segunda-feira, 5 de agosto de 2024

 BANCÁRIO

Meu pai era filho de emigrantes italianos que se estabeleceram em Abaetetuba as margens do rio Maratauira no baixo Tocantins no Pará. Ainda menino pelas mãos de seu pai, próspero comerciante, entrou para um Banco com sede em Belém na função de “office boy” que consistia em ajudar no expediente interno levando papéis de uma mesa à outra dos funcionários graduados.

Naquela época, sem os recursos modernos, a maioria das coisas eram feitas manualmente inclusive a escrituração bancária. Por isso, as escolas de ensino fundamental, usando cadernos próprios ensinavam uma matéria que não ouço mais falar chamada caligrafia. Ao se propor uma vaga para trabalhar era fundamental que a pessoa tivesse boa caligrafia cursiva.

Meu pai não foi dos melhores alunos, porém em caligrafia era sempre elogiado pela mestra de quem recebia as melhores notas. Não se tornou nem doutor e nem banqueiro, mas sua aptidão lhe ajudou a ir galgando degraus superiores no seu emprego, pois tudo era escriturado ipsis litteris, isto é a mão livre em enormes livros pautados.

A vida é generosa com alguns e severa para outros!

A família proprietária do Banco envelheceu e consequentemente houve substituição na administração. Tomou posse na presidência da empresa um jovem e progressista rapaz da mesma idade do meu pai e o nomeou gerente geral.  Tornaram-se amigos íntimos.

“Nessas voltas que a vida dá...” vim para o Rio disputar um campeonato brasileiro de remo na Lagoa Rodrigo de Freitas e por lá fiquei morando com minha tia no Leblon no Edifício dos Jornalistas Trabalhava de estafeta num escritório na Avenida Rio Branco.

O Banco inaugurou uma Agência na rua da Alfândega e lá fui trabalhar por ser filho do gerente de Belém. Passei a ser olhado de várias maneiras, uns por inveja outros por puxa-saquismo, porém números nunca foram meu forte, ainda mais tomar conta do dinheiro alheio.

Fui levando recebendo um certo respeito da diretoria. Nessa condição coloquei um amigo de boêmia no Banco. Não demorou, mandaram-no embora. Solidário, botei minha carteira do trabalho em cima da mesa do gerente e pedi que me demitisse. O fez sob protesto.

Lá estava eu desempregado.

Vestia meu terno e ia para o Centro garimpar emprego.  

O Contador do Banco que saí era um bom homem. Preocupado com minha situação mexeu seus pauzinhos entre os colegas bancários e arranjou uma vaga no Banco Irmãos Guimarães esquina de Sete de Setembro com Gonçalves Dias, próximo a badalada Confeitaria Colombo. Aquela dos “velhinhos...”! (marchinha de carnaval).

Fui entrevistado por um subgerente mal encarado logo percebi que era egresso de tropa militar, pois o corte de cabelo o denunciava. Gravata apertada botava as banhas do pescoço pra fora e a papada escondia o nó feio, enorme, triangular e úmido de suor. O paletó não abotoava e o sujeito tinha um olhar peculiar a “capitão do mato”.

Sisudo me fez umas perguntas inerentes ao cargo pleiteado no que lhe respondi de maneira correta, pois já trazia experiência do outro Banco. Não simpatizei com o cidadão. Trazia consigo muito recalque. Tive certeza que seria meu algoz.

Fiquei como atendente no balcão porque era bonitinho, educado e me vestia bem. 

Uma tarde chegou um cliente que tinha sumido, deixando sua conta parada. Havia uma chapinha de metal que identificava cada cliente com o número da conta, seu nome e endereço. As chapinhas das contas paradas eram separadas das contas em movimento. O subgerente mandou eu autenticar a cartolina com a chapinha do cliente. Se ele estava sumido procurei nas contas paradas e passei para contas em movimento.

Lá em baixo os dois me esperavam, o subgerente e o chefe da secção Normando. Me perguntaram o que fiz. Lhes respondi que tinha tirado a chapinha das contas paradas e passado para as contas em movimento. Riram entre si e o Normando afirmou pro sub:

- Bancário antigo!

Desse dia em diante fiquei com esse apelido até me apelidarem de “Geraldinho”.

Entrei em abril e em setembro recebi cem por cento de aumento.

Fiquei super feliz!

Felicidade efêmera, o recalcado me mandou embora sob protesto dos colegas.

Vida que segue!

05/08/2024

Pedro Parente





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