segunda-feira, 26 de agosto de 2024

OSCAR JORNA 56

 “OSCAR JORNA 56”

Anos 60. 

Nossa turma continuava “ativa e operante” jogando bola num campo improvisado dentro da área comum dos prédios, de vez em quando uma vidraça quebrada pela falta de perícia de algum dos atletas. Só acontecia nos apartamentos mais baixos pois faltava força para chegar ao 16° andar. Não havia discussão no dia seguinte o nosso Djalma já estava lá colocando outro vidro. As mães preferiam os filhos ali na pelada do que alçando voo em aventuras distantes. 

A maioria dos competidores era estudante, como eu era operário não podia participar, pois nos finais de semana os times já estavam formados. Todos unidos, inflação de alegria, abraços e sorrisos.

Nesse clima vivia a maioria dos moradores. Os prédios muito cobiçados pela construção sólida e apartamentos amplos servidos por elevadores de alta qualidade. Por eles passaram inúmeras personalidades de poetas como Paulo Mendes Campos a jogadores de futebol como Newton Santos. Foi então que budou-se para o B1 um produtor cinematográfico chamado João, João de Deus (acho). Era amigo do nosso amigo Carlinhos Raposo, boa pinta, extrovertido, bom de pelada na areia onde fazia companhia para o Estradinha e outros do prédio.

O João (de Deus?) pediu ao Carlinhos que arrumasse alguns coadjuvantes para filmar uma cena de seu filme. O Carlinhos seria o ator principal.

Tudo combinado. O título do filme: JUVENTUDE TRANVIADA. Naquela época identificava os “bad boys”. A cena foi filmada na Sorveteria Kidy’s onde hoje é o Garden Bar.

Naquela época foi uma das primeiras sorveterias daquela área com balcão frigorífico. A noite transformava-se num bar soturno, pouca luz com lâmpadas fracas e ainda servia cachaça no balcão. Convite aos delinquentes e meliantes.

Na noite da filmagem a turma ficou alvoroçada e algumas famílias dos participantes também. Foram todos assistir a filmagem. Sob aplauso chegaram os atores.

Confusão de fios para os canhões de iluminação, o cinegrafista coitado com uma câmara jurássica tentava os melhores ângulos num sacrifício hercúleo. 

Cena principal, Carlinho sentado a uma mesa de pés de ferro muito enferrujada, blusa aberta em desalinho, pernas esticadas numa posição totalmente relaxada. O detalhe era o cigarro no canto da boca e olhos semicerrados. Deu trabalho para deixar transparecer que fosse de maconha. Algum prático consumidor o fez com habilidade.

Lançamento no Cinema em tela Cinemascope. Plateia lotada na maioria por familiares dos atores inclusive os austeros pais do Carlinhos para prestigiar a desenvoltura de seu filho, apesar de não saberem qual era o enredo.

Passado uns dias, chega o Carlinhos ainda com algumas marcas da surra que levou dos pais por ter fumado maconha.

Carreira efêmera de um de um promissor ator cinematográfico.

05/04/2004

Pedro Parente


largo da se SOBRADO

sábado, 17 de agosto de 2024

CURUPIRA OU ANHANGÁ

 CURUPIRA OU ANHANGÁ


A fazenda do vô Hilário se situava à margem direita do alto rio Guamá na confluência com o igarapé Muraiteua encrustada na mata.

O casarão era iluminado por lamparinas e candieiros, nessas condições vivia-se aos modos dos ribeirinhos. A alimentação vinha do rio e da floresta.

Quem não conhece não faz ideia daquele modus vivendi. A cada passo um sobressalto, cobra, insetos peçonhentos e para piorar as entidades extra-sensoriais da mata.

No rio, a pororoca.

Como nós irmãos éramos frequentadores assíduos, ouvíamos os “causos” contados pelos colonos e trabalhadores da fazenda, já entravamos na floresta precavidos.

