecimento do
Rio de Janeiro. Era quase meio dia num sol de janeiro. Após horas de bom andar,
chegamos ao Hotel Ipanema, no Jardim de Alah, extenuados.
PAI, AQUI TERMINA A CASA VELHA.
SERÁ QUE NÃO VALE VOLTAR A ELA UM POUCO PARA ENCERRAR?
Pedro,
como acontece
Tu levavas vantagem na
hora da entrega dos presentes, pois eras o mais novinho. A turma do Vicente e
da Sônia já era maior e já curtia outros baratos. Possuías um grande prazer em
chupar bico. Nós adultos somos muito professorais, austeros com as crianças;
chatos mesmos.
— Esse menino tem que parar de chupar bico.
Estraga os dentes, deforma a personalidade!
Quanto conceito! Em
nenhum momento se imagina o prazer daquele ato, a delícia que é chupar bico.
Pobres crianças, desde cedo obrigadas a fazer tudo aquilo que os adultos impõem.
Que maldade! Na hora
marcada, naquela noite de Natal, “O “Bom Velhinho” chegou trazendo consigo
aquela reluzente bicicleta. Teus olhos faiscaram de alegria.
— É toda tua, porém
terás que me dar teu bico em troca e prometeres nunca mais voltar a chupar!
Numa
Naquele momento de
festa sua atenção toda era para a bicicleta. E na hora de deitar com seu
companheiro? Aquele que o ajudava a ninar e contar carneirinhos? Que teria sido
feito dele? Onde estaria? Teria sido jogado fora em uma lata de lixo? Estaria
sentindo frio, sozinho, naquela noite de Natal? Não teria ninguém para
chupá-lo? Estaria se lembrando de mim? Da maldade que lhe fiz?
Dia de chuva, não
pode. Dentro de casa, não pode. Na escola, não pode. Parece que cometi uma
traição e na troca da nova amiga pelo velho companheiro, fui injusto e levei
“manta”.
Eu, teu pai, assisti a
tudo calado e apreensivo. Queria ver o desfecho. Aquele propósito teria sido
momentâneo? Tu voltarias atrás no dia seguinte? Para mim, aquela noite de Natal
não foi igual às outras. Fiquei cismático.
Bravo, filho!
NÃO SERIA MELHOR TERMINAR NO
“Bravo, filho!”?
FIM
Nenhum comentário:
Postar um comentário