quarta-feira, 23 de maio de 2018

MEMÓRIA RIBEIRINHA

MEMÓRIA RIBEIRINHA - À margem direita do alto Rio Guamá na confluência do igarapé Muraiateua no Pará em terras do Coronel Hilário no sítio Canta Galo, foi instalada a casa grande.
Lugar muito movimentado devido a uma taberna que fornecia e vendia gêneros alimentícios, querosene para lamparinas, café, fumo de rolo, calçados, Cibalena para dor de cabeça, Específico Pessoa contra veneno injetado por picadura de cobras e outras bugigangas mais...
Um grande trapiche de madeira adentrava ao rio. Ali atracavam as embarcações de mascates e o barco que fazia a linha, isto é, ele saía de Belém e seguia rio acima parando em cada moradia para embarcar o desembarcar passageiros. Era o nosso coletivo, pois o rio era nossa estrada.
Convivíamos todos em harmonia acompanhando a marcha serena do rio com seu movimento de enchente e vazante.
Na outra margem com aproximadamente 2km ficava o cacaual. Os frutos dele colhidos eram transportados em barcos movidos a remo. Um trabalho pesado.
Na casa grande moravam várias famílias de descendentes do coronel.
Como em todo lugar, devido a pluralidade de comportamentos, se destacava Tio Cazuza.
Sempre arrumadinho, não queria nada com serviço pesado.
Serviria bem como mestre de cerimônias ou relações públicas. Pessoa de fino trato. Incapaz de uma indelicadeza. Respeito absoluto pelo coronel. Quando pressentia a presença dele, tratava de se esgueirar entre as árvores.
Certo dia, não teve jeito. O coronel mandou chamá-lo e transmitiu-lhe uma ordem:
- Acompanhe o Saturnino até o outro lado para ajudá-lo a colher cacau.
Tio Cazuza tremeu da cabeça aos pés.
Saturnino era um rapaz vigoroso, de pouco sorriso e de um mal humor exacerbado, tanto que recebeu o apelido de "Velho".
Entraram no batelão, nome dado às canoas maiores para transporte de mercadorias e atravessaram o rio.
Tio Cazuza fingia que remava e não derramou uma gota de suor. Enquanto isso o pobre do Velho ia fomentando sua raiva. Aumentou ainda mais quando percebeu que estava colhendo os frutos praticamente sozinho.
Numa dessas levadas de mão para colher o cacau, talvez por indução do capeta, confundiu uma caixa de marimbondos com o fruto.
Foi atacado pelo enxame. Seu ódio foi tanto, desesperado, indefeso sem poder revidar, detonou um pé de pimenta malagueta mastigando-as com toneladas de ódio nas mandíbulas.
Tio Cazuza atônito, sem saber o que fazer e não ter para onde correr, se agachou atrás de uma frondosa árvore e se aliviou de uma imensa diarreia.
Mudos atravessaram de volta com a canoa lotada de cacau e de contra peso o inchaço provocado pelas ferroadas de marimbondo na pele do Velho que espumava ódio pelas ventas.
23/05/2018
Pedro Parente

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