Certo dia dois irmãos gêmeos Álvaro e Edmar me fizeram companhia. Fiquei satisfeito e com menos medo de me perder na companhia daqueles dois machos fortes, só musculos, carregavam sacos de arroz de sessenta quilos diariamente, pensei:

-Tô feito!

Enganei-me totalmente!

Caminhávamos lentamente na mata há pouca distância.

Percebi que estávamos andando em círculos numa parte alagada e cheia de espinhos. Aprendi que aquilo era um sintoma de que estávamos “mundiados” quer dizer o curupira nos encantou.

Ouvi um grito de socorro vindo de meus valentes escudeiros. Corri na direção e encontrei-os abraçados chorando.

- Me tirem daqui!

Acalmei-os e mostrei como sair das garras do curupira.

Pega-se um cipó, tece uma rodinha e esconde a ponta. Pendura num galhinho e vai embora. O curupira que vem atrás pega a rodinha de cipó e fica procurando a ponta, aí dá tempo de sair do encantamento.

Não contei nada para ninguém na casa grande sobre a coragem dos gêmeos, os outros iriam pegar na pele deles.

Vida feliz!

17/08/2024

Pedro Parente

  



sexta-feira, 16 de agosto de 2024

NAVIO DE MOSQUEIRO

    MOSQUEIRO


Não sei mais como é hoje. 

No meu tempo de colegial havia férias escolares em julho e final do ano, dezembro e janeiro. Sendo daqueles alunos que procuram a última fila de carteiras nas salas de aula adorava ficar o dia inteiro na praia por conta “do à toa”.

Por doença do meu irmão, meu pai fora aconselhado pelo médico da família que fosse para praia. Foi construído um chalé de madeira avarandado em frente à Praia Grande na Ilha de Mosqueiro o balneário escolhido por veranistas endinheirados que exploravam a borracha e o cacau da Amazônia.

O transporte era feito de navio Mamãe saia de casa somente nesse dia ou para alguma procissão. 

Coitada!

Tinha que levar tudo, até as panelas e o fogão, pois se deixássemos lá não encontraríamos nada. 

O que era colônia de pescadores transformava-se em colônia de pecadores, ladrõezinhos descuidistas.

As férias do meu pai não coincidiam com as nossas Eu tinha pena dele. Chegava no navio diariamente no início da noite e as cinco horas tinha que estar no ponto do micro ônibus que corria a ilha pegando os passageiros que iam para Belém.

Não faltava um só dia!

16/08/2024

Pedro Parente

 








   MOSQUEIRO

Não sei mais como é hoje.

No meu tempo de colegial havia férias escolares em julho e final do ano, dezembro e janeiro. Sendo daqueles alunos que procuram a última fila de carteiras nas salas de aula adorava ficar o dia inteiro na praia por conta “do à toa”.

Por doença do meu irmão, meu pai fora aconselhado pelo médico da família que fosse para praia. Foi construído um chalé de madeira avarandado em frente à Praia Grande na Ilha de Mosqueiro o balneário escolhido por veranistas endinheirados que exploravam a borracha e o cacau da Amazônia.

O transporte era feito de navio Mamãe saia de casa somente nesse dia ou para alguma procissão.

Coitada!

Tinha que levar tudo, até as panelas e o fogão, pois se deixássemos lá não encontraríamos nada.

O que era colônia de pescadores transformava-se em colônia de pecadores, ladrõezinhos descuidistas.

As férias do meu pai não coincidiam com as nossas Eu tinha pena dele. Chegava no navio diariamente no início da noite e as cinco horas tinha que estar no ponto do micro ônibus que corria a ilha pegando os passageiros que iam para Belém.

Não faltava um só dia!

16/08/2024

Pedro Parente

 

 

 

 

 

 


quarta-feira, 14 de agosto de 2024

PAPAI

 PAPAI

Há dias comemorou-se Dia dos Pais. Pai homem porque “pais” engloba o casal pai e mãe.

Ele é um ser especial que enfrenta um leão por dia passa muitas vezes pelo anonimato, raramente lembrado nas homenagens do dia a dia. Infelizes os que não o conheceram.

No meu caso lembro com muita saudade dele.

Levantava-se pela manhã, mamãe da janela do sobrado em que morávamos o seguia com seus olhos até que entrasse no Banco onde trabalhava. 

Uma ocasião deixou o emprego e foi trabalhar com seu irmão em um barco grande que construíram. 

Levavam mantimentos diversos que trocavam com os ribeirinhos por produtos da floresta.

Carga perigosa, latas contendo vinte litros de querosene pois não tinha energia elétrica nas palafitas.

No meio do Amazonas o motor do barco pifou. Ficaram a deriva açoitado por forte temporal. As ondas cresceram muito e havia risco de soçobrarem. 

Papai, que se dizia ateu, fez uma promessa à Virgem de Nazaré, nossa padroeira, de acompanhar o Círio com a família, todos descalços.

Conseguiram se salvar. Depois que a tempestade passou e o rio amainou. 

Importaram a peça visto que o Brasil não fabricava quase nada.

Instalaram o eixo virabrequim após esperarem vários dias e seguiram viagem, porém meu pai por ser muito conhecido, fingiu esquecer-se da promessa, mas a mamãe a quem houvera contado, não esqueceu.

Conclusão, no dia da procissão do Círio de Nazaré, mamãe colocou a família toda nos cascos, isto é, sem sapatos. 

Meu pai envergonhado com a rosto vermelho de vergonha, atrasou o passo para que fossemos todos no final da romaria evitando com isso olhares conhecidos.

Minha singela de uma das lembranças daquele que não me sai da cabeça desde que se foi.

Espero encontrá-lo novamente!

14/08/2024

Pedro Parente



sexta-feira, 9 de agosto de 2024

OUTONO

 OUTONO




Quando adquiri o terreno onde hoje moro no arrabalde de São João del-Rei, tive que começar do zero, pois era de meia encosta tomado de capim “barba de bode”, isto é, sem valor. 

Seu acesso por uma estradinha de terra, muitas vezes tive que pedir licença aos bezerros de um senhor de cabeça branca que os tocava carinhosamente para outro pasto.

Com auxílio de um trator removi o capim ficando só terra. Me dispus a plantar muitas árvores, pois sendo amazônico trago comigo a alma da floresta, a mansidão e a força daqueles rios que por lá serpenteiam.

Ainda moço não percebia que estava criando uma família. Cada árvore uma vida. 

Hoje estou rodeado por elas e na minha idade provecta, aprendi a vê-las de outra maneira, chego a conversar com elas e ouvir suas respostas com a sensação de um generoso abraço.

Há décadas assisto o outono chegar e observar o comportamento das árvores. A sensação que tenho é de ficarem envergonhadas. Por perderem suas folhas ficam expostas e desnudas mostrando seus caules a olhares indiscretos. 

Logo chegará a primavera e suas vestes serão recompostas. Aí exibem sua beleza presenteando-nos com flores de várias matizes e frutos saborosos.

Aliás recebi um presente. 

Dizem que quem planta um ipê amarelo, raramente tem tempo de vê-lo florescer. 

O ipê que plantei com a Neném nos presenteou com uma tímida florada. 

A primeira!

09/08/2024

Pedro Parente



 


segunda-feira, 5 de agosto de 2024

 BANCÁRIO

Meu pai era filho de emigrantes italianos que se estabeleceram em Abaetetuba as margens do rio Maratauira no baixo Tocantins no Pará. Ainda menino pelas mãos de seu pai, próspero comerciante, entrou para um Banco com sede em Belém na função de “office boy” que consistia em ajudar no expediente interno levando papéis de uma mesa à outra dos funcionários graduados.

Naquela época, sem os recursos modernos, a maioria das coisas eram feitas manualmente inclusive a escrituração bancária. Por isso, as escolas de ensino fundamental, usando cadernos próprios ensinavam uma matéria que não ouço mais falar chamada caligrafia. Ao se propor uma vaga para trabalhar era fundamental que a pessoa tivesse boa caligrafia cursiva.

Meu pai não foi dos melhores alunos, porém em caligrafia era sempre elogiado pela mestra de quem recebia as melhores notas. Não se tornou nem doutor e nem banqueiro, mas sua aptidão lhe ajudou a ir galgando degraus superiores no seu emprego, pois tudo era escriturado ipsis litteris, isto é a mão livre em enormes livros pautados.

A vida é generosa com alguns e severa para outros!

A família proprietária do Banco envelheceu e consequentemente houve substituição na administração. Tomou posse na presidência da empresa um jovem e progressista rapaz da mesma idade do meu pai e o nomeou gerente geral.  Tornaram-se amigos íntimos.

“Nessas voltas que a vida dá...” vim para o Rio disputar um campeonato brasileiro de remo na Lagoa Rodrigo de Freitas e por lá fiquei morando com minha tia no Leblon no Edifício dos Jornalistas Trabalhava de estafeta num escritório na Avenida Rio Branco.

O Banco inaugurou uma Agência na rua da Alfândega e lá fui trabalhar por ser filho do gerente de Belém. Passei a ser olhado de várias maneiras, uns por inveja outros por puxa-saquismo, porém números nunca foram meu forte, ainda mais tomar conta do dinheiro alheio.

Fui levando recebendo um certo respeito da diretoria. Nessa condição coloquei um amigo de boêmia no Banco. Não demorou, mandaram-no embora. Solidário, botei minha carteira do trabalho em cima da mesa do gerente e pedi que me demitisse. O fez sob protesto.

Lá estava eu desempregado.

Vestia meu terno e ia para o Centro garimpar emprego.  

O Contador do Banco que saí era um bom homem. Preocupado com minha situação mexeu seus pauzinhos entre os colegas bancários e arranjou uma vaga no Banco Irmãos Guimarães esquina de Sete de Setembro com Gonçalves Dias, próximo a badalada Confeitaria Colombo. Aquela dos “velhinhos...”! (marchinha de carnaval).

Fui entrevistado por um subgerente mal encarado logo percebi que era egresso de tropa militar, pois o corte de cabelo o denunciava. Gravata apertada botava as banhas do pescoço pra fora e a papada escondia o nó feio, enorme, triangular e úmido de suor. O paletó não abotoava e o sujeito tinha um olhar peculiar a “capitão do mato”.

Sisudo me fez umas perguntas inerentes ao cargo pleiteado no que lhe respondi de maneira correta, pois já trazia experiência do outro Banco. Não simpatizei com o cidadão. Trazia consigo muito recalque. Tive certeza que seria meu algoz.

Fiquei como atendente no balcão porque era bonitinho, educado e me vestia bem. 

Uma tarde chegou um cliente que tinha sumido, deixando sua conta parada. Havia uma chapinha de metal que identificava cada cliente com o número da conta, seu nome e endereço. As chapinhas das contas paradas eram separadas das contas em movimento. O subgerente mandou eu autenticar a cartolina com a chapinha do cliente. Se ele estava sumido procurei nas contas paradas e passei para contas em movimento.

Lá em baixo os dois me esperavam, o subgerente e o chefe da secção Normando. Me perguntaram o que fiz. Lhes respondi que tinha tirado a chapinha das contas paradas e passado para as contas em movimento. Riram entre si e o Normando afirmou pro sub:

- Bancário antigo!

Desse dia em diante fiquei com esse apelido até me apelidarem de “Geraldinho”.

Entrei em abril e em setembro recebi cem por cento de aumento.

Fiquei super feliz!

Felicidade efêmera, o recalcado me mandou embora sob protesto dos colegas.

Vida que segue!

05/08/2024

Pedro Parente